SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Machos grandalhões e fêmeas de porte mais modesto parecem, à primeira vista, ser a regra entre mamíferos como nós, mas o mais completo levantamento feito sobre as diferenças entre os sexos no grupo ao qual pertence o ser humano indica que a situação real é muito mais complicada.
Na verdade, predominam as espécies em que machos e fêmeas têm tamanho similar ou nas quais elas costumam ser maiores do que eles. Essas duas situações correspondem a 55% dos mamíferos. No restante das espécies do grupo, os machos são, de fato, mais parrudos.
A análise acaba de sair na revista especializada Nature Communications, sendo liderada por Kaia Tombak, pesquisadora ligada à Universidade da Cidade de Nova York e à Universidade de Princeton. O estudo assinado por Tombak e seus colegas Severine Hex e Daniel Rubenstein retoma pesquisas dos anos 1970 que já indicavam uma situação mais parelha entre os sexos no que diz respeito ao tamanho, mas que acabaram sendo relativamente ignoradas pela maioria dos cientistas.
A lógica por trás da ideia de que normalmente os machos seriam o sexo maior entre os mamíferos vem sendo desenvolvida desde os textos pioneiros do pai da biologia evolutiva, Charles Darwin (1809-1882). Levando em conta o enorme investimento exigido do organismo das fêmeas durante a gravidez e a amamentação, e o fato de que elas produzem uma quantidade limitada de óvulos em cada ciclo menstrual, fazia sentido imaginar que elas seriam o sexo “escolhedor”, selecionando cuidadosamente poucos parceiros ou mesmo um só.
Os machos, por outro lado, por sua capacidade de, em tese, fertilizar um número muito mais amplo de fêmeas em relativamente pouco tempo, teriam incentivos maiores para competir entre si e tentar monopolizar diversas parceiras. O tamanho maior seria um elemento importante para ter sucesso nessa competição e também para atrair fêmeas.
No entanto, argumenta o novo estudo, o modelo descrito acima para as interações entre os sexos parece ter sido formulado a partir de um número limitado de subgrupos de mamíferos, como artiodátilos (bovinos, cervos, suínos etc.), carnívoros e primatas, nos quais esse padrão é bem mais comum.
Concluir com base nesses subgrupos que os machos normalmente são brutamontes poderia ser, portanto, um raciocínio circular. “A grande maioria das espécies de mamíferos pertence aos grupos dos roedores e dos morcegos, que são pouco representados nos estudos sobre o tema”, escrevem os pesquisadores.
Para tentar evitar esses vieses, a equipe montou um banco de dados com informações sobre 429 espécies de mamíferos. A intenção é que a amostra representasse pelo menos 5% das espécies de cada uma das ordens do grupo (ordens são agrupamentos relativamente abrangentes, como os primatas, roedores e carnívoros já citados), com exceção da ordem Eulipotyphla (a dos ouriços europeus e toupeiras).
Eles também consideram mapear ao menos 5% das espécies em cada uma de 66 famílias de mamíferos (no total, existem 78 famílias do grupo). As famílias são agrupamentos menores, como as dos felídeos (gatos) e hominídeos (orangotangos, grandes símios africanos e o ser humano).
Para aumentar a confiabilidade estatística, eles só incluíram na lista espécies em que havia pelo menos nove indivíduos de cada sexo nas medições. Com base nesses dados, eles estimam que 45,1% das espécies de mamíferos têm machos com massa corporal superior à das fêmeas, em média. Por outro lado, 38,7% das espécies são “sexualmente monomórficas em massa corporal”, com machos e fêmeas de tamanho similar. Por fim, em 16,2% das espécies, as fêmeas seriam mais pesadas.
Se o comprimento do corpo for levado em conta, a situação é ainda mais similar entre os sexos. Por essa medida, 49,9% das espécies têm tamanho similar entre os sexos, enquanto 28% têm machos maiores e 22,1% contam com fêmeas maiores, em média.
Quando há diferenças, o tamanho dos machos é mais exagerado que o das fêmeas. Em média, quando eles são maiores, a diferença em relação às fêmeas é de 30%. Já as fêmeas, quando são mais robustas, têm massa, em média, 13% superior à dos machos.
A equipe verificou que, de fato, cada subgrupo dos mamíferos parece ter seu próprio padrão. Primatas e artiodátilos de fato costumam ter machos grandões, enquanto entre os roedores o tamanho parelho é a norma em metade das espécies. Já no caso dos morcegos quase metade das espécies conta com fêmeas maiores que os machos.
Segundo os pesquisadores, os dados ajudam a repensar o modelo simplista das estratégias reprodutivas de machos e fêmeas entre mamíferos. Eles apontam, por exemplo, a existência do modelo da “Mãe Grandona” segundo a qual fêmeas de maior porte conseguiriam oferecer mais recursos (como leite) e proteção à cria, dependendo da espécie.
Além disso, em muitos animais a competição pela fecundação entre os machos se dá por meio da produção elevada de espermatozoides, o que dispensaria, em certa medida, o confronto direto e a necessidade de ser maior. Por outro lado, também ocorre competição entre as fêmeas, a depender de outras variáveis.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress