A pesquisa para o desenvolvimento de medicamentos antivirais ganhou um novo fôlego com a pandemia da Covid. No entanto, o arrefecimento da urgência acompanhou a redução dos investimentos. Agora, a aposta dos pesquisadores é em medicamentos que possam tratar mais de um vírus ao mesmo tempo.
Quem diz isso é o cientista americano Jeffrey Glenn, professor de imunologia e microbiologia na Universidade de Stanford que lidera pesquisas de desenvolvimento de antivirais para arboviroses, que incluem dengue e chikungunya.
No Brasil nesta quarta-feira (13) para uma visita ao projeto Ciência Pioneira, iniciativa de apoio à ciência do Idor (Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino), ligado à Rede D’Or, o virologista molecular já tem um passado de participação em estudos com brasileiros fez parte do grupo que observou um medicamento que teve sucesso em reduzir os riscos de hospitalização em casos de Covid-19.
Seu novo projeto para desenvolvimento de antivirais contra arbovírus teve bons resultados nos testes em células, em laboratório, e também nos testes de tolerabilidade, e deve partir para a fase de testes em animais em abril, em uma fase pré-clínica, em provável parceria com a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). A previsão é que os primeiros resultados surjam até o início do segundo semestre do ano.
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PERGUNTA – O senhor tem um histórico no desenvolvimento de antivirais. Como os antivirais atuam no corpo, especialmente os desenvolvidos contra dengue?
JEFFREY GLENN – Infelizmente, o número de antivirais disponíveis para combater o grande número de ameaças que existem é relativamente pequeno e deixa muitas lacunas em nossas defesas antivirais coletivas.
Esse tipo de medicamento funciona contra vírus da mesma forma que os antibióticos funcionam contra infecções bacterianas. Os antivirais buscam interferir no ciclo de vida do vírus e podem ajudar o sistema imunológico a se livrar da infecção.
Para a dengue, e em muitos outros casos, também há o risco do vírus sofrer mutações para se tornar resistente a um determinado antiviral. Assim, uma abordagem é tentar desenvolver um coquetel de vários agentes antivirais que poderiam ser usados juntos para diminuir a probabilidade de o vírus se tornar resistente ao tratamento.
P – Quais são os desafios nessa área de pesquisa?
JG – É necessário muito esforço para desenvolver até mesmo um bom medicamento para a dengue, quanto mais um coquetel de antivirais. Estamos trabalhando em novos candidatos a medicamentos para serem usados sozinhos ou em combinação com outros antivirais contra a dengue.
P – Houve uma mudança no investimento pelos setores público e privado no desenvolvimento de antivirais depois da pandemia?
JG – Certamente, durante a pandemia houve um aumento nos investimentos no desenvolvimento de antivirais. Este investimento veio da indústria, do governo e da filantropia. Infelizmente, à medida que a pandemia diminuiu, também diminuiu a magnitude desses investimentos.
Quando se trata de desenvolver antivirais para pandemias, é importante agir de forma proativa, ou seja, antes da próxima pandemia, não reativa, depois de milhões de mortes. O desenvolvimento de medicamentos leva tempo, então é muito perigoso que não estejamos fazendo investimentos suficientes nessa área.
Dito isso, para que um antiviral seja útil para interromper uma futura pandemia, ele precisa ser totalmente desenvolvido e estocado antecipadamente. Isso é muito caro e fazer esse investimento para um vírus que pode nunca aparecer é um grande desafio, independentemente de ser financiado pelo governo, por organizações sem fins lucrativos ou por investidores. Portanto, é importante que haja um bom argumento de negócios para o medicamento em tempos não pandêmicos.
Por exemplo, um medicamento desenvolvido para combater futuras pandemias de influenza, que podem matar centenas de milhões de pessoas, que também possa ser usado para tratar a gripe sazonal regular. Ou um medicamento desenvolvido para tratar a Covid que também possa ser usado para tratar o câncer. Estamos adotando uma estratégia semelhante em nossos esforços para buscar uma solução para a dengue.
P – Qual é o cenário da ciência nas pesquisas de antivirais contra a dengue?
JG – Existem várias abordagens possíveis. Em uma delas, podemos buscar desenvolver medicamentos que visem um elemento específico dentro do vírus da dengue, os chamados antivirais de ação direta.
