Cacau vive ‘renascer’ na volta às origens em Rondônia

JARU, RO (FOLHAPRESS) – O cacau, fruto do chocolate, fez fortunas, literatura e novela a partir da Bahia, mas vive uma espécie de renascer em Rondônia. Muita gente chama a região de nova fronteira para esse cultivo, mas, na verdade, se trata de uma volta às origens. O cacau é natural da região amazônica.

Em outubro do ano passado, o governo federal até instituiu a Rota do Cacau em Rondônia, incluindo 43 municípios. Jaru, Ariquemes e Ouro Preto do Oeste são algumas das localidades que se destacam.

No quesito volume, o estado é quase nada. Quarto no ranking nacional, atrás de, respectivamente, Bahia, Pará e Espírito Santo, Rondônia responde por algo entre 1% a 2% da produção. Os levantamentos da colheita local ainda são imprecisos. No que se refere à qualidade, no entanto, está difícil superar o produto da região.

Há dois anos consecutivos é o cacau de Rondônia que sai com o título de melhor do país na mais conceituada disputa do setor, o Concurso Nacional de Qualidade do Cacau Especial do Brasil. Na prática, significa que o fruto se habilitou como o melhor para entrar na composição de chocolates finos.

Existem três variedades de cacau, criolo, forasteiro e trinitário. No entanto, há inúmeros cultivares clonados, normalmente nomeados por letras e números. A vitória dupla no concurso nacional atiçou inveja e celeuma pelo fato de o vencedor ser o tipo improvável para tamanha honraria, o clone CCN 51.

Numa analogia, ele seria o fusquinha dos cacaus. Apesar de ser mais produtivo e resistente a pragas, não costuma ter leveza e doçura adequadas para a produção de um chocolate fino.

Na propriedade de Deoclides Pires da Silva, a Chácara Tiengo, em Jaru, no entanto, ele virou, em 2022 e 2023, a Ferrari dos frutos. “Até espalharam o boato de que eu havia manipulado os resultados. Veja a que ponto chegaram”, diz Silva com desgosto.

A relação de Silva com o cacau é o retrato da atividade na região. Sua área é diminuta. Na Bahia, por exemplo, as propriedades com cacau têm atualmente cerca de 50 hectares, o que já não é muito para os padrões do agronegócio brasileiro. No Pará, 30. Silva tem uma terra com 15 hectares e planta 2,6 hectares de cacau.

“Quando me perguntam quantos funcionários tenho para cuidar da plantação, digo que sou eu e Deus, mas a família ajuda”, diz.

Quem o atiçou para participar dos concursos foi o genro, Marcelo Medeiros. De posse do cacau premiado, se mobilizaram para vender também chocolate. A filha, Cristiane Tiengo Medeiros, fez cursos em diferentes partes do país. Esteve até em Gramado, no Rio Grande do Sul. Com a parceria da mãe, Marilda Tiengo Silva, passou a vender nibs, bombons, barras e licores. Nesta Páscoa, arriscaram a produção de ovos.

Em Rondônia também se encontram áreas com alta produtividade. A média local está na casa de 800 quilos por hectare. Para se ter uma ideia, a média nacional fica um pouco abaixo de 400, e a média global não chega a 500.

O produtor Claudio Conceição Coimbra é um exemplo acima dessas médias. Sua cultura na fazenda Vale do Rio Escondido é uma espécie de laboratório. Cultiva 28 tipos diferentes de cacau e, segundo ele, colhe cerca de 4.400 quilos por hectare.

Ele foi um dos primeiros a organizar a compra do cacau local. Também visitou produtores em vários estados para incentivar o plantio. “Explico que desmatamento, garimpo e outras atividades que deixam estragos dão ganhos passageiros, mas o cacau fica”, afirma.

Com o fortalecimento do movimento ambientalista, ele acredita que a certificação do cacau local com uma espécie de selo verde pode reposicionar o estado. Segundo ele, desde que o preço começou a subir, ficou mais fácil sensibilizar os produtores.

A cotação do cacau na Bolsa de commodities de Nova York passou um bom tempo estável, com a tonelada avaliada na faixa de US$ 2.500. Colheitas ruins afetadas por secas e doenças, associadas à queda dos estoques, engrenaram a alta.

A cotação começou a subir no início de 2023 e terminou o ano em quase US$ 4.800. Em fevereiro deste ano, a tonelada valia US$ 6.500. Em 15 de março, quando a reportagem visitava Rondônia, já havia superado US$ 7.000. Ao longo da última semana, ultrapassou o valor do cobre. Em alguns pregões, contratos foram fechados por US$ 10 mil. Na véspera do feriado de Páscoa, a tonelada estava cotada a US$ 9.741.

Os técnicos da cultura ainda não têm respostas para os resultados diferenciados da produção em Rondônia.

“Alguns especialistas dizem que os produtores fizeram o dever de casa e avançaram, outros que têm relação com o solo. Estão organizando a ida de técnicos para avaliar melhor. Mas é fato que, apesar de produzir menos, Rondônia impressiona pelos resultados”, diz Anna Paula Losi, diretora-executiva da AIPC (Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau).

