SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após 30 anos de tentativas frustradas, a Argentina parece estar próxima de adquirir um novo avião de combate. Novo, em termos: o país assinou um memorando para a compra de 24 caças americanos F-16 usados da Dinamarca.
Se concretizada, contudo, a compra de US$ 664 milhões (R$ 3,3 bilhões hoje) será um salto na qualidade da defesa do vizinho brasileiro e tem implicações estratégicas regionais.
Buenos Aires não conta com aviões de caça desde que aposentou o último Mirage francês que operava, em 2015. Hoje, sua frota com uma capacidade mínima de combate ar-ar se resume a 12 aviões de ataque americanos A-4 Fightinghawks, dos quais talvez apenas 5 estejam operacionais.
Esses foram os últimos aviões novos incorporados pela Força Aérea Argentina, comprados em 1994 e entregues até o ano 2000. Há também 11 modelos de primeira geração do Tucano da Embraer, em uso limitado também.
Basta acompanhar a história política e econômica argentina nas últimas décadas para compreender as razões da falta de modernização. Em 2023, o orçamento de defesa de Buenos Aires era equivalente a cerca de 1/10 do brasileiro, respondendo por 5,4% do total da América Latina e do Caribe, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres). O Brasil lidera com 44,4% da fatia regional.
Como Milei justificará tal aquisição politicamente, em meio ao arrocho duríssimo que aplicou ao país cortando programas sociais, aposentadorias e salários de servidores, é outra questão a ser vista.
Mas não é só isso. Em 1982, a ditadura agônica de Buenos Aires invadiu as britânicas ilhas Falkland, chamadas por aqui de Malvinas. Após Londres derrotar e expulsar os argentinos, que de quebra viram os militares deixarem o poder, o Reino Unido determinou um embargo militar aos rivais que vale até hoje.
Isso travou uma série de tentativas de compras por parte da Argentina, a mais recente em 2020, quando o país quase fechou negócio para adquirir os populares caças leves FA-50 da Coreia do Sul. Mas o aparelho vem com cinco componentes britânicos, um deles o central assento ejetor da mais popular fabricante do produto no mundo, a Martin-Baker.
Ideias alternativas surgiram, a mais palpável na forma da venda pela China de caças JF-17, um lote de 20 aviões que seria produzido no Paquistão, que já opera o modelo. Negócio exótico para os padrões sul-americanos, ele acabou derrubado no ano passado devido às dificuldades orçamentárias e o mau humor dos EUA.
O Comando Sul dos EUA já havia expressado preocupação no ano passado com a base Espacio Lejano, uma estação de rádio que a China opera na Patagônia argentina desde 2014, em um acordo secreto com o governo esquerdista da então presidente Cristina Kirchner.
Na região, a Venezuela, pária na visão de Washington, é a principal cliente de material bélico chinês e russo. Os americanos deixaram claro que caças seriam um passo além, mas o que matou o negócio foi a quebra do país.
Os indianos até tentaram oferecer um assento ejetor russo K-36 no lugar dos Martin-Baker usados pelo seu caça leve Tejas, que até o fim de 2023 parecia estar no páreo na Argentina, mas nada avançou.
A eleição de Javier Milei, um ultraliberal adorado pelos EUA, em oposição ao antiamericano antecessor Alberto Fernandéz, garantiu a mudança de jogo em favor do F-16. O Departamento de Estado americano celebrou o acordo com a Dinamarca, deixando claro que daria todas as permissões de reexportação do seu produto.
Já em outubro passado, um mês antes da vitória de Milei, foi dada uma permissão inicial para a transferência. Em nota, o governo dos EUA disse que “isso reafirma nossos laços próximos de defesa e apoio firme aos esforços argentinos de modernização”.
Os F-16 dinamarqueses são antigos, fazendo parte de um lote de 77 entregues de 1980 a 1997. Mas são melhores do que nada, evidentemente: 19 deles estão sendo preparados para serem doados à Ucrânia, em sua guerra contra a invasão russa.
Copenhague está se desfazendo de sua frota de 44 aviões, 34 deles monopostos e 10, de dois lugares, ideais para treinamento, para incorporar 27 novos F-35. Esses F-16 são aparelhos com graus variáveis de modernização, sendo difícil definir o que os argentinos levarão se a compra for efetivada.
Regionalmente, a Venezuela ainda opera 18 desses modelos iniciais do caça americano (F-16A/B), enquanto o Chile tem uma frota de 34 aviões mais antigos (A/B) e 10 mais recentes (C/D). O caça é o mais popular do mundo, tendo completado 50 anos de seu primeiro voo em janeiro.
Em relação ao Reino Unido, a compra da Dinamarca não deve apresentar problemas. Aquelas aeronaves mais antigas utilizam um assento ejetor americano, o Aces-2, enquanto só versões mais novas usam o britânico.
Politicamente, é de se presumir que os EUA combinaram o jogo com Londres que, de todo modo, não deve se sentir muito ameaçada. Nas Falklands, os britânicos mantém ao menos quatro caças Eurofighter Typhoon, bastante mais avançados do que os F-16 dinamarqueses.
Os aviões de combate mais modernos do continente são os Saab Gripen suecos comprados pelo Brasil, dos quais 6 de 36 de uma primeira leva estão em ação. Os russos Sukhoi-30 da Venezuela são os mais poderosos no papel, mas têm aviônica envelhecida e sua capacidade operacional é duvidosa.
IGOR GIELOW / Folhapress