BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em um cenário no qual uma nova redução de 0,5 ponto percentual da taxa básica de juros (Selic), a 10,75% ao ano, é dada como praticamente certa na próxima quarta-feira (20), as atenções dos economistas se voltam para os passos futuros do Copom (Comitê de Política Monetária) e uma potencial mudança em sua comunicação sobre o ritmo de cortes à frente.
A discussão ganha espaço na medida em que o colegiado do Banco Central avança no ciclo de flexibilização dos juros. Desde agosto do ano passado, foram cinco cortes consecutivos na mesma intensidade. Em todas as ocasiões, o Copom indicou que repetiria a dose “nas próximas reuniões”, o que significa que o ritmo de redução se manteria ao menos nos dois encontros seguintes.
“Em se confirmando o cenário esperado, os membros do Comitê, unanimemente, anteveem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões […]”, diz comunicado da última reunião do Copom.
Uma possível flexão do plural para o singular em três das quase 800 palavras que compõem o texto vem gerando debate no mercado financeiro às vésperas do próximo encontro do Copom. Isso porque esse trecho carrega uma pista sobre o potencial tamanho do ciclo de queda de juros neste ano.
Se não houver alteração, o BC sinaliza que deve, ao menos até junho, manter o ritmo de cortes da Selic adotado até agora. Em se concretizando a orientação, a taxa básica retornaria ao patamar de um dígito em meados do ano, chegando a 9,75% ao ano. Os juros estão em dois dígitos desde fevereiro de 2022.
Por outro lado, uma eventual mudança na comunicação daria maior grau de liberdade à atuação do Copom em um ambiente marcado por incertezas no cenário global e dúvidas quanto à trajetória da inflação de serviços.
Ao mesmo tempo, a falta de previsibilidade com relação à Selic ao término do atual ciclo de queda de juros poderia gerar maior volatilidade nos preços dos ativos -o que abriria espaço para o colegiado do BC ser mais conservador.
O tema do “forward guidance” (orientação futura, no linguajar técnico do mercado) foi também debatido por alguns membros da alta cúpula do BC. No início do mês, o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, ressaltou que os dados que servem de subsídio para a decisão do comitê a cada 45 dias estão acima de qualquer prescrição.
“A gente adotou os cortes de 50 pontos-base [0,5 ponto percentual] justamente para ter a vantagem de ganhar tempo e ver como as coisas vão acontecendo”, afirmou.
As falas públicas dos diretores do BC sobre os prós e contras de uma possível mudança na orientação indicam que o assunto vai ser ao menos trazido à mesa na reunião do Copom da próxima quarta-feira, na opinião do economista-chefe da Santander Asset, Eduardo Jarra.
“Vejo uma chance considerável da alteração do plural para singular. Mas, se no comunicado só mudar [o trecho] ‘nas próximas reuniões’ para ‘na próxima reunião’, isso não leva a uma mudança de visão de cenário. Ele [Copom] pode ir a conta-gotas”, afirma.
Jarra, contudo, diz não haver urgência para essa mudança. Para o economista, o colegiado do BC seguirá com cortes de juros de 0,5 ponto percentual até o fim do primeiro semestre, reduzindo a intensidade até a Selic atingir 8,5% ao término do ciclo.
Sua projeção está abaixo da mediana do mercado financeiro. Segundo a última edição do boletim Focus, os agentes esperam que a taxa básica de juros feche 2024 em 9% ao ano.
Dentro desse grupo de instituições está a XP, que vê na composição do cenário menor probabilidade de o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) cortar juros no curto prazo, sinais de um mercado de trabalho ainda muito aquecido, e indicações do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de medidas de expansão parafiscal -como maior liberação de crédito feita por bancos públicos, por exemplo.
Quanto à comunicação, o economista-chefe da XP, Caio Megale, que é ex-assessor no Ministério da Economia, considera que não houve aumento de incerteza em grau suficiente para que o comitê mude a sua orientação.
Para ele, a discussão sobre o “forward guidance” é válida diante do maior risco para a convergência da inflação em direção à meta de 2025 -3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. No entanto, descarta mudança na próxima reunião devido ao patamar ainda elevado da Selic.
“Se mantiver o plural, significa que ele [Copom] tem na cabeça chegar [com a Selic] em pelo menos 9,75% [ao ano]. Ninguém acha hoje que a Selic tem que ser 9,75% ou mais”, diz.
Megale vê chance de o comitê explicitar no comunicado que a orientação é um indicativo do cenário mais provável, não um compromisso formal do Copom, conforme alerta dado pelo diretor de Política Econômica do BC, Diogo Guillen, para que o mercado não confunda “guidance” com determinação de juros.
Na opinião do economista, a partir do momento em que a Selic voltar a um dígito, será a hora de o colegiado do BC fazer um ajuste fino.
Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, entende as recentes declarações de Galípolo e Guillen como uma forma de o BC preparar o terreno para a retirada do plural na orientação futura. “Não é o fim do mundo. Não vai mudar a política monetária do Banco Central. Simplesmente vai ganhar graus de liberdade”, afirma.
Ele projeta que o Copom desacelere o ritmo de cortes a partir de junho, seguindo com reduções de 0,25 ponto percentual até fechar o ano com a Selic em 9%.
“A partir do momento em que existe um risco de ter que reduzir o ritmo [de cortes da Selic], ele [Copom] manter o forward guidance seria contraproducente, porque, quando não cumpre o forward guidance, perde credibilidade”, diz.
Quanto ao processo de desinflação, Leal mostra cautela. De um lado, vê um cenário de maior incerteza global no segundo semestre com a possibilidade de Donald Trump voltar a ser eleito nos EUA. De outro, coloca a inflação de alimentos como um risco de alta diante do impacto de efeitos climáticos sobre os alimentos ‘in natura’.
O grupo alimentação e bebidas continuou sendo destaque no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em fevereiro. No acumulado em 12 meses, a inflação oficial do Brasil atingiu 4,5% -teto da meta perseguida pelo BC.
Heron do Carmo, professor da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária, da Universidade de São Paulo), diz não estar tão tranquilo em relação ao cenário inflacionário do país quanto estava no fim de 2023. “Não estamos com muito espaço para redução da inflação”, diz.
O especialista espera que a inflação caia até maio e depois fique sujeita a pressões vindas dos grupos de alimentos, combustíveis e serviços. “Tudo indica que nós teremos uma pressão de alimentos [sobre a inflação], porque nós vamos sair de uma situação de uma supersafra para uma safra menor”, afirma.
“Se tivermos algum problema sério com alimentos ou combustíveis, isso pode fazer com que a inflação se mantenha muito próxima ao teto da meta, um pouquinho abaixo, até meados do ano, e depois comece a passar o teto”, projeta.
Já Tatiana Pinheiro, economista-chefe para o Brasil da Galapagos Capital, mostra um pouco mais de otimismo. Os dados mais recentes do IPCA, segundo ela, mostram o componente “serviços” bem comportado, reforçando a expectativa dos economistas para a trajetória da Selic. Ao término do ciclo, a economista projeta que a taxa básica de juros atinja 8%.
Olhando para a taxa de juros real, ela considera que o Copom tem um espaço “relativamente confortável” para dar prosseguimento à flexibilização dos juros.
“Nesse espaço de conforto, faz sentido o Banco Central priorizar o forward guidance para redução da volatilidade [nos preços dos ativos]”, diz. “Essa orientação ainda deve fazer sentido para mais algumas reuniões”.
NATHALIA GARCIA / Folhapress