RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Jovens da geração Z, nascidos entre 1995 e 2010, podem levar ao setor público um olhar mais apurado para pautas como tecnologia, comunicação e políticas públicas para diversidade, segundo especialistas. Mas, embora representem quase um quarto da população do país, ainda são minoria entre os servidores.
No Executivo federal, apenas 6,7% do quadro têm menos de 30 anos. Na prefeitura de São Paulo, o número é ainda mais baixo, só 3% dos profissionais da administração direta têm entre 18 e 30 anos.
A baixa presença da geração Z no setor público se estende para outras partes do mundo. Nos Estados Unidos, somente 1,6% dos servidores do nível federal está nessa faixa etária, segundo relatório publicado em 2022 pela ONG americana Partnership for Public Service com base em dados públicos do governo.
Esta é a primeira reportagem da série Servidores da Geração Z, uma parceria com o Instituto República.org, que discute a presença, atração e retenção de jovens profissionais no setor público.
As informações do Executivo federal são do painel estatístico de pessoal do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) e as da capital paulista são do boletim de recursos humanos da prefeitura, ambos referentes a fevereiro deste ano.
Os dados revelam um ritmo lento de ingresso de novos servidores, que pode elevar as chances de conflitos geracionais nos órgãos públicos, além de atrasar a renovação do quadro profissional.
“O problema é ter um serviço público calcado somente em uma geração, independentemente de qual for”, afirma Fernando Coelho, professor de administração pública da USP e integrante do Movimento Pessoas à Frente.
“Se só há pessoas mais velhas, elas já têm algum tipo de vício e, por conta do modelo burocrático, podem não gerar abertura para processos de inovação.”
Na prefeitura de São Paulo, a média de idade é de 48 anos. No Executivo federal, o mesmo índice seguia estável, em 49 anos, desde 2014, mas começou a subir a partir de 2021. Hoje, está em 51 anos.
Fatores como redução da abertura de concursos e maior dificuldade dos jovens para serem aprovados nos certames, por falta de mestrado ou doutorado, barram a entrada de novos profissionais no setor, de acordo com Fernando Coelho.
Além disso, a força de trabalho de linha de frente, como médicos e policiais, tende a ser mais jovializada do que as burocracias mais “tradicionais”, como da administração direta.
No setor público federal, pessoas acima dos 60 anos são mais que o dobro de jovens: 90.574 contra 38.457. A maior parcela, ou 40%, dos servidores com menos de 30 anos atua como residente no setor de saúde ou no programa Mais Médicos.
A chance de haver conflitos geracionais aumenta nesse contexto, em que há uma lacuna de idade maior entre funcionários novos e antigos, capaz de evidenciar a diferença de comportamento entre grupos etários distintos.
A geração Z tem relações sociais atreladas à internet e às tecnologias. Por isso, quando chegam a um ambiente profissional, podem ter maior dificuldade para se adaptar, segundo Leonardo Trevisan, professor de economia da ESPM.
Trevisan afirma que, por isso, jovens tendem a não seguir regras tradicionais de como se vestir e se portar com figuras de autoridade, por exemplo. “É possível que o choque provoque problemas na entrega de trabalho no setor público, onde esses códigos de conduta são ainda mais rígidos.”
Além disso, jovens também estão sujeitos a sofrer com estereótipos e preconceitos, assim como ocorre com os mais velhos. A geração Z é associada à falta de compromisso com o trabalho, e, por vezes, taxada como mimada e exigente.
No entanto, especialistas afirmam que a chegada inevitável dos nascidos entre 1995 e 2010 ao ambiente de trabalho pode modernizar alguns aspectos do setor público.
“O ideal é existir uma composição intergeracional, até para ter o aproveitamento das vantagens de cada geração”, diz Fernando Coelho, da USP.
No Piauí, por exemplo, 400 alunos jovens de escolas públicas foram contratados para auxiliar servidores mais velhos com tecnologia.
Essa integração também ocorre na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Na equipe responsável pelas redes sociais da pasta, 6 dos 10 funcionários têm até 30 anos, mas a faixa etária varia entre 24 e 44 anos.
As publicações da secretaria viralizam por fazerem referência a cultura pop e surfar na onda de tendências populares nas redes.
Isso começou na época da pandemia, com a publicação dos calendários de vacinação da Covid. Para faixas etárias mais jovens, a equipe passou a referenciar conteúdo de diferentes gerações para aumentar o engajamento.
“Fizemos uma postagem: se você sabe o que é mIRC [rede social popular no fim dos anos 1990], chegou a hora de se vacinar”, conta Clarissa Mello, 38, gerente de conteúdo da secretaria.
“Fugiu da curva do institucional e sentimos que tinha espaço, porque quanto mais a gente engajasse, melhor, para que o maior número de pessoas se vacinasse.”
Esse tipo de abordagem virou marca nas redes da pasta. Com as publicações, a secretaria foi de 20 mil em 2021 para 362 mil seguidores no Instagram. No TikTok, os vídeos acumulam 221 mil curtidas.
O grupo diz apreciar o ambiente de trabalho na pasta devido à autonomia para propor e publicar conteúdo, sem precisar passar por muitas etapas de aprovação que atrasariam o processo. Esse tipo de dinâmica é valorizada por profissionais da geração Z, segundo especialistas.
“Acho difícil imaginar que conseguiríamos levar tantas pessoas para se vacinar e fazer pautas de saúde serem discutidas se a gente não pudesse brincar também. Essa liberdade é essencial para o dia a dia de trabalho, mas também para o resultado que vemos nas redes”, afirma Patricia Avolio, 30, supervisora de conteúdo.
Especialistas afirmam que a diversidade é outro tema valorizado para os mais jovens. Por isso, ao alcançar o setor público, a geração Z pode demandar maior presença de grupos sub-representados, sobretudo em cargos de chefia.
Essa faixa etária também pode desenvolver mais políticas públicas para a inclusão do que as gerações passadas, de acordo com Leonardo Trevisan, da ESPM. O tema é caro aos jovens por terem nascido em um contexto em que a diversidade é mais discutida e ampliada.
“Se queremos um Brasil atendendo mais aqueles que precisam, ter a geração Z chegando ao setor público talvez facilite uma aceitação de graus de diversidade maiores.”
Procurado, o MGI não respondeu ao questionamento sobre a falta de jovens no quadro de funcionários. A prefeitura de São Paulo disse, em nota, que a idade não é critério de seleção e a atração de jovens depende do perfil do cargo. Segundo a gestão, o programa de estágio da prefeitura é o maior do país na área pública e atrai jovens estudantes.
LUANY GALDEANO / Folhapress