SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O primeiro ano do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi marcado por tensão com o bolsonarismo. Eleito com o apoio de Jair Bolsonaro (PL), ele irritou os seguidores do ex-presidente e até o próprio por uma postura considerada moderada demais e por acenos vistos como à esquerda.
Agora o governador parece enfim ter superado as desconfianças, ao menos por ora. Com isso, vai se cacifando como um principal herdeiro de Bolsonaro, que está inelegível, e aparece como o mais cotado para a disputa presidencial de 2026 no campo da direita.
A mudança de humor tem uma explicação. Tarcísio tem enfileirado gestos à direita que ajudaram a pacificar a relação, embora ainda haja uma acomodação das expectativas dos bolsonaristas em relação ao governador paulista.
Os agrados a esse grupo vão da presença em ato de Bolsonaro na avenida Paulista à declaração de que não está “nem aí” para as denúncias de abusos cometidos pela Polícia Militar no litoral de São Paulo.
O último capítulo dessa aproximação consistiu no encontro na última segunda-feira (11) entre Tarcísio e o deputado federal e ex-ministro Ricardo Salles (PL), com quem manteve divergências.
O parlamentar era visto pelos bolsonaristas como a primeira opção neste ano como candidato do campo à Prefeitura de São Paulo, mas Tarcísio preferiu o apoio à reeleição de Ricardo Nunes (MDB).
Após o encontro, Salles afirmou que a questão eleitoral está pacificada com a indicação do vice de Nunes por Bolsonaro –no caso, o ex-chefe da Rota coronel Mello Araújo, que ainda não foi confirmado na chapa.
“Eu acho que a direita entendeu que cada um tem o seu estilo e isso não desqualifica a liderança do Tarcísio na direita”, disse Salles, ressaltando que o papel do governador no Executivo é diferente do dos legisladores.
“Ele ocupa talvez o cargo mais importante da direita brasileira. E tem todas as credenciais de ser candidato ao que quiser ser.”
A declaração do deputado acontece em contexto no qual Tarcísio deve migrar ao PL, a pedido de Bolsonaro, que vê o governador como seu possível sucessor em 2026. O discurso no governo, porém, segue o de que o governador será candidato à reeleição em São Paulo.
O encontro com o deputado foi mediado pelo deputado estadual Lucas Bove (PL), bolsonarista próximo do ex-presidente e um dos mais influentes membros do grupo na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). A legenda da foto postada foi “direita unida”.
União é algo que nem sempre existiu na bancada de direita na Alesp ao longo do último ano, devido a tensões com o governo paulista por assuntos que vão de acenos vistos como à esquerda, como a sanção do feriado da Consciência Negra no estado, à falta de espaço no governo.
Eles chegaram a formar um bloco que prometia agir com independência em relação a Tarcísio.
“O governador vem dando cada vez mais provas de que é uma pessoa que pode e deve continuar gozando da nossa confiança e do nosso prestígio. Mas, sobretudo, do lado dos bolsonaristas, houve uma compreensão de que o Tarcísio é mais moderado, isso não quer dizer que ele não é de direita e não defende as mesmas pautas que a gente”, diz Bove.
O deputado admite, porém, que o recente envio do projeto para a implantação das escolas cívico-militares, uma bandeira da bancada, ajudou na relação.
“Ausência do projeto da escola cívico-militar nunca fez a gente duvidar do Tarcísio, a gente entende que existia outra prioridade no momento, pauta econômica era muito mais importante. Mas sem dúvida isso causava um desconforto e essas coisas vão trazendo mais conforto para todos”, diz.
No governo, a política de segurança linha-dura é outro ponto que ajuda a aglutinar a base bolsonarista.
O setor é um dos poucos comandados por um membro visto como da ala mais radical, o secretário Guilherme Derrite, que sofre críticas pela mortes em operações da PM na Baixada Santista.
Em defesa da operação, o governador teve momento que lembrou bastante seu padrinho político no conteúdo e na forma.
“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse Tarcísio sobre queixa por entidades ao Conselho de Direitos Humanos da ONU pela escalada da violência policial.
Um dos principais gols de Tarcísio com o bolsonarismo foi a presença no ato chamado por Bolsonaro na avenida Paulista, no mês passado.
Ali, ele rasgou elogios ao padrinho político acuado por investigações sobre tentativa de golpe de Estado para ficar no poder. Entre outros pontos, disse que “não era ninguém” antes de ter sido escolhido por Bolsonaro ministro e depois candidato em São Paulo.
Tarcísio foi ovacionado por um público que tremulava diversas bandeiras de Israel, país adotado pelo bolsonarismo. Em aceno a esse público, o governador embarcará na próxima segunda (18) para Israel, a convite do governo de Binyamin Netanyahu, aliado de Bolsonaro e desafeto do presidente Lula (PT).
Para o deputado Antonio Donato (PT), membro da oposição a Tarcísio na Alesp, o governador acabou fagocitado pelo radicalismo do bolsonarismo.
“O que ele está fazendo do ponto de vista da PM, dando respaldo à matança, ao fim das câmeras corporais; e essa postura agora com a escola cívico-militar, que é desaprovada por qualquer pedagogo decente no Brasil, mostram que ele, se ele era bolsonarista moderado, se rendeu ao bolsonarismo raiz”, diz o deputado, que prevê aumento dos embates com a oposição na Alesp.
Veja os gestos de Tarcísio aos bolsonaristas
Ato na Paulista
Tarcísio espantou as dúvidas sobre se iria a ato convocado por Bolsonaro na avenida Paulista, no dia 25 de fevereiro. Durante o evento, ele foi ovacionado pelo público após discurso em que disse que o aliado não é mais só uma pessoa, mas sim a representação de um movimento.
Escolas cívico-militares
Tarcísio enviou à Alesp projeto de lei para viabilizar a abertura de 50 escolas cívico-militares já no próximo ano e outras 50 em 2026. O tema é uma bandeira do bolsonarismo, encampada por Bolsonaro durante seu período na Presidência da República.
‘Nem aí’ para denúncia
O governador afirmou no dia 8 que não estava “nem aí” as denúncias de abusos cometidos durante a Operação Verão da PM no litoral paulista, mudando o tom de discurso mais moderado. “Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse o governador.
Almoço com Ricardo Salles
Desafetos internos no bolsonarismo, o governador e o deputado federal Ricardo Salles selaram a paz em almoço no Palácio dos Bandeirantes. Salles e Tarcísio tiveram desavenças na campanha de 2022. O governador também não apoiou a tentativa de Salles de ser candidato a prefeito, preferindo a reeleição de Ricardo Nunes.
Viagem a Israel
O governador viaja nesta semana para Israel a convite do governo de Binyamin Netanyahu. O governo do primeiro-ministro é aliado de Bolsonaro e o país se tornou um xodó entre os bolsonaristas.
ARTUR RODRIGUES / Folhapress