BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Relator da PEC (proposta de emenda à Constituição) que criminaliza o porte e a posse de drogas, o senador Efraim Filho (União Brasil-PB) afirma que a discussão em curso no STF (Supremo Tribunal Federal) pode acabar liberando o tráfico em pequenas quantidades.
“Eu acho que o Supremo tenta atacar um problema que existe com a solução equivocada”, diz em entrevista à Folha de S.Paulo.
Para Efraim, um cidadão que está só com 60 gramas de droga e porta na mochila itens como dinheiro, um envelope e uma balança pode ter vendido o seu produto, “mas o critério quantitativo [do STF] vai deixar ele livre”. “Se eu tiver 50 pessoas, cada uma com 60 [gramas], nenhuma está cometendo crime”, afirma.
Vista como um contra-ataque do Congresso a uma eventual decisão do STF que flexibiliza o tema, a PEC apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), coloca no texto da Constituição que é crime ter ou carregar qualquer tipo de droga, mesmo que seja para consumo próprio.
Efraim entra em contradição sobre a intenção do Senado, mas diz que a descriminalização será possível se e quando houver maioria no Parlamento. Antecipa, porém, o que ouve dos colegas: “A sociedade brasileira não está pronta para a legalização das drogas.”
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Pergunta – O sr. acha que a PEC será aprovada?
Efraim Filho – Acredito que temos maioria ampla e sólida. Vejo esse sentimento consolidado a favor da PEC, contrário à descriminalização das drogas. O parecer vem com base em dois pilares. Na saúde pública, a compreensão que nós temos é que a descriminalização leva ao aumento do consumo e da dependência química. Por esse motivo entendemos que a sociedade brasileira não está pronta para a experiência da legalização das drogas.
O segundo pilar é o da segurança pública. O entendimento da PEC também é de que a descriminalização, aumentando o consumo, faz com que as pessoas tenham que buscar a compra no tráfico. O tráfico financia o crime organizado, que é o maior responsável pela barbárie da sociedade.
P. – Um dos problemas da lei atual é que as pessoas têm tratamentos diferentes a depender da cor da pele e da classe social. De que maneira a PEC pode atacar isso?
E. F. – Quem aplica a lei? Eu nunca vi o CNJ [Conselho Nacional de Justiça], por exemplo, fazer um seminário para orientar os juízes a aplicar a lei de forma correta. A lei, primeiro, determina que usuários e traficantes tenham tratamento diferenciado. Segundo, para classificar o usuário, ela traz critérios circunstanciais. Acreditamos que esse é o melhor entendimento.
O Supremo quer resolver uma situação gerando muito mais problemas. O que o Supremo defende? Dar um critério objetivo de quantidade e, a partir dali, descriminalizar a droga. A partir dali o sujeito tem o direito de portar, usar e fumar a droga. O Supremo não percebeu que está criando também, indiretamente, a liberação do tráfico em pequenas quantidades. Porque o Supremo, por exemplo, estima em 60 gramas [sugestão feita por parte dos ministros]. Eu sou um traficante. Quando eu tiver 50 aviõezinhos, cada um com 200 cigarros, 60 gramas, esse cara vai poder andar livremente, fazer o seu comércio, voltar, reabastecer e depois ir de novo. Os criminalistas da época [da Lei Antidrogas] não colocaram quantidade, não é porque erraram, não. É porque o critério meramente objetivo é muito complicado. O problema não está na lei. A lei está correta. Se existe preconceito estrutural no Judiciário, na polícia, é a aplicabilidade da lei que está errada.
O STF poderia, através do CNJ, começar a dizer ao juiz: Não amigo, olha direitinho. Se você diz que um juiz, olhando para um cara da periferia dá um tratamento a ele, ou do bairro nobre dá outro, o problema está no juiz.
P. – Antes do juiz estão as polícias.
E. F. – Sim, o policial que prende. Quem aplica a lei, quem define a pena de prisão, quem encarcera? Na PEC, eu fiz questão de constitucionalizar o tratamento diferenciado entre usuário e traficante. Não quero encarcerar o usuário, ninguém quer. Agora, essa aplicação da lei é feita pelo juiz.
P. – Qual deve ser o critério de diferenciação entre usuário e traficante?
E. F. – Vou dar um exemplo. Se você coloca um critério quantitativo e aborda um cidadão que está só com 60 gramas, mas está com a mochila cheia de dinheiro, um envelope, uma balança O cidadão pode ter vendido o seu produto, mas o critério quantitativo vai deixar ele livre. A PEC reage a uma decisão do Supremo de descriminalizar a posse e o porte de drogas a partir de determinada quantidade. Se eu tiver 50 pessoas, cada uma com 60 [gramas], nenhuma está cometendo crime.
P. – O sr. reconhece que o critério discricionário também não está funcionando?
E. F. – É para funcionar. Nós aqui no Congresso avançamos para dizer que o usuário tem que ter tratamento diferenciado do traficante. A aplicabilidade da lei é que tem que ser o ponto focal do STF. Eu acho que o Supremo tenta atacar um problema que existe com a solução equivocada.
