Aéreas se livram de nota negativa mesmo ao perder horários reservados em Congonhas e Santos Dumont

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – As companhias aéreas que operam em Congonhas e Santos Dumont tiveram no ano passado abono em mais de dois terços dos slots não utilizados nos dois aeroportos mais congestionados do país.

Em 69% dos espaços reservados não utilizados nos terminais de São Paulo e do Rio de Janeiro, as empresas apontaram como justificativa causas fora da capacidade de seu gerenciamento, como má condição climática.

Como mostrou reportagem do jornal Folha de S.Paulo, as companhias apresentaram no ano passado justificativas divergentes aos dois aeroportos para cancelar voos da ponte aérea.

Há também um vácuo na fiscalização dessas informações, já que nenhum órgão do setor assumiu a responsabilidade pela tarefa.

Dados disponibilizados pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) mostram que 8.413 slots dos dois aeroportos não foram usados no ano passado pelas quatro companhias aéreas que atuam em Santos Dumont e Congonhas.

O levantamento considera todos os slots dos dois aeroportos, independentemente da rota usada. Inclui também casos de remanejamento de voos para outros aeroportos.

Desse total, em 5.085 casos foram apresentadas como justificativas causas fora da capacidade de gerenciamento das empresas, 69% do total.

Resolução da Anac estabelece que a não utilização sob essas justificativas não impacta no cálculo do índice de regularidade de 80% nesses dois aeroportos cobrado das empresas.

A exigência existe porque Santos Dumont e Congonhas são considerados aeroportos coordenados, em que há intensa disputa por uma posição a ser operada.

A empresa que proporcionalmente obteve mais abono nos slots não utilizados nos dois aeroportos foi a Azul (77%), seguida da Gol (72%) e da Latam (66%). A VoePass destoou do grupo, tendo apenas 2% de slots não operados desconsiderados no cálculo.

Uma portaria da Anac lista 14 categorias de motivos para não utilização do slot. Elas se subdividem em 150 “causas da ocorrência”, cada uma com um código específico, das quais 82 são abonáveis no cálculo do índice de regularidade cobrado das companhias aéreas.

O cálculo do índice de regularidade considera seis meses de operação e é divulgado duas vezes ao ano, geralmente no final de março e outubro. Os slots são avaliados de acordo com a regularidade nos mesmos dias de semana.

Entre 26 de março e 29 de outubro do ano passado, os slots de Congonhas foram divididos em 3.921 grupos. Desse total, apenas 110 não cumpriram os 80% de regularidade exigido.

Entre os que atingiram a meta, porém, há casos em que ela só foi alcançada em razão do abono conferido pela regra da Anac. É o caso, por exemplo, do slot de chegada aos sábados do voo 3909, que parte do Santos Dumont.

Dos 31 voos previstos para o período, apenas 22 chegaram em Congonhas —eles podem ter sido cancelados ou desviados para outro aeroporto. Contudo, por oito vezes a Latam argumentou motivos fora de sua capacidade de gerenciamento para a não utilização do slot.

O percentual que seria de 71%, abaixo da meta estipulada pela Anac, subiu para 96,8%.

Os dados mostram que os abonos obtidos pelas companhias aéreas no ano passado são, em 78% dos casos, decorrentes de condições climáticas adversas.

Os códigos mais utilizados foram o 93V (“problema de rotação de aeronave devido atraso de voo em etapa anterior, causado por condições climáticas adversas no aeroporto de destino), o 71 (“problema no aeroporto de partida causado por condições climáticas adversas”), e o 72 (“problema no aeroporto de destino causado por condições climáticas adversas”).

Como a reportagem da Folha de S.Paulo mostrou, há casos em que o mau tempo é utilizado como motivo sem que os aeroportos estivessem operando abaixo das condições mínimas necessárias para pouso e decolagem.

O advogado Thiago Valiati, doutor em direito administrativo pela USP, vê falhas na portaria que define as regras para justificativa de não utilização dos slots dos aeroportos coordenados.

“A portaria deixa muitos aspectos relevantes e essenciais sobre o tema em aberto, como os critérios específicos para indicação do código de justificativa. Ela não traz, de forma específica, quais os critérios que embasam a indicação de determinado código de justificativa para ilustração das ocorrências verificadas”, afirma.

“Normas regulatórias devem ser precisas e específicas, a fim de não gerar insegurança para os agentes que atuam no setor. Uma regulação eficiente, técnica e efetivamente precisa exercida pela agência é essencial para não gerar distorções regulatórias. A indeterminação regulatória pode originar problemas de assimilação e capacidade de orientação dos agentes envolvidos e regulados.”

ITALO NOGUEIRA / Folhapress

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