O estado chamou a atenção até da Nestlé. A multinacional de alimentos, com sede na Suíça, tem um programa global de acompanhamento de produtores, o Cocoa Plan. Já atuava em estados com forte produção, como Bahia, Espírito Santo e Pará e incluiu Rondônia no final de 2023. Tem 6.500 fazendas cadastradas.

Segundo a diretora de Marketing de Chocolates da Nestlé Brasil, Mariana Marcussi, o programa busca orientar o produtor para práticas sociais e ambientais sustentáveis, o que inclui combate a desmatamento, trabalho infantil e escravo e uso de agrotóxicos banidos.

“Nosso desafio é ter cacau 100% sustentável até 2025”, afirma.

Quem atua em campo acredita que Rondônia tem importante contribuição. “Se a gente conseguir replicar os resultados alcançados pelos produtores que estamos conhecendo aqui em Rondônia, todo mundo sai ganhando”, diz o gerente da Nestlé para Agricultura do Cacau, Igor Mota.

Ele lembra que solo, altitude e idade da planta são variáveis que influenciam no resultados da cultura, mas já identificou que o trabalho de campo pode ser um componente importante nos bons resultados no estado. O manejo local inclui o uso adequado de material orgânico, como compostagem com a casca do cacau e outros ingredientes naturais.

“As propriedades em Rondônia têm em média quatro hectares. Os produtores cuidam delas com a ponta do dedo. Conhecem cada árvore”, afirma.

O clima também parece pesar a favor, inibindo a vassoura-de-bruxa. Por se tratar de um fungo, sofre resistência nos períodos secos que se alternam com as chuvas no clima equatorial quente de Rondônia. A praga chegou a desaparecer em boa parte das propriedades.

Na Bahia, ocorreu o contrário.

As primeiras sementes de cacau chegaram lá em por volta de 1750, e a planta se adaptou ao clima de mata atlântica. Também contou a favor da região a estrutura logística, com estradas e portos. De lá foi mais fácil embarcar o produto para o exterior.

A partir da Bahia, o Brasil foi destaque na produção e exportação do cacau até a década de 1980, quando figurou como segundo no ranking internacional, com uma produção de pouco mais de 400 toneladas por ano. Veio a vassoura-debruxa e a cultura degringolou.

A alta umidade praticamente o ano inteiro dá abrigo ao fungo, que persiste na região. O plantio da fruta foi se espalhando por outros estados, mas eles ainda não conseguem suplantar o volume e estrutura alcançados na Bahia. Todo cacau produzido no país viaja para lá, onde se concentram as moageiras.

Atualmente, o Brasil produz 220 toneladas por ano, praticamente metade do que alcançou no ápice.

“A vassoura-de-bruxa impõe perdas, sem dúvidas, mas o produtor aprendeu a conviver com ela. A Bahia ainda é o maior produtora, e todo o cacau brasileiro processado aqui”, afirma Guilherme de Castro Moura, produtor da fruta e presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Cacau.

“Mas a Bahia não tem o monopólio do cacau. O fruto, genuinamente brasileiro, é originário da bacia amazônica. Quanto mais estados produzirem, melhor. Fortalece o Brasil como grande produtor.”

A partir do Amazonas, fruta foi de bebida amarga à doce barra de chocolate

Estudos mais recentes atestaram que a árvore do cacau é natural da região amazônica na América do Sul, não da América Central, como se registrava anteriormente. Pesquisas arqueológicas indicaram que o fruto já era manipulado pelos mayo-chinchipe-marañón , grupo que habitou áreas do Equador ao Peru há 5.300 anos.

Nos milênios seguintes, há registros de que olmecas, astecas e maias cultivaram a planta e a utilizaram como bebida sagrada. Tomavam in natura, sem leite ou açúcar.

Durante a conquista das Américas, os colonizadores provaram e não gostaram do sabor amargo, mas perceberam o potencial da planta. Há registros de que os locais trocavam sementes como se fossem moedas.

Mudas foram levadas para África e Ásia, abrindo caminho para a supremacia que hoje se vê na produção de cacau na Costa do Marfim, maior produtor mundial.

Foram séculos de experiências culinárias até que o inglês Joseph Fry conseguisse, em 1849, fazer a primeira barra de chocolate. O sabor, no entanto, só ficou mais próximo do irresistível que conhecemos hoje quando o chocolateiro suíço Daniel Peter misturou os produtos das amêndoas do cacau com leite condensado e lançou, em 1875, o chocolate ao leite. Entre seus fornecedores na fase de testes estava o químico Henri Nestlé.

Em 1879, foi a vez de Rudolph Lindt fazer história. Criou, até hoje não se sabe ao certo se de caso pensado ou se por acidente, um processamento da massa do chocolate chamado conchagem, que deixou o produto com textura mais leve e aveludada.

Os jornalistas viajaram a convite da Nestlé.

ALEXA SALOMÃO E ZANONE FRAISSAT / Folhapress

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