NATAL, RN (FOLHAPRESS) – A professora Lucineide de Souza Dantas, 51, transita, há cinco anos, entre irritabilidade, indisposição, falta de libido e fogachos -fortes ondas de calor que impregnam o corpo. “São sintomas que incomodam”, diz. E são associados à menopausa.
Mais de 24 milhões de mulheres no Brasil já estão na menopausa ou no climatério, fase em que ocorrem mudanças hormonais que afetam sono, sexualidade e emoções, variando em intensidade, às vezes descritas como “desesperadoras”.
Projetos de lei no Congresso Nacional propõem programas de saúde específicos para ajudar, mas não há previsão sobre o término da tramitação nem sobre quando, se aprovados, serão efetivados. Um desses projetos está na Câmara desde 2019.
No Senado, o PL 3933/2023, aprovado em fevereiro deste ano na Comissão de Direitos Humanos, aguarda agora na Comissão de Assuntos Sociais e ainda passará pela Câmara. O projeto prevê medicamentos, exames diagnósticos, capacitação médica e acompanhamentos psicológico e multidisciplinar especializados para as mulheres.
Hoje serviços e tratamentos gratuitos já existem, mas são considerados escassos. “E essa é uma questão primordial. É preciso acelerar esse processo”, diz a professora, pesquisadora e coordenadora do Ambulatório de Menopausa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Lúcia Costa Paiva, também presidente da Comissão Especializada de Climatério da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
“As mulheres precisam do tratamento e ele não existe nos postos de saúde. Quando procuram um médico, elas nem sempre são atendidas por um ginecologista e nem sempre conseguem chegar no serviço especializado para tratar. Quando chegam num serviço em que a gente consegue fazer o que precisa, elas também não têm a retaguarda do remédio. Ou seja, são muitos empecilhos para que consigam pelo serviço público”, acrescenta.
Todas as fontes ouvidas pela reportagem afirmam que, no cenário atual, muitas desistem de iniciar ou continuar o tratamento. “Essa é uma fase da vida que todas as mulheres vão passar e que pode ser muito sintomática, pode causar muita piora de qualidade de vida, então muitas precisam de uma atenção especializada e não estão tendo”, frisa Paiva.
Só em 2023, mais de 258 mil mulheres no climatério e na menopausa foram atendidas na APS (Atenção Primária à Saúde) do SUS (Sistema Único de Saúde), em que ocorre a abordagem inicial dos casos. Os registros se referem à população com 30 anos ou mais, ou seja, englobam menos de 1% das 62 milhões de mulheres nessa faixa de idade no país, segundo levantamento realizado pelo Ministério da Saúde, a pedido da Folha de S.Paulo.
A pasta não comentou sobre os projetos de lei, sobre uma possível expansão dos serviços especializados, nem informou quantas usuárias chegam a esses serviços. Em nota, disse, porém, que unidades e equipes da APS já estão capacitadas para prestar uma assistência completa e que, se identificada a necessidade, a mulher é direcionada para ambulatórios especializados ou policlínicas.
Com relação a tratamentos, ressaltou que há medicamentos para reposição hormonal na Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais), assim como práticas complementares, como acupuntura, ioga e meditação disponíveis.
Segundo a médica Lúcia Costa Paiva, entretanto, membros da comissão nacional de climatério de diversas regiões do Brasil afirmam que as pacientes não encontram os medicamentos na rede pública. “E, se não podem comprar, não têm como usar o que foi prescrito pelo médico.”
O custo da terapia hormonal é de, pelo menos, R$ 50 por mês. “Dependendo da indicação, pode ser até três vezes mais cara”, diz a ginecologista e especialista em menopausa e climatério pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Ada Custódio, responsável pelo Ambulatório de Climatério do Hospital da Mulher, em Mossoró (RN). O serviço foi inaugurado neste mês, com capacidade para até 20 atendimentos por semana. São mulheres de 63 municípios.
