SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – John Galliano faz cara de surpresa ao rever as ofensas que proferiu contra judeus num episódio que acabou com sua carreira em 2011.
“Fiquei horrorizado. Não consegui reconhecer aquela pessoa. Fiquei envergonhado, constrangido”, afirma o estilista em uma cena do documentário “Ascensão e Queda: John Galliano”, que será exibido nos cinemas a partir de quinta-feira, dia 28, e depois chegará à plataforma de streaming da Mubi.
Bêbado num bar em Paris, Galliano se irritou com um grupo de pessoas, para quem ele afirmou amar Hitler e que pessoas judias deveriam morrer.
Vídeos do episódio foram divulgados pela imprensa, viralizaram e causaram comoção mundial. O estilista perdeu prestígio e foi condenado a pagar uma multa de 6.000, além de ser internado numa clínica de reabilitação para tratar do vício em álcool e ser demitido da Dior, grife da qual era diretor criativo e trabalhava desde 1997.
Lançado no exterior no ano passado, o filme “Ascensão e Queda” tenta responder como Galliano foi de estilista genial a pária da sociedade.
A produção chega durante um novo auge da vida do estilista. Após um período de reclusão, em 2014 Galliano foi alçado ao cargo de diretor criativo da marca Margiela, na qual arquitetou um retorno triunfal às passarelas. Há dois meses, ele foi ovacionado na Semana de Alta-Costura de Paris por fazer de seu desfile um espetáculo quase teatral.
Mas o documentário não quer soar como uma propaganda para Galliano nem dar a ele uma redenção, afirma o diretor Kevin Macdonald.
“Quero que as pessoas terminem o filme pensando na complexidade da mente humana. Espero também que reconheçam que questões como essa pessoa deveria ser cancelada? e o que foi dito é imperdoável? não podem ser simplificadas”, afirma ele em conversa com jornalistas por videoconferência.
“Ascensão e Queda” faz o espectador constatar que Galliano foi cancelado numa época em que esse termo nem existia e tenta aquecer o debate sobre os limites e a eficácia desta prática, hoje muito fortalecida pelo fervor de opiniões nas redes sociais.
“A cultura do cancelamento nivelou o jogo, permitindo que pessoas anônimas impeça comportamentos ultrajantes de celebridades”, afirma Macdonald, o diretor.
“Mas o lado ruim é que agora tendemos a ser excessivamente moralistas e a simplificar situações complexas. Todos nós fizemos coisas das quais não nos orgulhamos, e ninguém quer ser julgado por causa de um vídeo de dez segundos.”
O diretor não foge da discussão. “Galliano não é ideologicamente antissemita. Esta é minha opinião. É possível que naquela época ele tivesse preconceitos oriundos do que ouvia de sua família ou via na mídia. Mas temos que diferenciar pessoas que dizem algo antissemita de quem demonstra ser assim”, afirma.
O diretor levou ao filme pessoas que detestam e apoiam Galliano. Uma das figuras mais curiosas é o rabino Barry Marcus, que ajudou o estilista a estudar a história da comunidade judaica e a entender por quais motivos seus comentários foram considerados ofensivos.
Macdonald conta que, durante as filmagens, questionou Marcus se ele não tinha medo de ser visto ao lado do estilista. “Isso poderia prejudicar sua reputação?, eu perguntei ao rabino. Ele respondeu: Qual é o ponto da religião se não pudermos acreditar que as pessoas podem mudar?. Foi quando percebi que perdemos essa percepção.”
À época, Galliano foi execrado até por pessoas famosas. “Basta. Tenho orgulho de ser judia”, disse a atriz Natalie Portman, estrela do filme “Cisne Negro”, que fazia propaganda para a Dior.
Mas o documentário tenta fazer mais do que só discutir se o estilista é gente boa ou não. A produção reserva um bom tempo para explicar o que levou ele a ser tão admirado.
Em uma cena, é dito que Galliano esfregava suas modelos para que as peças parecessem derreter pelos corpos delas. Não era raro vê-las segurando os tecidos para esconder os mamilos, ainda que fossem orientadas a abusar da sensualidade. O estilista exigia também que as modelos fossem além do desfile e que interpretassem um personagem, como se estivessem trabalhando em peças de teatro.
Com isso, Galliano passou a intrigar não só quem o rodeava, mas também profissionais exigentes do universo da moda vindos de outros países, caso de Anna Wintour, editora-chefe da revista americana Vogue, uma das publicações mais relevantes da área.
Wintour, aliás, dá depoimentos no documentário, nos quais explica por que não desfez sua amizade com Galliano após ele se envolver na polêmica com judeus. Outras celebridades que dão pitacos no filme são a modelo Naomi Campbell e atrizes como Penélope Cruz e Charlize Theron.
O documentário mostra também como era a vida de Galliano para além do glamour das passarelas, e a certa altura se volta à conturbada relação entre ele e sua família. “Viado”, ouviu ele do pai ao dizer em voz alta que um homem era bonito. Sua mãe às vezes também era homofóbica.
Quando já estava na Dior, o estilista recebeu uma ligação do pai, já no leito de morte, dizendo pela primeira vez que o amava. Galliano comprou passagens de imediato e viajou para participar do funeral, que chamou de um evento incrível, e saiu de lá a tempo de retornar e presenciar um dos seus desfiles mais marcantes.
Esta passagem do documentário, no mínimo incômoda, resume quem é John Galliano. “O filme tem a história completa de sua vida, tirada da boca dele e daqueles que o conhecem. Não foge do seu lado mais sombrio, mas também mostra que ele é um gênio”, afirma o diretor.
ASCENSÃO E QUEDA: JOHN GALLIANO
– Quando A partir de quinta-feira (28), nos cinemas
– Classificação 14 anos
– Produção Estados Unidos, França e Reino Unido, 2023
– Direção Kevin Macdonald
GUILHERME LUIS / Folhapress