SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O general Richard Fernandez Nunes, que era Secretário de Segurança Pública do RJ na época do assassinato de Marielle Franco e nomeou como chefe da Polícia Civil o delegado Rivaldo Barbosa, se disse “perplexo” com a prisão dele como um dos arquitetos da execução e considera que pode ter sido ludibriado, “como toda a sociedade foi”.
“Lógico que essa prisão me deixou perplexo. Como é que pode um negócio assim? É impressionante. É um negócio de deixar de queixo caído. Naquela época, não havia nada que sinalizasse uma coisa dessas, uma coisa estapafúrdia”, declarou Nunes à Folha de S.Paulo.
O general fez menção a um trecho do relatório da PF segundo o qual “é possível inferir que a trama encabeçada por Rivaldo Barbosa (…) teve o condão de ludibriar, inclusive, um general quatro estrelas do Exército Brasileiro” na verdade, na época Richard tinha três estrelas.
“Eu nunca percebi, e eles até acham que me ludibriaram. Eu posso ter sido ludibriado, como a sociedade inteira, né? A sociedade inteira foi ludibriada.”
Nunes relatou que na época havia elementos para achar que Rivaldo e o delegado Giniton Lages, que conduziu o caso Marielle na Delegacia de Homicídios e é investigado como participante do esquema para matá-la (foi afastado das funções e terá de usar tornozeleira eletrônica), estavam no caminho correto da elucidação do crime.
“É isso que está estranho para a minha cabeça até o momento. Se realmente houve essa procrastinação de cinco anos, não foi do Rivaldo e do Giniton. Porque eles, com um ano, prenderam os caras [os executores do crime].”
“Ah, mas depois se passaram cinco anos? Mas cinco anos com outra estrutura, com outras pessoas, não foram eles. Então, tem que pesar isso aí um pouquinho. Eu não consegui ainda, sinceramente, destrinchar essa história na minha cabeça. Se os camaradas realmente estavam dispostos a não investigar, a procrastinar, então por que chegaram aos executores?”, questionou Nunes.
O general considera que Giniton teve “passos muito cuidadosos para prender sem dar margem a que os caras depois pudessem alegar qualquer ilegalidade na prisão, tanto que estão presos até hoje”. “Agora que eu estou lendo que ele enrolou aqui e enrolou lá. Mas na época não era perceptível”, disse.
Nunes foi escolhido como secretário pelo interventor federal na segurança, general Walter Braga Netto, que mais tarde seria ministro do governo Bolsonaro, candidato a vice na chapa dele em 2022 e hoje é um dos investigados pelas tentativas de golpe para impedir a posse de Lula.
Neste domingo, Braga Netto, por meio de seu advogado, emitiu uma nota para dizer que coube a Richard, e não a ele, a nomeação de Rivado.
“A escolha foi minha, eu nunca disse nada em contrário. Não sei por que ele sentiu necessidade de colocar uma nota acerca disso. Para quem conhece os meandros da administração pública, sabe que isso é uma coisa natural”, disse Richard.
No mês anterior ao seu assassinato, Marielle criticou a escolha de Nunes como secretário de Segurança da Intervenção. O general tinha comandado uma operação do Exército no complexo da Maré, onde a política nasceu e foi criada.
Nunes ficou na função de fevereiro de 2018 a dezembro do mesmo ano. Quando estava de saída, deu uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em que afirmou que Marielle foi morta por milicianos por ser um entrave à grilagem de terras na zona oeste do Rio.
“A milícia atua muito em cima da posse de terra e assim faz a exploração de todos os recursos. E há no Rio, na área oeste, na baixada de Jacarepaguá, problemas graves de loteamento, de ocupação de terras. Essas áreas são complicadas. [E Marielle fazia] uma conscientização daquelas pessoas sobre a posse da terra. Isso causou instabilidade e é por aí que nós estamos caminhando. Mais do que isso eu não posso dizer.”
O general reafirmou o que disse em depoimento à PF no ano passado: que seu preferido para chefiar a Polícia Civil era outro (delegado Delmir, que recusou), e Rivaldo era o segundo da lista. E que nomeou Rivaldo apesar de contraindicação da subsecretaria de inteligência porque “é normal que sempre tenha aquele consta que, olha, parece que em determinado caso não se portou como deveria, talvez tenha cometido algum tipo de deslize. Se eu fosse levar em consideração todo tipo de contraindicação, não sobrava quase ninguém”.
Nunes alega que, se houve à época algo de concreto contra Rivaldo, “alguma coisa estava muito errada, porque ele era o delegado chefe da Divisão de Homicídios. Eu não o tirei do ostracismo. Ele era um cara conceituado, reconhecido, tanto que, quando foi indicado, a repercussão foi muito favorável. Esse era o Rivaldo de março de 2018”.
O general diz que nunca foi especialista em segurança. “Eu fui colocado lá para cumprir uma missão. Agora, eu nunca investiguei caso nenhum na minha vida, nunca fui policial.” Um dos referenciais em que diz ter se baseado para referendar o nome de Rivaldo foi o comportamento da família de Marielle e do então deputado Marcelo Freixo (na época no PSOL, hoje no PT). “Quando eu vi a confiança que o Freixo e a família depositavam nele, eu falei, pô, é um sinal.”
“O caso Amarildo, o caso da juíza Patrícia Acioli, isso tudo tinha passado por ele. Era um cara que navegava muito bem junto a esse segmento também da sociedade. Então eu estava muito tranquilo. Não é que eu estava tranquilo, mas eu tinha indicadores que diziam, olha, esse caminho aqui está adequado, porque não havia nenhuma suspeita.”
Nunes nega que a nomeação de Rivaldo tenha ocorrido na véspera do assassinato de Marielle, o que ocorreu naquele dia foi a posse o nome fora escolhido dias antes.
O general afirmou ter a impressão de que a Polícia Federal “obteve uma delação que vai muito além do caso Marielle. Então, é um caso de maior envergadura em termos de envolvimento dessa questão de polícia com política e tudo mais. Acho que o caso Marielle em si é parte desse todo aí que é muito mais amplo. Porque, na verdade, eu nunca percebi”.
Richard Nunes é atual chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército e integrante do Alto Comando da corporação. No início do mês que vem, assumirá a chefia do Estado-Maior do Exército, o segundo posto mais importante da força terrestre.
FABIO VICTOR / Folhapress