BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – O cacique Raoni Metuktire, líder dos kayapós que é referência na luta por direitos dos povos originários e pelo meio ambiente, recebeu nesta terça-feira (26) o título de cavaleiro da Legião de Honra da França.
A medalha foi entregue pelo presidente francês, Emmanuel Macron, em passagem por Belém, no Pará, na primeira parada de sua visita ao Brasil.
Criada por Napoleão Bonaparte em 1802, a honraria é a mais prestigiosa concedida pelo governo da França. São reconhecidas pessoas proeminentes nas mais diversas áreas que atuam em benefício da sociedade.
A cerimônia aconteceu na ilha do Combu, uma das maiores da capital paraense, que Macron foi conhecer acompanhado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta tarde.
Também estiveram presentes as ministras dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e do Meio Ambiente, Marina Silva, a presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana, o governador do Pará, Helder Barbalho, e lideranças indígenas como Davi Kopenawa, xamã e líder político dos yanomamis.
O cacique Raoni é reconhecido nacional e internacionalmente por seu ativismo pela preservação da floresta amazônica. Este foi seu terceiro encontro com Macron, segundo a agência francesa de notícias RFI.
“Você esteve na Europa e eu me comprometi a vir aqui na sua floresta e estar junto com os seus, nesta floresta que é tão cobiçada e você sempre lutou para defendê-la, durante décadas”, discursou Macron durante a cerimônia.
“O presidente Lula e eu fazemos hoje causa comum por um dos nossos amigos, nessa terra que pertence a vocês. Que é um tesouro de biodiversidade, mas também de povos indígenas que aqui nasceram, cresceram e tiveram a sua tradição”.
Ao agradecer pela medalha, Raoni pediu que Lula se oponha ao projeto da Ferrogrão, ferrovia que deve transportar soja de Mato Grosso aos portos de exportação do Pará.
“Presidente Lula, me escuta, eu subi com você na posse, na rampa [em Brasília], e eu quero pedir que vocês não aprovem o projeto de construção da ferrovia de Sinop a Miritituba, mais conhecido como Ferrogrão”, afirmou.
“Sempre defendi que não pode ter desmatamento, não consigo aceitar garimpo. Então, presidente, quero pedir novamente que você trabalhe para que não haja mais desmatamento e também que você precisa demarcar as terras indígenas”, seguiu o cacique, que solicitou ainda mais orçamento para a Funai.
Nascido por volta de 1930, em Mato Grosso, o líder kayapó foi influente na formulação da Constituinte de 1988, que consagrou o direito originário dos povos indígenas aos seus territórios, e já foi cotado para receber o Nobel da Paz.
Em seu discurso ao receber a medalha francesa nesta terça, Raoni pediu que Lula e Macron o apoiem em sua busca pelo Nobel da Paz.
“Não tem ninguém no planeta Terra que mereça ganhar o prêmio Nobel da Paz mais do que você pelo que você fez na sua passagem pelo planeta Terra”, assentiu Lula, em fala ao final da cerimônia.
Divulgando mensagens de direitos humanos e proteção florestal, fundou a Rainforest Association (1989) e o Instituto Raoni (2001). Raoni também se mobilizou contra grandes projetos de infraestrutura que ameaçam os direitos e as terras indígenas, como a construção de barragens -entre elas as da Usina de Belo Monte, no Pará.
Nos últimos anos, em meio às discussões acerca da tese do marco temporal no Supremo Tribunal Federal e no Congresso, vem reforçando a mensagem pela demarcação das terras indígenas.
Em 2024, Raoni Metuktire recebeu dois títulos de doutor honoris causa, pelas universidades estadual e federal de Mato Grosso. Os reconhecimentos foram dados por sua luta em defesa da amazônia e dos povos originários em diversos fóruns internacionais.
A Legião da Honra da França tem atualmente aproximadamente 79 mil membros -cerca de 2.000 franceses e 300 estrangeiros são homenageados todos os anos. Entre os brasileiros que já receberam a medalha estão Dom Pedro 2º, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a atual ministra da Saúde, Nísia Trindade, e o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.
A vinda do presidente francês a Belém, nesta que é a sua primeira passagem pelo Brasil, envolveu um esquema de segurança reforçado, coordenado pela Marinha. Devido ao atentado terrorista ocorrido em Moscou na última sexta-feira (22), a França está em estado de alerta máximo.
Macron chegou à base aérea de Belém no meio da tarde e foi recebido por Lula na Estação das Docas, famoso ponto turístico da cidade. O acesso do público a ambos os locais foi vedado.
Os dois chefes de Estado se reuniram em um barco na baía de Guajará e partiram para a ilha do Combu, onde visitaram uma fábrica de chocolates sustentáveis liderada por mulheres.
O objetivo da visita ao Brasil, segundo o governo francês, é que os dois presidentes discutam questões de proteção da biodiversidade, transição ecológica e descarbonização das economias.
Neste ano, o Brasil sediará a cúpula do G20, no Rio de Janeiro, e em 2025 a COP30. A cúpula do clima da ONU está prevista para acontecer em Belém, mas, como a Folha de S.Paulo mostrou na semana passada, o governo estuda transferir parte dos eventos para cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, onde há maior infraestrutura.
Na última semana, o governo Lula criou uma secretaria extraordinária para coordenar os preparativos do evento.
A passagem de Macron por Belém será rápida. Nem ele nem Lula ficarão hospedados na capital paraense e, já na noite desta terça-feira, partem para o Rio de Janeiro.
No Rio, participam da inauguração de um submarino em Itaguaí na quarta-feira (27) e depois Macron segue para São Paulo, onde deverá fazer parte de um fórum econômico e visitará o Instituto Pasteur.
A programação oficial da visita se encerra na quinta (28), em Brasília, com a assinatura de acordos no Palácio do Planalto, almoço no Itamaraty e recepção no Congresso.
JÉSSICA MAES / Folhapress