Jornal e associação questionam no STF tese que pune imprensa por fala de entrevistados

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Diário de Pernambuco e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresentaram argumentos ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar modificar o teor da decisão recente da corte que permite a responsabilização civil de empresas jornalísticas por falas de entrevistados.

O jornal recifense pede ainda que a aplicação da tese aprovada pelos ministros seja suspensa até a apreciação do seu recurso, ecoando recomendação feita pelo Instituto Tornavoz.

O Diário de Pernambuco foi condenado em um processo movido pelo ex-deputado Ricardo Zarattini (1935-2017) cuja última etapa foi a fixação, pelo STF, em novembro passado, de uma tese de repercussão geral –ou seja, que serve de modelo para casos semelhantes.

Zarattini processou o Diário de Pernambuco por publicar em 1995 a falsa acusação de um entrevistado, o ex-delegado Wandenkolk Wanderley, de que ele fora o autor do atentado a bomba no aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966. Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça condenou a publicação a indenizar Zarattini em R$ 50 mil, decisão confirmada pelo STF.

A tese aprovada pelos ministros determina que, quando um entrevistado imputar falsamente crime a terceiros, o veículo que publicar a entrevista pode ser responsabilizado civilmente se “à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação” e/ou se “deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.

Com a publicação do acórdão (redação final do resultado do julgamento), em 8 de março, abriu-se espaço para os chamados embargos de declaração –espécie de último recurso que dificilmente reverte o mérito da decisão, mas que pode alterar seu teor. Pela lei, cabem embargos quando há no acórdão “obscuridade, contradição, omissão ou dúvida”.

Desde o julgamento, no final do ano passado, entidades que representam veículos de imprensa e jornalistas, advogados e grupos de defesa da liberdade de expressão alertam para os riscos que a nova norma poderá trazer à atividade jornalística –dado o seu teor pouco claro.

Na última segunda (18), o atual relator da ação, ministro Edson Fachin, publicou um despacho intimando as partes, os amici curiae (“amigos da corte”, partes interessadas que apresentam subsídios ao julgamento) e demais interessados a se manifestarem num prazo de 15 dias úteis.

A agilidade, disse Fachin, se impõe “diante do elevado valor constitucional das liberdades de imprensa e comunicação”.

No recurso, o jornal propõe a “eliminação dos subjetivismos acerca das expressões ‘dever de cuidado’ e ‘indícios concretos de falsidade’”, apontando que podem levar a efeitos indesejados: facilitar que instâncias ordinárias da Justiça determinem, a seu bel-prazer, o significado dessas expressões e aumento do assédio judicial contra jornalistas.

Também sugere que numa revisão da tese seja incluído esclarecimento feito pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, de que “o veículo não é responsável por declaração de entrevistado, a menos que tenha havido uma grosseira negligência relativamente à apuração de um fato que fosse de conhecimento público”.

O jornal propôs ainda acrescentar ao texto a afirmação de que o veículo “não é responsável por declaração de entrevistado, salvo se comprovada a má-fé, caracterizada pela existência de dolo real (conhecimento prévio da falsidade da declaração) ou por dolo eventual (absoluta negligência na apuração da veracidade de fato duvidoso)”.

A Abraji segue linha semelhante nas sugestões de alteração do texto. Propõe que um veículo só possa ser responsabilizado por falas de entrevistados se ficar comprovado que, à época da divulgação: 1) sabia da falsidade comprovada da imputação, optando por publicá-la dolosamente ou, dada a ciência, por grosseira negligência; 2) se tratava de fato notório, amplamente divulgado e derivado de decisão judicial irrecorrível; 3) não tiver sido dada oportunidade ao acusado de dar a sua versão dos fatos ou a entrevista não tiver sido acompanhada de apuração da falsa imputação de prática de crime.

Os advogados Igor Tamasauskas, Pierpaolo Bottini e Beatriz Logarezzi, que assinam o pedido da Abraji, sugerem ainda que sejam excluídos de possível punição casos de entrevistas e debates ao vivo, em que é impossível checar de antemão as falas dos entrevistados.

A associação de jornalistas pediu para ingressar na ação como amicus curiae. Normalmente esse pedido é feito antes do julgamento, mas o relator Edson Fachin deferiu excepcionalmente o pedido “considerando-se a relevância” do tema.

Quanto ao mérito da decisão, os advogados do Diário de Pernambuco, Carlos Velloso e João Carlos Velloso, argumentaram que o jornal não deixou de observar os deveres de cuidado preconizados pelo caso e que não havia indícios concretos da falsidade da imputação no momento da publicação da entrevista de Wandenkolk Wanderley em 1995.

Segundo o STF, a tese de repercussão geral não altera a jurisprudência do tribunal sobre liberdade de imprensa nem abre caminho para censura prévia. Ministros sustentam que a mudança visa coibir a desinformação, tem como alvo veículos que propagam fake news e que a imprensa séria e profissional pouco será afetada. O ministro Gilmar Mendes declarou que é possível esclarecer a tese fixada.

Há receio na corte quanto às críticas de que a regra represente censura ou limitação da atividade jornalística. O próprio Fachin, ao admitir a Abraji como amicus curiae mesmo fora do prazo, reforçou esse entendimento ao mencionar “a possibilidade de serem atribuídos efeitos infringentes ao julgado” –ou seja, de alterar de algum modo o que foi decidido.

Apesar dos sinais emitidos pelo relator quanto à urgência do tema, não há prazo para que os embargos de declaração sejam julgados pelo Supremo.

FABIO VICTOR / Folhapress

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