Ucranianos renunciam a vidas comuns para treinamento de 5 semanas para a guerra;

LONDRES, INGLATERRA (FOLHAPRESS) – Hanna, 43, era uma professora de ensino infantil na Ucrânia quando sua vida foi diretamente impactada pela invasão do seu país pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022. Depois de se mudar de cidade repetidas vezes, todas ocupadas pelas forças russas, ela reuniu sua família e anunciou: estava decidida a virar combatente.

“Minha decisão foi um pouco inesperada para minha família porque eu estava pensando sozinha há algum tempo. No início eu hesitei, mas quando eu tomei a decisão, eu disse a eles. Ficaram um pouco chocados, mas eles entenderam que era a minha decisão e que eu precisava fazer isso”, diz Hanna.

Por questões de segurança, os entrevistados para esta reportagem forneceram apenas o primeiro nome.

Ela comunicou ao Exército ucraniano que gostaria de lutar e acabou recrutada no início deste ano. Juntou-se a outros 80 compatriotas sem experiência militar alguma e foi para um treinamento militar no Reino Unido de cinco semanas de duração.

A professora diz que fisicamente ainda não está pronta para se tornar uma sniper —essa será sua função na linha de frente do combate, apesar de nunca ter pegado em armas antes de 2023.

“Moral e emocionalmente, eu estou preparada. Fisicamente ainda não, mas estou treinando e me dedicando para ficar pronta o mais rápido possível”, conta.

Na primeira semana de março, Hanna pegou pela primeira vez em um fuzil semiautomático. O início da primavera ainda é muito frio, e os ventos cortam as mãos da professora. É difícil ajustar a mira nessas condições —na Ucrânia, apesar das baixas temperaturas, a ventania não é tão forte quanto no norte da Inglaterra, onde ocorrem os treinamentos.

“No começo foi um pouco assustador, mas depois me acostumei, e agora a arma é minha amiga”, afirma Hanna.

O treinamento militar que ela e outros quase mil ucranianos recebem neste momento é resultado de uma cooperação entre as Forças Armadas do Reino Unido e outros 12 países. O foco da Operação Interflex é treinar ucranianos sem nenhuma experiência militar que se dispuseram a lutar na guerra contra a Rússia.

São professores, universitários, gerentes de restaurante e profissionais de outras áreas de idades que variam de 18 a 50 anos. Desde o início da invasão russa, cerca de 36 mil civis foram ao Reino Unido para passar pelo treinamento.

A Folha esteve no campo militar que os britânicos prepararam no norte da Inglaterra para treinar os novos soldados. É um grande terreno separado em dois espaços: um para guerra urbana, com casas e apartamentos espalhados que simulam uma cidade invadida por inimigos; e outro para o conflito rural, em campo aberto e de relevo desnivelado.

O espaço passou por uma série de adaptações para a realidade ucraniana —trincheiras de mais de um metro de profundidade foram cavadas, e casas antigas na região foram esvaziadas para preparar os recrutas para guerras nos dois tipos de terreno.

“Temos apenas cinco semanas para tentar transmitir o máximo possível de informações. Nosso foco está muito em [treinos] com armas pequenas e fuzis, para garantir que eles estejam da melhor forma possível ao voltar para a Ucrânia”, relata o capitão britânico McNally, um dos responsáveis pelos treinamentos da Operação Interflex.

Um dos instrutores, o tenente Christian, norueguês, conta que a Guerra da Ucrânia tem passado por uma série de mudanças em comparação com conflitos antigos. O uso de drones ofensivos é uma das marcas dos russos, em complementação às táticas de infantaria tradicionais.

“Mas o conjunto de habilidades é praticamente o mesmo. Então, para este curso de infantaria básica, tratamos muito sobre táticas de salvamento e usamos conceitos já antigos da Otan. Porque, no nível básico, as habilidades para o infante são as mesmas de 20 anos atrás.”

Em outros conflitos, o tempo de preparação de recrutas sem experiência chegou a ser de três meses. Para desenvolver as habilidades da infantaria nos civis, os treinos são focados em situações reais de conflitos —luta em trincheiras, ocupação de casas e prédios, primeiros socorros e aulas de leis internacionais sobre guerras.

“O principal desafio que enfrentamos aqui é que não temos tempo suficiente para descansar ou nos recuperar. Este curso básico de infantaria deveria durar três meses, mas aqui não temos tempo para isso. Estamos fazendo este curso em cinco semanas, e quanto mais tempo passamos aqui, mais o nosso país precisa que entremos na linha de frente”, diz Dmitro, 31, um dos ucranianos que passam por testes para se tornar instrutor.

Ele trabalhava com segurança privada antes da guerra. Agora soldado, voltará à Ucrânia em duas semanas para repartir o tempo entre a linha de frente e o treinamento de novos recrutas.

Galina, 19, conta que se interessou por armas ainda criança, aos 9, quando a Rússia invadiu a Crimeia em 2014 —momento que os ucranianos dizem ser o início da guerra. Ela tinha o sonho de ser engenheira e trabalhava como assistente em um shopping na Ucrânia quando a invasão atual começou. Para ela, a vida em seu país se tornou extremamente estressante porque a guerra ocorre “todos os dias, há mortes todos os dias”.

O irmão de Galina estava na linha de frente com os demais ucranianos na resistência contra a ofensiva russa. Acabou atingido por estilhaços na cabeça e está em coma.

“Nessas primeiras três semanas eles nos passaram, em linhas gerais, todas as habilidades que nós devemos ter para ir à guerra. Eu entrei no Exército para proteger o meu país, para que meu país continue sendo o meu país”, afirma Galina.

Desde a escalada da guerra, houve grande fluxo migratório de ucranianos refugiados para países da Europa. A Organização das Nações Unidas calcula que cerca de 10 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar suas casas, sendo pouco menos de 4 milhões para deslocamentos internos.

No primeiro semestre de 2022, mais de 100 mil ucranianos foram para o Reino Unido. De lá, muitos acabaram se mudando para outras regiões no mundo. A embaixada da Ucrânia em Londres não divulgou o número aproximado de refugiados que seguem em terras britânicas.

O bispo Kenneth Nowakowski, responsável pela Catedral Católica Ucraniana de Londres, conta que esta é a terceira onda migratória de ucranianos nas últimas décadas.

A primeira, após a Segunda Guerra Mundial, levou cerca de 30 mil ucranianos para o Reino Unido. O número mais que dobrou em 1991, após o colapso da União Soviética.

“Antes da invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia em 2022, tínhamos por volta de 2.500 a 2.600 pessoas frequentando regularmente os cultos aos domingos. Eu diria que desde a invasão, o número médio de pessoas que frequentam nossos cultos é acima de 3.000 pessoas”, diz Nowakowski.

O repórter viajou a convite do governo do Reino Unido.

CÉZAR FEITOSA / Folhapress

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