Com riqueza de fósseis de dinossauros, Uberaba tem parque reconhecido pela Unesco

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – A diversidade de fósseis de dinossauros e outras feras do passado remoto em Uberaba, a pouco mais de 400 km de Belo Horizonte, acaba de ser reconhecida oficialmente pela Unesco (agência das Nações Unidas dedicada a temas educacionais, científicos e culturais) com a criação do Geoparque Terra de Gigantes no município mineiro.

O anúncio, feito em Paris nesta quarta-feira (27), confere à região uma importância estratégica nas áreas de pesquisa, divulgação científica e conservação do patrimônio natural e histórico, a exemplo de outros geoparques já oficializados no Brasil, como o Geoparque Araripe, na chapada de mesmo nome no Ceará.

Com a declaração oficial da Unesco, encerra-se, ao menos por enquanto, um trabalho de mais de uma década do geólogo Luiz Carlos Borges Ribeiro, natural da cidade. Ele chefia o Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price, ligado à UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro), e foi o principal responsável por formular a proposta do geoparque aprovada pela organização internacional.

Em conversa com a Folha, Ribeiro contou que o embrião da ideia foi bastante reformulado ainda em 2011, num encontro que teve com o geólogo francês Guy Martini durante um congresso no Chile. O pesquisador da França é um dos criadores do conceito de geoparque e avaliador da Unesco.

“Naquela época, pensei que fosse fácil formatar um projeto geoparque focado só nos dinossauros de Uberaba. Mas sentei para conversar com o Martini, que falava bem espanhol, e ele me disse: ‘Luiz, se você fizer um trabalho só com paleontologia, se eu for o avaliador, vou te dar cartão vermelho’”, recorda o brasileiro.

Martini destacou então que o conceito transcendia o patrimônio geológico e paleontológico, embora esses aspectos também fossem importantes. “O geoparque tem de ser um território único no planeta, com outras vocações que englobem uma visão multidisciplinar de sustentabilidade e de valorização da cultura e da história”, resume ele.

Estimulado também por Carlos Schobbenhaus e Andreá Trevisol, ambos especialistas do Serviço Geológico do Brasil que apostaram no potencial de Uberaba mais ou menos na mesma época, ele se pôs a gestar uma proposta em que Uberaba deixava de ser só “Terra dos Dinossauros” para se transformar em “Terra de Gigantes”.

Para ser exato, trata-se de uma tríade de gigantes que inclui a história do gado zebu na região –uma área-chave para a introdução dos bois de origem indiana no país desde o século 19, saga da qual os ancestrais de Ribeiro participaram– e o legado do espiritismo de Chico Xavier, que viveu décadas na cidade e nela morreu, aos 92 anos, em 2002.

“Levando em conta o artesanato, a gastronomia, a cultura material e imaterial da cidade, a gente tem um pacote característico que confere essa identidade única ao território”, explica o pesquisador.

Ao longo dos anos, aos poucos, a ideia foi ganhando o apoio da Prefeitura de Uberaba, da UFTM, da poderosa ABCZ (Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, a maior instituição do tipo no mundo e com forte presença no município) e de outras instituições.

Em novembro de 2022, Ribeiro e um grupo de colegas enfim submeteram um dossiê que formalizava a candidatura do “aspirante a geoparque”. A decisão dos avaliadores da Unesco, portanto, foi relativamente rápida, após duas visitas técnicas. Periodicamente, reavaliações serão feitas para verificar se o geoparque continua cumprindo os requisitos para sua inclusão na rede internacional.

A riqueza paleontológica de Uberaba vem de camadas de rocha do período Cretáceo, o último da Era dos Dinossauros. A base dessas camadas, a chamada formação Serra Geral, surgiu quando o oceano Atlântico surgia, durante a separação da América do Sul e de seu continente-irmão, a África. O processo gerou tremendas ondas de vulcanismo, de maneira a formar camadas de até 400 m de espessura de basalto (uma rocha vulcânica).

Por cima desse basalto aparecem outras camadas: a formação Uberaba, que corresponde basicamente à atual área urbana do município, e a formação Serra da Galga, na zona rural. As idades vão de 85 milhões de anos a 70 milhões de anos atrás, arredondando, e tudo indica que a região era um ambiente semiárido, com forte oscilação de chuvas e seca entre as estações do ano e a presença de rios.

Até agora, os paleontólogos já identificaram 15 espécies diferentes de vertebrados do Cretáceo na região, incluindo dinossauros carnívoros e herbívoros, crocodilomorfos (parentes extintos dos atuais jacarés), tartarugas, peixes e até um primo dos sapos e rãs modernos. Além disso, a área abriga o maior ninhal de dinossauros conhecido no Brasil, com alguns ovos em excelente estado de preservação.

A maior estrela do elenco, por enquanto, é o Uberabatitan ribeiroi, um saurópode (herbívoro pescoçudo e quadrúpede, de pescoço longo) do grupo dos titanossauros com tamanho estimado em 27 m, o que faz dele o maior animal brasileiro de todos os tempos. “Temos pelo menos mais dois esqueletos encontrados dentro da cidade que devem ser descritos como novas espécies, outro titanossauro e um abelissauro [carnívoro de grande porte] fantástico”, adianta o pesquisador.

Um dos objetivos na busca pela chancela da Unesco é fortalecer o papel de Uberaba como polo de turismo científico, histórico e cultural, melhorando a infraestrutura e as atrações para visitantes na zona rural e na cidade. Uma contrapartida importante do município, porém, é a garantia de que descobertas do futuro ficarão devidamente protegidas.

O primeiro passo para isso é uma portaria da prefeitura que coloca como condicionante para obras o salvamento paleontológico caso fósseis sejam encontrados. “A segunda etapa será o zoneamento paleontológico”, diz Ribeiro.

A ideia é mapear geologicamente todo o topo da formação Uberaba –que corresponde à mancha urbana– usando diferentes técnicas, criando um mapa detalhado dos locais onde as rochas fossilíferas afloram ou estão muito próximas da superfície.

“Esses pontos serão marcados com a cor vermelha: vai ser obrigatório contratar o salvamento paleontológico. Se a profundidade da formação for intermediária, marcamos como laranja, indicando a necessidade de mais análises. E, onde ela estiver mais profunda, o mapa fica verde”, explica o geólogo.

“A gente não quer parar obra nenhuma, mas quer que respeite o potencial fossilífero. Aliás, é totalmente factível fazer isso sem atrapalhar os empreendimentos e o andamento das obras. Já mostramos que é possível salvar quase todo o material sem afetar o cronograma.”

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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