P. – Essa diferença de tratamento por cor da pele e classe social o incomoda?
E. F. – Aí é o Judiciário quem aplica a lei. Como legislador, a orientação da lei é que o usuário seja tratado com penas restritivas de direito e que o traficante seja punido com prisão. A parte do legislador é essa. A aplicabilidade da lei depende do juiz, de forma imediata, e da comunidade policial. Eu não posso estar respondendo se, por acaso, tem algum erro de aplicação.
P. – Os números mostram que, a partir da lei, pessoas pretas de classes sociais mais baixas estão sendo mais punidas.
E. F. – Eu acho que quem tem que responder por essa aplicação equivocada é quem, ao final, define a pena. Autoridade policial e Judiciário.
P. – Mas o incomoda?
E. F. – É uma situação que eu não vou levar para um lado meu pessoal. É claro que eu quero, prezo e vou lutar sempre para que a lei seja aplicada da forma correta. É isso que eu desejo. Agora, fazer a alteração que vai permitir o tráfico em pequenas quantidades não é o caminho correto.
Tanto me incomoda essa situação que, na PEC, eu trago a solução para isso. Eu acho que essa, na sua pergunta, é a melhor resposta. Senador, te incomoda? Sim, me incomoda. Tanto que na PEC eu faço questão de referenciar que o usuário deve ser tratado com penas alternativas à prisão, restritivas de direito ou prestação de serviço à comunidade.
P. – O objetivo da PEC parece ser contra-atacar o Supremo.
E. F. – Não é verdade. A PEC é para proteger a sociedade de danos extremamente graves e consequentes na saúde pública e na segurança pública. Quem puxou o tema de contra-ataque foram vocês.
P. – O sr. disse que a PEC reage a uma decisão do STF.
E. F. – Claro, [a de] tentar descriminalizar a droga.
P. – Mas então é uma reação ao STF.
E. F. – Mas por quê? Porque a lei atual criminaliza. O Supremo está dizendo que descriminaliza, então é preciso constitucionalizar. Se a decisão do Supremo for por manter a lei atual, a lei atual já vai estar valendo.
P. – E aí a PEC poderia parar de tramitar?
E. F. – Não, a PEC avança para constitucionalizar um tema para evitar que amanhã haja qualquer tentativa de legalização das drogas sem passar pelo Congresso Nacional.
Porque a legalização das drogas no Brasil vai ser possível sempre que tiver maioria no Congresso, que é onde estão as pessoas eleitas pela sociedade para representá-las em temas com essa delicadeza. No dia que aqui dentro do Congresso tiver maioria de pessoas eleitas pela sociedade que concordam com o tema, ou seja, que representam aquilo que ela defende, vai passar. Não é a realidade hoje.
P. – Um dos problemas da Lei Antidrogas foi o aumento da população carcerária. Como evitar isso?
E. F. – A própria PEC traz essa resposta quando diz que a pena de prisão deve ser aplicada apenas ao traficante. Ele deve ser punido com pena de prisão. Você não pode legalizar as drogas com o argumento de que os presídios estão lotados.
P. – Grosso modo, a PEC está colocando na Constituição o que já existe na lei. Qual problema ela busca resolver?
E. F. – Segurança jurídica para que o sentimento da sociedade de ser contrário à legalização das drogas seja respeitado.
P. – Há a avaliação entre constitucionalistas de que o Supremo pode voltar ao caso e reverter a PEC. Como o sr. vê essa possibilidade?
E. F. – Acredito que é do Estado democrático de Direito esse debate. O Supremo traz a posição dele através desse julgamento e o Congresso Nacional traz a sua através da PEC.
P. – Como está a interlocução com o Supremo? O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, o procurou?
E. F. – Essa interlocução tem sido feita principalmente pelo presidente Rodrigo Pacheco, que é o primeiro signatário da PEC. Isso demonstra também um simbolismo importante, de que o Congresso entende que esse caminho de legalização, descriminalização das drogas, não é o melhor.
P. – A PEC vai na contramão do que alguns países desenvolvidos têm feito, como a Alemanha. Como o sr. vê isso?
E. F. – Vejo tantos outros países desenvolvidos que não fizeram a liberação.
P. – O sr. já experimentou alguma droga?
E. F. – Não.
P. – Nunca experimentou um cigarro de maconha, por exemplo.
E. F. – Não. Com convicção. Nunca.
RAIO-X
Efraim Filho, 44
Formado em direito na UFPB (Universidade Federal da Paraíba), é filho do ex-senador Efraim Morais. Nascido em João Pessoa, foi eleito deputado federal quatro vezes seguidas, a primeira em 2006. Em 2022, foi eleito pela primeira vez para senador.
THAÍSA OLIVEIRA E JOÃO GABRIEL / Folhapress