PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Na última semana, quando dezenas de CEOs das maiores empresas ocidentais estavam presentes na China para fóruns econômicos, o dirigente Xi Jinping e seu chanceler, Wang Yi, deram mais atenção a um acadêmico americano: Graham Allison, 84.
O cientista político de Harvard passou uma hora em conversa reservada com Wang e foi colocado em destaque no encontro de Xi com os executivos, na quarta-feira (28) –foi para ele que o líder chinês dirigiu parte do que falava, sorridente.
No relato da agência estatal Xinhua, uma das questões discutidas foi que a “armadilha de Tucídides não é inevitável”. Allison cunhou a expressão num artigo publicado no Financial Times em 2012 e a popularizou em seu livro “A Caminho da Guerra”, de 2017.
Para ele, quando uma potência em ascensão ameaça uma potência hegemônica, na maioria das vezes o resultado é a guerra. A ideia foi inspirada em uma análise do general e historiador grego Tucídides sobre a Guerra de Troia: “Foi a ascensão de Atenas e o medo que isso inspirou em Esparta que tornaram a guerra inevitável”. No livro, Allison revisa paralelos históricos para abordar se um conflito entre China e Estados Unidos também é inevitável.
O que explica em parte a atenção dos líderes chineses a Allison é o lançamento, realizado na última sexta-feira (22), no think tank Centro para China e Globalização (CGC), de seu novo livro “Escaping Thucydides’ Trap” (escapando da armadilha de Tucídides, ainda sem previsão de publicação no Brasil).
Falando longamente no lançamento, no centro da capital, ele recorreu a palavras do próprio Xi. Citou um encontro do líder com o senador americano Chuck Schumer, em outubro. Na ocasião, o chinês havia dito que “a armadilha de Tucídides não é inevitável”, e que “a Terra é grande o bastante para acomodar a prosperidade tanto da China quanto dos Estados Unidos”, se os dois países forem “responsáveis diante da história”.
Na conversa com Schumer, ressaltou Allison, Xi “adicionou uma nova ideia, uma frase que eu nunca tinha visto ou ouvido: ‘Eu estou em vocês, e vocês estão em mim'”. “Sério, o que isso significa?”, o acadêmico tinha se questionado.
Xi respondeu a Allison no encontro de quarta: “O que eu quis dizer com ‘eu estou em você, e vocês estão em mim’ quanto à China e os EUA? [Que] é tudo uma questão de comunicação! Por meio de intercâmbio, cooperação e, eventualmente, integração. O mesmo se aplica a pensamentos. Divergências sempre existirão. O objetivo é buscar unidade na diversidade e tolerar diferenças menores”.
Para que essa integração aconteça, prosseguiu o líder, “pessoas de todas as áreas da vida de ambos os países devem se envolver em mais intercâmbio, comunicação e cooperação, para construir consenso”.
Allison replicou, segundo relato da rede CCTV, ter sido “sempre um leitor sério [de Xi Jinping], estudando seus pensamentos, discursos e entrevistas coletivas”.
A liderança chinesa busca em Allison, que foi subsecretário da Defesa no governo Bill Clinton, parte da interlocução e do apoio que tinha no ex-secretário de Estado Henry Kissinger, morto em novembro –quatro meses após ser recebido por Xi como um “velho amigo do povo chinês”. A aproximação dos dois países, a partir dos anos 1970, é creditada ao diplomata americano.
Allison foi aluno, amigo e por fim, nos últimos anos, o principal colaborador de Kissinger. Escreveram para a Foreign Affairs, em outubro, o ensaio “O Caminho para o Controle de Armas de Inteligência Artificial (IA)”, com o subtítulo “EUA e China precisam trabalhar juntos para evitar a catástrofe”. Os líderes das “duas superpotências de IA” deveriam abrir negociações para criar uma agência internacional, na visão dos dois especialistas.
A extensa conversa de Allison com Wang Yi, que acumula as funções de chanceler e diretor da comissão do Partido Comunista Chinês que formula a política externa, parece ter sido mais específica, prática. Segundo o acadêmico, foi “privada, franca e ‘off-the-record’ [confidencial], sobre os caminhos que a China está seriamente buscando para escapar da armadilha de Tucídides”.
Nas intervenções públicas desta semana, Allison foi mais genérico, dizendo estar “encontrando muitos insights e pistas na filosofia chinesa, que tem historicamente a capacidade de abraçar contradições e complexidades”.
Segundo o americano, essas características oferecem “o guia conceitual para uma relação que está fadada a ser a rivalidade mais feroz de todos os tempos e, simultaneamente, uma parceria densa, em que a sobrevivência dos rivais exige cooperação”.
Um desses “insights” foi tirado de Sun Tzu, famoso autor de “A Arte da Guerra”, sobre Wu e Yue, dois inimigos mortais que estão num navio a caminho da prisão. O navio afunda e eles acabam dividindo um bote largo, em que são obrigados a coordenar remadas, um de cada lado, para chegar à praia. “Para sobreviver, eles têm que cooperar”, disse Allison no CCG.
Dias depois, na quinta-feira (28), a história era ecoada pelo ex-secretário do Tesouro americano Lawrence Summers, que foi colega de Allison no governo Clinton, durante um fórum em Hong Kong. EUA e China, disse Summers, são como “dois caras que não gostam um do outro, não se conhecem bem, e se veem num mar turbulento num bote que requer dois remos”.
NELSON DE SÁ / Folhapress