SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Impedimento de Alexandre de Moraes, julgamento do 8 de janeiro fora do tribunal competente, concentração de poder em um único ministro, restrição ao acesso à delação de Mauro Cid e veto ao contato entre advogados.
Esse são pontos sobre as investigações contra Jair Bolsonaro (PL) que já levantaram dúvidas ou que são criticados pela defesa do ex-presidente. Bolsonaro é investigado em casos como o da trama golpista, do desvio de joias e da fraude no cartão de vacinação, em relação ao qual ele foi indiciado nesta semana pela PF.
Apesar de concordarem sobre a inadequação acerca da decisão relacionada ao contato entre advogados, especialistas ouvidos pela reportagem divergem sobre a validade dos outros argumentos. Eles fazem a ressalva de que as observações partem de premissas gerais, uma vez que não tiveram acesso aos autos, que tramitam de maneira sigilosa.
Impedimento de Moraes
A defesa de Bolsonaro pediu o afastamento do ministro do STF Alexandre de Moraes da relatoria de investigações envolvendo atos antidemocráticos. Segundo os advogados, o ministro se coloca ao mesmo tempo como vítima e julgador. Em janeiro deste ano, Moraes disse que a investigação sobre os atos golpistas apontava planos para prendê-lo e enforcá-lo.
Para Henderson Fürst, professor de direito constitucional da PUC-Campinas, o ministro não precisa se considerar impedido, uma vez que não é o alvo dos ataques, mas sim o Estado democrático de Direito.
Fürst afirma que o plenário da corte já decidiu pelo não impedimento em situação análoga. Ele cita o caso do então deputado federal Daniel Silveira (à época no PTB-RJ), que pediu suspeição contra 9 dos 11 integrantes da corte em 2022. Na ocasião, a defesa do parlamentar alegou haver razões para duvidar da imparcialidade dos ministros. Silveira era investigado por ameaças contra os magistrados.
Helena Lobo da Costa, professora de direito penal da USP, concorda que o ministro não precisa se declarar impedido, uma vez que não é o alvo dos ataques. Ela argumenta que investigados não podem tentar cavar impedimentos ofendendo os magistrados.
Já o professor de direito processual penal Gustavo Badaró, também da USP, afirma que, apesar de essa não ser uma situação típica de impedimento, é pouco provável que a imparcialidade do juiz não tenha sido afetada, haja vista as alegações de prisão e morte contra ele.
Com interpretação similar, Jordan Tomazelli, mestre em direito processual pela Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), afirma ser pertinente a crítica sobre o possível comprometimento da imparcialidade do ministro.
Em fevereiro, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, negou o pedido de impedimento feito pela defesa de Bolsonaro, afirmando que os argumentos apresentados não se enquadravam nas hipóteses objetivas previstas em lei.
Competência do STF
Para Badaró, é questionável a competência do STF em relação à investigação dos envolvidos nos ataques do 8 de janeiro.
Segundo o especialista, não havia na época da instauração do inquérito elementos concretos que apontassem para a participação de pessoas com foro especial. Já a justificativa de que o Supremo poderia abrir a investigação porque o evento ocorreu nas suas dependências parte de interpretação muito ampla do regimento da corte, defende.
Tomazelli afirma que, no caso do 8 de janeiro, o julgamento pelo STF de pessoas sem foro pode ocorrer caso as investigações apontem conexão com investigados com foro, mas diz não conseguir precisar a validade das conexões sem acesso aos processos.
Para Fürst, o regimento interno prevê que crimes ocorridos nas dependências do STF sejam investigados pela própria corte. De forma similar, Helena afirma que os ataques do 8 de janeiro são um caso claro de competência do STF.
Acesso às provas
Fürst, Badaró e Tomazelli concordam que a defesa de Bolsonaro deveria ter acesso à delação de Mauro Cid e a outras provas envolvendo o ex-presidente, sob pena de violação do princípio do contraditório e da ampla defesa. No caso de provas digitais, o acesso é também importante para garantir que são confiáveis, uma vez que esse tipo de prova é facilmente adulterável, afirma Badaró.
Para Fürst, a falta de acesso à delação pode suscitar um pedido futuro de nulidade passível de comprometer a investigação. Além disso, quanto mais a defesa demora para ter acesso, maiores são as chances de tentar reverter todo o processo.
Já Tomazelli diz que a falta de acesso à delação pode gerar o pedido de nulidade das declarações, mas não de toda a investigação. Badaró concorda que a situação pode justificar a anulação de atos do processo.
Helena, por sua vez, aponta que a negativa é plausível caso se entenda que o acesso pode prejudicar o andamento da investigação. Se, entretanto, é iniciada uma ação penal e o ex-presidente vira réu, então ele tem que ter a liberação do material.
Sobre o tema, Alexandre de Moraes já sustentou que o acesso integral a provas documentadas foi concedido, com exceção de diligências em andamento e elementos da colaboração de Mauro Cid, uma vez que a jurisprudência da corte entende não ser cerceamento de defesa a “negativa de acesso a termos de colaboração premiada referente a investigações em curso”.
Concentração de poder
Para Henderson Fürst, não procede a alegação de que há uma concentração indevida de casos sob responsabilidade de Moraes. Segundo ele, é plausível a conexão entre as diferentes investigações com o ministro. Além disso, embora o ministro tome agora decisões monocráticas, o julgamento vai ser necessariamente colegiado, afirma.
Gustavo Badaró defende haver um “abuso do instituto das conexões” nos casos. “Há uma deturpação ilegal das regras de conexão para que feitos alegadamente conexos sejam investigados pelo mesmo relator, mas sem aplicar o efeito da conexão, que é a reunião dos processos”, diz.
Para Helena, parece haver conexão entre os processos, mas não é possível saber o quanto ela é válida sem o acesso aos autos. Jordan Tomazelli também afirma que a conexão probatória justificaria a concentração, embora seja necessário acessar os processos para saber se ela se sustenta.
Restrição nos contatos entre advogados
Os especialistas afirmam que a proibição de contato entre investigados na Operação Tempus Veritatis, “inclusive através de advogados”, foi inadequada.
A ordem de restringir a comunicação através de advogados gerou a reação de entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que fez pressão contra a medida alegando desacordo com a legislação e com as prerrogativas da advocacia. Depois da repercussão, em fevereiro, Moraes afirmou que nunca vedou os defensores das partes de se comunicarem.
“Tecnicamente a decisão não se sustenta. Não existe argumento legal para impedir essa conversa entre advogados”, afirma Helena.
ANA GABRIELA OLIVEIRA LIMA / Folhapress