SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Rússia, Vladimir Putin, sugeriu neste sábado (23) o envolvimento da Ucrânia, país que invadiu em 2022, no atentado terrorista que matou que matou ao menos 133 pessoas na noite de sexta em Moscou. A ação foi assumida pelo grupo Estado Islâmico.
O russo fez a primeira fala sobre a tragédia ocorrida em uma casa de espetáculos após a prisão de 11 pessoas, inclusive 4 acusadas de terem atirado contra a plateia lotada do local. Ao decretar luto oficial e expressar condolências às famíliaa das vítimas, ele disse que os suspeitos foram detidos enquanto rumavam “na direção da Ucrânia”.
Segundo ele, há “informações preliminares” de que pessoas esperavam os agressores para fazer a travessia na fronteira. Já o EI divulgou vídeo reafirmando a autoria, identificando os atacantes e no qual afirmou que o ataque faz parte da “guerra furiosa” entre o grupo e “os Estados que combatem o Islã”.
“Nossos inimigos não vão nos dividir”, disse o presidente na TV estatal. Ele qualificou o ataque de “bárbaro, selvagem, sangrento”.
Ele não fez uma acusação direta ao governo ucraniano, apesar da insinuação, dizendo que irá punir “quem quer que seja”. Nesta semana, ele havia dito que os alertas sobre ataque terrorista iminentes emitidos pela Embaixada dos EUA em Moscou era “chantagem” para “desestabilizar nossa sociedade”.
Os quatro acusados pela ação, um dos quais a confessou em um vídeo, foram detidos em Briansk, região 340 km a sudoeste de Moscou, na manhã deste sábado. A área florestal fica a cerca de 130 km da fronteira ucraniana.
O governo em Kiev negou qualquer participação no caso, no que foi secundado pelos Estados Unidos e países europeus. Como seria óbvio, dado que na sexta o Kremlin disse enfim que estava em guerra com a Ucrânia e acusou o Ocidente por isso, as falas foram descartadas como precipitadas em Moscou.
Na mão inversa, canais de Telegram ligados ao governo ucraniano já estão inundados de teorias conspiratórias ligando o próprio governo russo ao atentado, que segundo elas serviria para recrudescer a guerra e os controles internos no país de Putin.
As autoridades afirmam que o número de vítimas deve subir. Mais cedo, a influente editora-chefe da rede estatal RT, Margarita Simonian, havia falado em 143 mortos, mas o Comitê de Investigação do governo confirmou 133. Há ao menos três crianças entre os mortos, e a prefeitura anunciou que pagará uma indenização de R$ 160 mil a cada família que perdeu um parente no ataque.
Segundo o chefe do FSB (Serviço Federal de Segurança), Alexander Bortnikov, quatros dos detidos foram os responsáveis pelo tiroteio dentro da casa de espetáculos Crocus City Hall, no shopping homônimo em um distrito periférico a 20 km do centro da capital russa.
Um deputado, Alexander Khinshtein, relatou que os quatro suspeitos estavam em um Renault quando furaram um bloqueio policial na estrada. Houve perseguição, o carro foi parado e dois suspeitos fugiram para uma floresta, enquanto os remanescentes eram presos.
Segundo Khinshtein, ao fim todos acabaram detidos e a polícia apreendeu uma pistola, um pente de munição para rifles de assalto e passaportes do Tadjiquistão, república de maioria muçulmana da Ásia Central que foi parte, com a Rússia, da antiga União Soviética (1922-1991).
Segundo o governo dos Estados Unidos, o ataque foi promovido especificamente pelo braço afegão do Estado Islâmico, conhecido como EI-Khorasan.
Na guerra civil da Síria, os russos intervieram em 2015 em favor da ditadura aliada de Bashar al-Assad, e passaram a atacar duramente o EI. Foram responsáveis, assim como países ocidentais e do Oriente Médio, por uma campanha que acabou com o domínio territorial que o grupo extremista tinha sobre grandes áreas do país árabe e do vizinho Iraque.
O governo de Vladimir Putin tem uma longa história de conflito com grupos fundamentalistas islâmicos. O líder, reeleito para mais seis anos de governo no domingo passado (17), subiu ao poder como premiê em 1999 decidido a esmagar o separatismo radical muçulmano na república russa da Tchetchênia após uma mortífera onda de atentados em Moscou e outras cidades.
O sucesso da brutal campanha por lá o cacifou para, presidente interino após a renúncia de Boris Ielstin na virada do ano 2000, ser eleito pela primeira vez para o Kremlin. Depois, enfrentou diversas crises com terroristas islâmicos.
O ataque desta sexta foi o mais mortal dessa história depois de um episódio de 2004, quando terroristas tchetchenos e inguchenos tomaram uma escola em Beslan, na Ossétia do Norte. Ao fim do cerco policial, 334 pessoas morreram, inclusive 156 crianças.
Moscou não enfrentava um ataque dessa dimensão desde 2011, quando 37 pessoas morreram em um atentado no aeroporto internacional de Domodedovo. A ação disparou um gatilho nos moscovitas também por trazer ecos da tomada de um teatro no centro da capital em 2002 por tchechenos, cuja desastradas ação policial acabou com a morte de 132 reféns, além dos 40 terroristas.
Na Ucrânia, canais de Telegram, inclusive estatais, celebraram o ataque como uma retribuição pela agressão russa ao país neste sábado, Kiev disse ter abatido 31 de 34 drones lançados pelos russos.
O todo-poderoso Nikolai Patruchev, secretário do Conselho de Segurança Nacional da Rússia, afirmou que todos os envolvidos no caso serão punidos.
As imagens do atentado, captadas por celulares dos presentes, viralizaram. Elas mostram os terroristas entrando no local e atirando a esmo contra a plateia que esperava um show da banda de rock dos tempos soviéticos Piknik.
Houve um incêndio no local, causado por duas explosões inicialmente, o relato era de que seriam bombas, mas há a versão de que foram rudimentares coquetéis molotov que provocaram o fogo, visível de diversos pontos da capital russa.
Inaugurado em 2009, o Crocus City Hall foi criado pelo dono do Grupo Crocus, o oligarca azeri Aras Agalarov, em homenagem a Muslim Magomaiev (1942-2008) o “Frank Sinatra soviético” que era amigo e conterrâneo do empresário. O local abrigou shows internacionais de destaque, como de Elton John e Lana del Rey. Ironicamente, a família de Agalarov, ligada ao governo de Baku, é muçulmana.
A cidade está com policiamento reforçado neste sábado. Policiais rondam estações de metrô e todas as estradas circundando a capital têm bloqueios.
IGOR GIELOW / Folhapress