BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – No relatório de cerca de 500 páginas sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, a Polícia Federal aponta supostos mandantes e possíveis ligações deles com milícia, corrupção e grilagem no Rio de Janeiro.
Foram presos no domingo (24) o deputado federal Chiquinho Brazão e o seu irmão, o conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio) Domingos Brazão, além do delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil no Rio, que segundo a Polícia Federal teriam arquitetado o crime. Eles negam as acusações.
Segundo a investigação, os irmãos Brazão fizeram, no segundo semestre de 2017, a proposta de matar Marielle ao ex-PM Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé. Apontado como responsável por chamar Ronnie Lessa para executar o crime contra a vereadora, Macalé foi morto a tiros em novembro de 2021. O pagamento pelo crime seria feito por meio de terras, segundo a PF.
“Lessa narrou [na delação] que receberia, juntamente com Macalé, uma grande extensão de terras que os irmãos Brazão estavam planejando invadir para promover o parcelamento do solo para posterior revenda dos lotes. Ressaltou que, pelas dimensões das terras, se tratava de uma empreitada milionária”, afirma o relatório da investigação.
Os irmãos Brazão teriam planejado o assassinato por considerar a vereadora um potencial obstáculo para as ações de milícia e grilagem, segundo Lessa.
A PF considerou essa versão verossímil ao avaliar o histórico de atuação dos irmãos em negócios imobiliários irregulares, além de relatos de que Chiquinho Brazão ficou irritado com a dificuldade de aprovar na Câmara dos Vereadores mudança na legislação para flexibilizar a regularização de terras. Essa proposta, para a PF, beneficiaria a milícia.
Os investigadores ponderaram que a forma de planejamento do crime –“de maneira clandestina, durante breves encontros em local deserto”–dificultou a confirmação dos detalhes sobre a motivação e do acordo para executar o assassinato.
Os irmãos Brazão infiltraram o miliciano Laerte Silva de Lima no PSOL em 2016, afirma a investigação. Os relatos dele sobre a atuação do partido teriam reforçado a impressão de Domingos Brazão de que a Marielle tinha a intenção de prejudicar negócios da milícia.
A Polícia Federal, porém, não descarta a possibilidade de o infiltrado ter inventado informações –nas palavras de Lessa, Laerte teria “enfeitado o pavão”. “Ponderou-se a possibilidade de que este poderia ter sobrevalorizado ou, até mesmo, inventado informações para prestar contas de sua atuação como infiltrado”, ressalta a PF sobre o depoimento do delator.
A investigação mostra que Lessa fez buscas na internet e monitorou trajetos feitos pela vereadora. Um ano após as mortes, ele e Élcio de Queiroz foram presos –o primeiro apontado como autor dos disparos, enquanto o segundo teria atuado como motorista do carro usado no crime.
Para a PF, outro envolvido na arquitetura do crime é o delegado Rivaldo Barbosa. Ele teria dado condições para o caso ficar impune.
O delegado também teria exigido, ainda segundo a PF, que o assassinato não fosse cometido na saída de Marielle da Câmara de Vereadores, para não levantar a tese de crime político e, com isso, atrair atenções ao caso.
Rivaldo era chefe da Delegacia de Homicídios do Rio. Ele tomou posse do comando da Polícia Civil na véspera do assassinato de Marielle e Anderson.
Após o crime, o delegado nomeou Giniton Lages para o comando da Delegacia de Homicídios. Segundo a PF, o novo chefe da unidade também participou das ações para garantir impunidade no caso.
A PF afirma que os responsáveis pela investigação na polícia do Rio atuaram para emplacar versões falsas do crime, intimidaram testemunhas e foram negligentes na busca das imagens de vigilância próximas ao local dos tiros.
A investigação também diz que Rivaldo utilizava empresas de fachada para receber “vantagens indevidas”. A mulher dele, Érika Araújo, era a administradora formal dos negócios.
No período em que Barbosa foi titular da Delegacia de Homicídios, os valores recebidos eram ligados “à contravenção para não investigar/não deixar investigar os homicídios por eles praticados, decorrentes das disputas territoriais para exploração do ‘jogo do bicho’, entre outros fatos juridicamente relevantes”, segundo a PF.
