STF decide se mães não gestantes em união homoafetiva têm direito à licença

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir, nesta quarta-feira (13), se mães não gestantes em união estável homoafetiva também podem ter direito à licença-maternidade.

A análise valerá para os casos em que as gestações de suas companheiras decorram de procedimento de inseminação artificial.

A decisão terá repercussão geral, quando o entendimento do tribunal é aplicado em casos semelhantes em instâncias inferiores da Justiça.

De acordo com o sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), há oito processos paralisados no Judiciário aguardando uma definição do STF sobre o tema atualmente.

Segundo informações do órgão, o número pode ser ainda maior, levando em conta que os tribunais são responsáveis por abastecer o dados.

Um dos casos é o de Camila Lopes, de 41 anos. Ela e a mulher tiveram uma gestação compartilhada, em que esta recebeu um embrião fruto da inseminação dos óvulos de Camila com o sêmen de um doador anônimo.

Ambas amamentaram —Camila passou por um processo de estimulação de leite com o uso de medicamentos, alternativa utilizada também por mulheres que não conseguem produzir em grande volume.

Ela pediu autorização no trabalho para tirar a licença maternidade de 120 dias, mas lhe foi negada. Por causa disso, o casal entrou com um pedido na Justiça para que as duas pudessem ter direito ao benefício.

A liminar só foi concedida após elas atenderem ao pedido de uma juíza para enviar fotos e vídeo de Camila amamentando, o que ela lembra até hoje como um episódio constrangedor do processo.

A servidora também afirma que sua filha, hoje com 6 anos, também estava abaixo do peso, o que tornou a importância da amamentação maior. O processo ainda não tem uma decisão definitiva.

Segundo o advogado Tulius Fiuza, que defende o casal, caso elas percam o processo, Camila receberá falta durante todo o tempo da licença e terá de ressarcir o seu trabalho pelo período ausente.

“Estou apavorada só de pensar nestas consequências e com medo deste julgamento. Por outro lado, fico feliz pelo tempo que ganhei com a minha filha, o que não tem preço. A Justiça precisa reconhecer que somos duas mães e temos direitos iguais. Outras amigas também estão na mesma situação”, afirmou Camila à Folha.

Para Fiuza, que também é membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB-DF, as relações homoafetivas precisam de um olhar diferenciado do Judiciário, em razão do tratamento discriminatório e preconceituoso de parte da sociedade.

“A norma nem sempre acompanha a evolução das relações humanas, os avanços médicos, tecnológicos e científicos, especialmente relacionados à reprodução assistida e seus reflexos no cotidiano”, disse.

O caso em análise no STF é de um recurso movido pelo município de São Bernardo do Campo (SP), contra uma decisão do Juizado Especial da cidade, que garantiu a licença-maternidade de 180 dias a uma servidora municipal.

Sua esposa também engravidou por meio de inseminação artificial heteróloga, em que o óvulo fecundado é da mãe não gestante. Ela é trabalhadora autônoma e não usufruiu do direito à licença.

As instâncias inferiores consideraram que o direito à licença-maternidade é assegurado pela Constituição e por outras legislações e que estas normas devem ser interpretadas conforme os atuais entendimentos sobre união homoafetiva e multiparentalidade.

Também entenderam que o benefício é uma proteção à maternidade e possibilita o cuidado e o apoio ao filho no estágio inicial da vida, independentemente da origem da filiação.

Já o município argumenta que esta interpretação atribuída ao direito à licença-maternidade contraria o princípio da legalidade administrativa e que não há autorização para a concessão da licença nesta hipótese.

Diz ainda que o direito ao afastamento remunerado do trabalho é exclusivo da mãe gestante, que necessita de um período de recuperação após as alterações físicas decorrentes da gestação e do parto.

O ministro Luiz Fux, relator do caso, se manifestou a favor da repercussão geral da ação por considerar o caso importante do ponto de vista social e econômico.

Ele destacou o possível impacto da decisão a qualquer servidora pública ou trabalhadora que vivencie a situação jurídica em exame.

Do ponto de vista econômico, disse que o processo trata da concessão de benefício de natureza previdenciária, com custos para a coletividade.

A manifestação do relator foi seguida pela maioria dos ministros, vencido o ministro Edson Fachin.

À Folha Fachin disse que, na ocasião, considerou que o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu, “de modo correto e substancialmente fundamentado”, o direito à licença-maternidade à mãe não gestante.

Por isso, concluiu que a intervenção do STF no caso não se fazia necessária via repercussão geral da questão constitucional.

Porém, afirmou que o tribunal deliberará sobre o mérito da questão nesta quarta e analisará a garantia do direito à convivência integral de mães com o filho, algo “determinante para a constituição da nova formação familiar como espaço privilegiado de desenvolvimento pleno da personalidade da criança”.

“Estarão em discussão os princípios da dignidade humana, do pluralismo das entidades familiares, da proibição do retrocesso social, da afetividade, da felicidade e da proteção integral da criança e do adolescente. Sobre tais temas, o caso e a tese, irei me pronunciar no voto que irei proferir”, afirmou.

Na semana passada, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, permitiu sustentações orais do caso. Falou apenas o advogado Paulo Francisco Soares Freire, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social, que atuou como “amigo da corte”.

A ferramenta permite que pessoas físicas ou jurídicas interessadas no caso e de fora do processo possam se manifestar para contribuir com a análise, desde que autorizadas pelo tribunal.

Freire defendeu que a licença-maternidade não é um benefício individual, mas que tem como objetivo o bem-estar da família. Além disso, afirmou que, ainda que as mães não gestantes não vivenciem as alterações típicas da gravidez, elas ainda arcam com os outros papéis e tarefas relativas à maternidade.

Também disse que a Constituição prevê a proteção à maternidade como um direito social, e que é dever do Estado dar proteção especial ao vínculo materno, independentemente da origem da filiação ou da configuração familiar.

CONSTANÇA REZENDE / Folhapress

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