Traidor de Jesus, Judas permanece um mistério

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Embora seja um personagem essencial para a história de Jesus, Judas Iscariotes, o apóstolo traidor, continua sendo um grande mistério. Os únicos dados mais ou menos seguros a respeito dele, do ponto de vista histórico, é que ele era um dos principais seguidores de Cristo e ajudou as autoridades de Jerusalém a prendê-lo. Todo o resto –inclusive o “sobrenome” ou alcunha de Iscariotes– é objeto de debates intermináveis.

A existência histórica de Judas, sua proximidade com Jesus e a traição que cometeu são elementos vistos como historicamente plausíveis porque se encaixam bem num dos principais critérios usados por especialistas para analisar os textos sobre Jesus. Trata-se do chamado critério do constrangimento, segundo o qual os autores dos Evangelhos bíblicos não se dariam ao trabalho de inventar uma informação que poderia ser causa de embaraço para a fé em Jesus.

No caso de Judas, alguém mais cético poderia questionar o porquê de Jesus tê-lo escolhido como membro do grupo dos doze apóstolos, considerando que, mais tarde, ele acabou por trair seu mestre –o que lançaria dúvidas sobre a sabedoria de Jesus. “Não parece legítimo duvidar da intervenção de Judas. Na comunidade cristã não se teria inventado semelhante traição protagonizada por um dos Doze”, escreve o padre e biblista espanhol José Antonio Pagola no livro “Jesus: Aproximação Histórica”.

Todos os Evangelhos chamam o discípulo de Judas Iscariotes, com exceção do Evangelho de João, que atribui o segundo nome ao pai dele, designando-o, portanto, como “Judas, filho de Simão Iscariotes”. As possíveis interpretações da palavra são inúmeras: há quem a associe a termos em aramaico que significam “mentir” ou “trair” (o que, é claro, parece suspeitamente profético), a um suposto cabelo ruivo do apóstolo ou a um ofício que envolvia mexer com tintas ou frutas.

A hipótese mais popular, porém, diz que Iscariotes seria uma corruptela da expressão hebraica “ish qeriyyot”, ou “homem de Cariot”, que seria uma cidade da Judeia. “Isso faria de Judas o único membro dos Doze claramente oriundo da Judeia, e não da Galileia –portanto, um ‘estranho’ no círculo”, escreve o historiador americano John P. Meier (1942-2022) no volume três de “Um Judeu Marginal”, sua série de livros sobre o Jesus histórico. O problema é que ninguém tem certeza se Cariot existiu mesmo, ou se ainda existia no século 1º d.C.

Meier também destaca as diferenças entre os evangelistas na hora de descrever as motivações para a traição praticada por Judas. O mais antigo desses textos no Novo Testamento bíblico, o Evangelho de Marcos, de início não menciona uma razão para o ato, e só fala do pagamento que seria dado pelas autoridades judaicas a Iscariotes depois que ele se oferece para denunciar Jesus.

Já o Evangelho de Mateus mostra Judas sendo ganancioso e perguntando aos chefes dos sacerdotes de Jerusalém: “O que me dareis se eu o entregar?”. É aí que surgem as célebres “30 moedas de prata”, normalmente associadas ao preço de um escravo no antigo Israel.

Por fim, os Evangelhos de Lucas e João também falam da avidez do traidor por dinheiro –em João, afirma-se que Judas era o tesoureiro dos apóstolos e desviava fundos da comunidade para o seu bolso–, mas afirmam ainda que Iscariotes agiu por influência demoníaca. “Depois do pão [consumido na Santa Ceia, a última refeição de Jesus], entrou nele Satanás”, diz o texto de João, por exemplo.

Seja como for, ao que parece a traição de Judas consistiu em indicar aos perseguidores de Jesus onde o Nazareno e seus discípulos estavam passando a noite, permitindo que ele fosse capturado. Segundo a tradição, ele teria beijado seu mestre para mostrar aos soldados quem eles deveriam prender.

Os textos bíblicos também divergem sobre a morte infame de Judas. No Evangelho de Mateus, o ex-apóstolo se arrepende, devolve as moedas de prata e se enforca. Já nos Atos dos Apóstolos, livro bíblico escrito pelo mesmo autor do Evangelho de Lucas, afirma-se que o traidor, depois de comprar um terreno com o dinheiro “manchado de sangue”, teria sofrido uma queda e rasgado o corpo ao meio, “derramando-se todas as suas entranhas”. Por isso o local da morte teria ficado conhecido como Hacéldama, ou “Campo de Sangue”.

Cerca de um século após a escrita dos primeiros Evangelhos, por volta de 170 d.C., cristãos gnósticos –que acreditavam que o Deus do Antigo Testamento era mau– escreveram o chamado Evangelho de Judas. Cheio de ensinamentos místicos e com uma teologia complexa, o texto é de difícil interpretação. Mas uma das visões sobre ele é que ele exaltaria Iscariotes como o mais importante dos apóstolos. “Superarás todos eles, porque sacrificarás o homem que me veste”, diz Jesus a Judas na obra. O consenso entre os estudiosos, porém, é que esse evangelho apócrifo (não oficial) não traz nenhuma informação historicamente confiável sobre a relação entre Cristo e Judas.

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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