LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Com a menor abstenção em mais de uma década (34%), os portugueses foram às urnas neste domingo (10) em eleições antecipadas para escolher seu novo Parlamento. Em uma disputa apertada, a AD (Aliança Democrática), coligação dos partidos da direita tradicional, levou o maior número de cadeiras, e o Partido Socialista, que estava no poder desde 2015, admitiu a derrota.
O grande destaque, porém, foi a legenda de ultradireita Chega, que se consolidou como terceira força ao quadruplicar sua bancada e se tornou peça-chave para a definição do próximo governo.
Com 226 das 230 cadeiras da Assembleia definidas até as 23h de Brasília, a AD tinha conquistado 79 assentos, contra 77 dos socialistas. O Chega, que tinha apenas 12 deputados na legislatura atual, pulou para 48. Dos 22 restantes, as siglas de esquerda levaram 13, a direita 8, e uma ficou com uma sigla independente.
Os quatro assentos não apurados correspondem aos votos de eleitores que moram no exterior, como no Brasil. Em tese, o PS poderia ultrapassar a AD, mas os socialistas consideravam esse quadro improvável e, ao menos por ora, não contavam com essa hipótese.
Em seu discurso de vitória, o líder da AD e presidente do PSD (Partido Social Democrata), Luís Montenegro, exaltou o desejo de mudança expresso pelos portugueses nas urnas. Montenegro se disse pronto a formar um governo, mas reafirmou que não pretende incluir o Chega nesse arranjo.
“Eu assumi dois compromissos na campanha eleitoral [não incluir o Chega e só ser premiê se ganhasse as eleições] e, naturalmente, cumprirei minha palavra”, respondeu aos jornalistas.
No sistema eleitoral luso, vota-se no partido, e não diretamente no candidato. Após a definição dos assentos parlamentares, as bancadas podem fazer acordos e coligações que sustentem outros arranjos governativos. Por isso, a composição total do Parlamento importa para a formação do Executivo.
Tradicionalmente, o partido mais votado indica o premiê, mas isso não é obrigatório. Em 2015, o Partido Socialista chegou ao poder mesmo tendo ficado na segunda colocação, graças a uma inédita união pós-eleitoral dos partidos de esquerda, apelidada pejorativamente de geringonça devido à aparente fragilidade do entendimento.
Por isso a importância do Chega, legenda populista com discurso antissistema e contra a imigração. Apesar do discurso de Montenegro, o resultado nas urnas leva a crer que uma composição sem essa terceira força seria improvável.
Primeiro líder partidário a se manifestar, André Ventura, presidente do Chega, afirmou que o desempenho de sua sigla indica o fim do bipartidarismo entre PSD e PS em Portugal.
O deputado expressou que o resultado “permite ao Chega negociar um governo” e deixou claro que irá pressionar Montenegro a incluir a sigla no futuro gabinete. “Os portugueses manifestaram-se claramente e disseram que querem um governo de dois partidos: da AD e do Chega”, disse Ventura, para quem seria irresponsável não aproveitar a maioria atribuída nas urnas às duas siglas.
Fundado em 2019, o partido elegeu seu primeiro deputado no mesmo ano: o próprio André Ventura, um advogado e comentador esportivo que ganhou projeção nacional por falas controversas, como a associação da comunidade cigana ao recebimento irregular de benefícios e a afirmação de que havia “excessiva tolerância com alguns grupos e minorias étnicas”.
Um dos assentos já garantidos pelo Chega nesta próxima legislatura é de um brasileiro, o professor de artes marciais Marcus Santos, pelo distrito do Porto.
O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, reconheceu a derrota, embora tenha classificado o resultado do pleito como tangencial. “O Partido Socialista será oposição”, anunciou. “Renovaremos o partido e procuraremos recuperar os portugueses descontentes com o PS. Essa é a nossa tarefa”, declarou.
Embora tenha afirmado que não irá inviabilizar um governo da AD votando a favor de uma moção de censura, Santos deixou claro que não pretende contribuir para a sustentação de um Executivo do bloco de direita. “Não somos nós que vamos suportar um governo da AD.”
Especulações sobre a possibilidade de formação de um bloco central, com apoio socialista à AD, ganharam força ao longo da apuração, com o que seria uma forma de já excluir o Chega das conversas para um novo governo.
Apesar de o líder do PS ter admitido o insucesso nas urnas, o primeiro-ministro demissionário, António Costa, preferiu um discurso de espera pelos votos do exterior. “A única certeza que podemos ter é que, tendo em conta o volume de votos que chegarão nos próximos dias dos círculos da emigração, provavelmente não será hoje que teremos o resultado das eleições.”
Ainda nesta semana, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, deve convidar um dos líderes partidários, provavelmente Luís Montenegro, para iniciar as negociações de governo
Previsto para acontecer apenas em 2026, o pleito foi convocado de forma antecipada após a renúncia de Costa, em novembro, quando uma investigação de corrupção em negócios do setor de transição energética atingiu o núcleo de seu governo.
A inesperada crise política pegou os próprios partidos de surpresa, uma vez que a confortável maioria absoluta dos socialistas, com 120 dos 230 assentos parlamentares, poderia levar à conclusão da legislatura sem sobressaltos.
GIULIANA MIRANDA / Folhapress