Em uma segunda, podemos buscar desenvolver medicamentos que possam privar o vírus de acesso a algo que o vírus precisa em nós para crescer, os chamados antivirais que visam o hospedeiro.
Em terceiro lugar, há uma nova classe de medicamentos que chamamos de “antivirais programáveis” que podemos “programar” ou projetar rapidamente contra características específicas no genoma do vírus da dengue.
P – Como tem sido o avanço da sua pesquisa para desenvolvimento de antivirais para arboviroses? Pode falar sobre a metodologia e os resultados obtidos até então?
JG – Em Stanford, focamos no desenvolvimento de novos tipos de medicamentos desde seu início com grande ênfase em química medicinal. Isso envolve projetar, sintetizar e testar novas moléculas.
Os testes geralmente são feitos primeiro em células infectadas pelo vírus cultivadas em laboratório, e os compostos mais promissores são então testados em animais infectados. [A pesquisa é feita a partir do estudo de desenvolvimento de antivirais para hepatite e faz parte da abordagem de antivirais de ação direta, por agirem diretamente no vírus são pequenas moléculas que se ligam a uma proteína do vírus, de forma a inibir a replicação vira].
Parece que temos alguns candidatos promissores e continuamos a otimizar ainda mais os principais. Ainda estamos na fase de testes pré-clínicos.
Também acredito que o interferon lambda [peguilado, substância ainda sem autorização para uso comercial no Brasil, do estudo que pesquisa um medicamento para a Covid], que tem atividade antiviral de amplo espectro e foi administrado em milhares de pacientes em múltiplos ensaios internacionais, incluindo aqui no Brasil, pode ser muito bom para muitas infecções-chave por arbovírus.
P – Os antivirais podem ser solução para uma epidemia no país? Em conjunto com a vacina, é uma boa forma de combate à dengue?
JG – Idealmente, são eficazes tanto os antivirais quanto as vacinas. Precisamos de ambos. As vacinas tentam prevenir doenças, e os antivirais tratam pessoas que já estão infectadas, quando é tarde demais para a vacina ter benefício.
Além disso, para fazer uma vacina, é preciso saber qual é o vírus-alvo. E alguns vírus são muito difíceis de se fazer vacinas. Por exemplo, mesmo depois de décadas de tentativas, ainda não temos vacinas para hepatite C ou para o HIV.
Às vezes temos sorte, como com a Covid, mas mesmo assim, com o maior investimento já feito, para a Operação Warp Speed, [parceria público-privada iniciada pelos Estados Unidos para acelerar o desenvolvimento, a fabricação e a distribuição de vacinas e diagnósticos da Covid], foram necessários bilhões de dólares e mais de um ano desde o início da pandemia até o envio das vacinas.
Se tivéssemos um antiviral eficaz em mãos, poderíamos ter esperança de controlar a pandemia em Wuhan. Como os antivirais muitas vezes podem ser de amplo espectro, podem ser desenvolvidos contra vírus específicos, mas têm chance de funcionar contra outros vírus, até mesmo aqueles que ainda não sabemos que existem.
P – O senhor fez parte do grupo que pesquisou um medicamento experimental que reduziu pela metade os riscos de hospitalização em casos de Covid. Há novidades sobre esse estudo ou perspectiva de comercialização do medicamento?
JG – Este foi um esforço feito com uma ótima equipe baseada aqui no Brasil do qual fiquei muito orgulhoso de fazer parte.
Na verdade, a redução no risco de hospitalização pela metade foi em pacientes que já estavam vacinados. Nos pacientes não vacinados e tratados precocemente, houve uma redução de 89% nas hospitalizações e mortes. Além disso, foi eficaz contra todas as variantes da Covid, e os efeitos colaterais foram os mesmos que o placebo.
Com base na ciência disponível, acredito que esse tratamento pode ser muito eficaz contra muitos outros vírus, incluindo alguns dos que têm grande impacto no Brasil.
Sobre a comercialização, mesmo que o estudo de fase 3 da lambda para Covid esteja completo, a lambda ainda precisa ser aprovada pela autoridade regulatória de cada país individualmente.
LUANA LISBOA / Folhapress