Em nota, a assessoria de Chiquinho Brazão afirma que é estarrecedora a prisão feita “de forma arbitrária” e no domingo. Diz também que a medida é baseada em presunções e declarações de criminosos que buscam reduzir a pena.
A defesa de Domingos diz que não há ligação dele com o caso e que o conselheiro do TCE sempre se colocou à disposição das autoridades.
Rivaldo Barbosa também nega envolvimento no crime, segundo a defesa do delegado.
Giniton Lages diz que atuou com independência e nega irregularidades. As demais defesas não foram localizadas.
CASO MARIELLE E ANDERSON
PF considera que encerrou busca por mandantes e executores do assassinato da vereadora e do motorista Anderson Gomes após operação feita no domingo (24).
SUPOSTOS ARQUITETOS DO CRIME
Irmãos Brazão e ex-chefe da Polícia Civil do Rio foram presos no domingo (24).
Chiquinho Brazão
O que diz a PF: Então vereador (na época da morte de Marielle) e atual deputado federal, teria arquitetado o assassinato por considerar a vereadora potencial obstáculo para milícia e grilagem. A investigação afirma que os irmãos Brazão contrataram executores do crime e infiltraram um aliado no PSOL. Também teriam obstruído investigações.
O que diz a defesa: Em nota, afirma que é estarrecedora a prisão feita “de forma arbitrária” e no domingo. Diz que o relatório policial “confessa” ausência de provas e que a prisão é baseada em presunções e declarações de criminosos que buscam reduzir a pena.
Domingos Brazão
O que diz a PF: O conselheiro do TCE-RJ atuou na mesma linha do irmão. A PF afirma que a trajetória de Domingos é “evidência inequívoca” de como se estrutura e se insere uma organização criminosa no seio da sociedade brasileira.
O que diz a defesa: Afirmou que não há ligação dele com o caso. Em nota, disse que o conselheiro sempre se colocou à disposição das autoridades e foi surpreendido pela prisão. Declarou ainda que delações não devem ser tratadas como verdade absoluta.
Rivaldo Barbosa
O que diz a PF: Ele teria atuado para garantir a impunidade e ajudado a planejar o assassinato. Rivaldo teria acobertado crimes quando foi chefe da divisão de homicídios do Rio e manteve a prática ao assumir o comando da Polícia Civil, na véspera da morte de Marielle, diz PF. Investigação aponta uso de empresas de fachada para receber vantagens.
O que diz a defesa: O delegado nega qualquer envolvimento no crime e diz ter certeza da inocência, afirma a sua advogada.
MEDIDAS CAUTELARES
Esposa de Rivaldo e agentes da polícia devem usar tornozeleira eletrônica. Eles também tiveram passaportes, porte de arma e cargo público suspensos
Giniton Lages
O que diz a PF: Então chefe da delegacia de homicídios, foi escolhido por Rivaldo para conduzir investigações do caso Marielle. Teria tentado desviar o foco da apuração, inserido testemunha falsa e atuado de forma negligente, por exemplo, na tarefa de obter imagens de circuitos de segurança de locais próximos ao crime.
O que diz a defesa: Lages disse à Folha de S.Paulo que nunca recebeu orientação de Rivaldo para deixar de investigar alguém e que sempre contou com independência.
Marco Antônio de Barros Pinto (Marquinho DH)
O que diz a PF: Comissário da polícia, ele seria “agente de campo” de Rivaldo e Giniton. A PF diz que o agente foi fundamental para obstruir a investigação, ainda que não tenha participado do planejamento do crime.
O que diz a defesa: Não foi localizada.
Érika Andrade de Almeida Araújo
O que diz a PF: Mulher de Rivaldo, a advogada seria laranja do marido em empresas de fachada para receber vantagens de corrupção e do acobertamento dos crimes. Investigação cita saques e depósitos de valores em espécie que podem estar ligados a crimes.
O que diz a defesa: Não foi localizada.
BUSCA E APREENSÃO
Todos os presos ou alvos de medidas cautelares sofreram busca e apreensão em seus endereços. Além deles, Robson Calixto Fonseca foi alvo de buscas. Ele era assessor pessoal de Domingos Brazão na Assembleia Legislativa e no TCE e foi apontado como intermediador dos contatos com os executores do crime. A defesa de Fonseca não foi localizada.
MATEUS VARGAS / Folhapress