SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Obras emergenciais da gestão Ricardo Nunes (MDB) recém-entregues já apresentam problemas como rachaduras e acumulam reclamações por parte de moradores.
Os gastos bilionários com esse tipo de intervenção, somados às suspeitas de irregularidades nos contratos, viraram munição para adversários do prefeito, que é pré-candidato à reeleição em outubro.
Procurada pela reportagem, a gestão Nunes afirmou que os problemas serão reparados pelas empresas.
Uma obra de R$ 44 milhões para contenção de uma encosta na região do Jaçanã, na zona norte, é um exemplo.
A intervenção ocorreu em 2022, sob expectativa da população de finalmente se sentir segura no local. Moradores, porém, dizem ter ocorrido o desgaste da obra pouco tempo depois da entrega.
A construção na encosta apresenta rachaduras, que, segundo moradores, são resultado de infiltrações. A pavimentação na rua, que havia sido feita, também já está esburacada. Ainda é possível ver uma gambiarra de madeira usada para tapar um vão em uma grade de metal.
Vizinha da obra, a dona de casa Joélia dos Santos, 55, diz que a Defesa Civil informou aos moradores sobre o perigo. “Pelo que falaram, tá arriscado de nossa casa desmoronar.”
O problema na rua Nossa Senhora Aparecida era antigo, segundo moradores. Apesar disso, a obra foi feita no modelo emergencial. Relatório do TCM (Tribunal de Contas do Município), concluído antes do fim da obra, já apontava preocupação com o gasto milionário e suposta falta de habilitação da executora para obra de tal complexidade.
No extremo leste da cidade, uma obra de contenção da margem do córrego Itaqueruna, em São Miguel Paulista, parece estar esfarelando em alguns dos trechos.
“Olha aí, tem essa rachadura aí também. Pouco tempo que fez já rachou”, conta a dona de casa Camila Aparecida, 33, ao caminhar com a reportagem na margem do córrego.
Ela levou a equipe da Folha até um trecho em que houve um deslizamento de terra que arrancou um cano usado para a drenagem e deixou um buraco no solo ao lado da margem.
Morador de uma das casas à beira do curso dágua, Luís Fernando de Andrade, 33, afirma que as residências continuam alagando. Vivendo ali por quase toda a vida, ele conta ter alertado os trabalhadores sobre a provável ineficácia da obra.
“Falaram que ia fazer um muro aí, que não iria mais encher porque eles alargaram o córrego. Eu falei: Rapaz esse muro tá [baixo]. Ele falou: Se o engenheiro que estudou está mandando fazer dessa altura, quem somos nós para fazer diferente?. Eu falei: Então vai ter que estudar de novo.”
O córrego tem obras feitas por dois contratos, de duas empresas diferentes, nos valores de R$ 26 milhões e R$ 10 milhões.
Essas obras estão entre as 140 emergenciais para contenção de córregos contratadas pela gestão Nunes de setembro de 2021 a dezembro de 2023, que custaram R$ 2,2 bilhões aos cofres públicos.
A Folha mostrou que o valor gasto com obras emergenciais saltou de R$ 20 milhões em 2017, na gestão de João Doria (PSDB), para R$ 2,1 bilhões em 2022, primeiro ano completo da gestão Nunes. A inflação de 2017 a 2022 foi de 35%, segundo índice do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os números fazem parte de uma auditoria do TCM em contratos das secretarias municipais de Infraestrutura Urbana e Obras e de Subprefeituras, pastas que concentram os contratos emergenciais.
Tanto os problemas de execução como a questão da adoção das obras emergenciais viraram munição para os concorrentes do prefeito. Guilherme Boulos (PSOL), por exemplo, produz materiais que seguem a estética de um telejornal apontando falhas nas obras e denúncias de corrupção.
Tabata Amaral (PSB) também publicou em suas redes sociais vídeos de intervenções realizadas na cidade que apresentam falhas na implementação e notícias sobre o uso das obras emergenciais, criticando o emedebista.
Na ocasião, a prefeitura disse que “o aumento na contratação de obras emergenciais se deu por conta das demandas encaminhadas pelas subprefeituras à Secretaria [de Infraestrutura Urbana e Obras], bem como pelo agravamento das situações de risco em encostas e margens de córregos, principalmente nas regiões periféricas”.
A legislação permite a dispensa de licitação somente em casos de emergência ou calamidade. Por outro lado, o processo de licitação pretende blindar o patrimônio público e fomentar igualdade na concorrência. O Tribunal de Contas, no entanto, chama as emergências de fabricadas.
Entre os exemplos de que se tratam de obras meramente paliativas, cita a de contenção em São Miguel Paulista, onde “a intervenção será executada somente em uma margem do córrego, porém a situação no lado oposto também é crítica”.
Esse tipo de problema é comum em locais visitados pela reportagem, onde os moradores não conseguem entender como situações muito parecidas são declaradas como emergências enquanto outras, ao lado, seguem ignoradas.
Em uma obra na Vila Nicolau, na divisa com Santo André, a recomposição de um muro de gabião (estrutura metálica com pedras usada na margem de córregos e rios) atendeu apenas um trecho e apenas uma margem do córrego do Oratório.
Outra parte logo à frente e próxima a uma ponte com maior circulação de veículos segue com o problema.
Trabalhador de um ferro-velho na via, Wesley Santos, 23, diz que as enchentes ocorrem quando árvores das margens caem no leito do córrego. Segundo ele, a rua também está afundando, levantando o temor de que a ponte do local caia como aconteceu há alguns anos.
Para o TCM, as obras em pequenos trechos e o fracionamento delas entre várias empresas por via emergencial, em vez de licitações de intervenções de grandes extensões, virou um “ciclo vicioso”.
“Mais obras emergenciais serão necessárias para o atendimento de situações idênticas ao longo do curso dágua, acarretando em perda do efeito escala nas contratações”, diz relatório do órgão.
A corte aponta superfaturamento nas obras em apenas 18 delas que foram vistoriadas o prejuízo seria de R$ 67 milhões. Reportagem do UOL cita ainda indícios de conluio entre as empresas contratadas para este tipo de obra.
PREFEITURA DIZ QUE REPAROS SERÃO FEITOS NAS OBRAS
A prefeitura afirmou que, no caso da obra no Jaçanã, a empresa responsável foi acionada para a correção das fissuras.
No caso do muro de contenção em São Miguel, a administração afirmou que ele “foi afetado pelas fortes chuvas e a própria empresa responsável fará os reparos necessários sem custo”.
A reportagem também questionou sobre o projeto relacionado ao córrego Oratório. Segundo a gestão, “não foi possível ainda realizar a contenção das margens por conta de tubulações da Transpetro” e que os “demais trechos estão finalizados”.
Anteriormente, sobre as intervenções em geral, a gestão Nunes afirmou que elas “são executadas somente no trecho onde há riscos”, atestado por laudos da Defesa Civil, vistorias de técnicos e parecer do procurador do município.
ARTUR RODRIGUES / Folhapress