Lucineide é uma delas e levou cinco anos para começar o acompanhamento. “Eu achei que os sintomas iriam passar, mas o fato de tudo ter que ser em outra cidade também dificulta. Na minha, não tem nem atendimento ginecológico”, diz.
De Carnaubais, onde vive, até Mossoró, leva 1 hora e 30 para chegar. A ida, afirma, se tornou inevitável com a piora dos sintomas. Agora ela se prepara para o tratamento. “Se fosse na minha cidade e gratuito, talvez eu tivesse começado esse processo antes.”
Antes do ambulatório, o serviço no hospital era oferecido de forma geral, dentro da ginecologia. “Agora nós teremos um fluxo direcionado e conseguiremos dar seguimento às pacientes com mais facilidade. Além disso, tenho residentes e estudantes de medicina que, com essa triagem, vão poder ter casos mais selecionados para discussão e aprendizado e vão poder ver a evolução do tratamento”, observa Ada Custódio.
Eliza Freitas, coordenadora do ambulatório geral da unidade, explica que o serviço nasceu com a demanda. “Começamos a receber inúmeras solicitações de atendimento para menopausa e climatério. Vimos que a demanda é bem específica e necessita desse atendimento”.
Eliana Azevedo, doutora em Ciências pela Escola Nacional em Saúde Pública da Fiocruz e professora aposentada da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), reforça a importância do atendimento multiprofissional e da troca de conhecimentos com as mulheres.
Telma Gurgel, doutora em Sociologia, pós-doutora em estudos feministas e professora aposentada da pós-graduação em serviço social e direitos sociais da UERN (Universidade do Rio Grande do Norte), observa que o feminismo brasileiro busca há décadas uma atenção integral à saúde da mulher.
Ela destaca que mulheres no climatério e na menopausa ficam invisíveis na rede de saúde, até que surjam problemas mais graves, e que é fundamental a ampliação dos serviços em toda a rede do SUS.
“Nós sabemos que as mais afetadas pela falta de acesso aos serviços e às informações básicas são as mulheres negras, pobres, da periferia. Então não é apenas determinar a lei, mas garantir que seja cumprida e de boa qualidade”, afirma Gurgel.
MULHERES NO SUS
258.722: foi o total de mulheres atendidas em 2023, em todo o país, com condições clínicas relacionadas ao climatério e à menopausa, na Atenção Primária à Saúde.
– 30 a 39 anos: 1,74%
– 40 a 49 anos: 32,90 %
– 50 a 59 anos: 46,80 %
– 60 anos ou mais: 18,55 %
_Fonte: Ministério da Saúde_
O QUE BUSCAM OS PROJETOS DE LEI NO CONGRESSO
A criação de programas de atenção à saúde para essa fase da vida, com atendimento público especializado nas frentes a seguir:
– divulgação de informações relacionadas
– realização de exames diagnósticos
– disponibilização de reposição hormonal e outras medicações necessárias
– atendimento psicológico
– acompanhamento por equipe multiprofissional de saúde
NA CÂMARA: PL 5602/2019 E PL 4574/2021 (TRAMITAM EM CONJUNTO)
Autoras: Bia Cavassa (PSDB/MS) e Marília Arraes (PT/PE); status: Na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, aguardando designação de relator.
Próximos passos: Apreciação pelas comissões de Saúde e de Constituição e Justiça e de Cidadania. A tramitação é conclusiva nas comissões, ou seja, a votação em Plenário só será necessária se houver recurso para isso ou caso a tramitação mude para o regime de urgência.
_Fonte: Câmara dos Deputados_
NO SENADO: PL 3933/2023
Autor: Mecias de Jesus (Republicanos/RR); status: aprovado em fevereiro de 2024 na CDH (Comissão de Direitos).
Humanos e Legislação Participativa do Senado. Agora, aguarda designação de relator na CAS (Comissão de Assuntos Sociais). Próximos passos: Se aprovado, seguirá para análise da Câmara dos Deputados.
_Fonte: Senado_
RENATA MOURA / Folhapress