SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Navegar à frente de um gigante de 75 metros entre enormes icebergs, ver pinguins passeando entre geleiras e assistir a um pôr do sol “espetacular” todos os dias é a rotina da servidora Sabrina Fernandes, 34, capitão-tenente da Marinha. Ela é a primeira mulher brasileira a conduzir uma embarcação na Antártida e desde outubro do ano passado está a bordo do navio de apoio oceanográfico Ary Rongel.
“Foi uma conquista incrível, motivo de orgulho. A experiência a bordo nesses cinco meses é nova, desafiadora e enriquecedora. Manobramos o navio em condições muito adversas. Navegamos entre icebergs pelos restritos canais austrais e pelo temido Estreito de Drake.”
Além das atribuições relacionadas à intendência, como finanças, abastecimento e alimentação da tripulação, Sabrina está a frente da manobra do navio e participa de atividades operativas. No seu turno, a oficial coordena uma equipe de 14 militares, entre paioleiros, cozinheiros e barbeiro.
A missão atual do Ary Rongel e sua tripulação de 80 componentes na Operantar (Operação Antártica) é prestar apoio logístico à Estação Antártica Comandante Ferraz, do Brasil, na Ilha do Rei George, a 130 km da Península Antártica.
“É uma das mais complexas e extensas operações realizadas pela Marinha anualmente. Envolve um planejamento minucioso para garantir a presença do Brasil no continente gelado por meio do Proantar [Programa Antártico Brasileiro].”
A militar –que concedeu entrevista por email devido à dificuldade de comunicação no navio, atracado em Ushuaia, na Argentina–, afirma que, após um período de qualificação, estava apta a cumprir a missão. “O desafio não é pequeno, mas muito recompensador.”
A seleção para servir nesse navio era o maior desafio apresentado em sua carreira até então e a tirou de sua zona de conforto. “Essa sensação aumentava quando eu lembrava que essa embarcação participa de missões longas, num lugar tão distante e em condições tão extremas como é o continente antártico.”
Antes de embarcar, Sabrina passou por treinamentos em simuladores da Marinha. Já a bordo, teve adestramentos com os oficiais qualificados para a manobra do navio. A militar adaptou sua vida a bordo e agora, no tempo livre, mantém sua rotina pessoal de atividades físicas e leitura.
A viagem da ida para a missão dura de três a quatro dias a partir de Punta Arenas, no Chile. A volta está prevista para 9 de abril. Sabrina diz que conhecer a Antártida, que chama de continente gelado, foi uma experiência “inenarrável”.
Apesar da conquista, a militar reconhece que os brasileiros vivem em uma sociedade que ainda caminha em direção à igualdade de gêneros. “Temos muitas limitações e muito a avançar.”
Nos anos 1980, a participação feminina na Marinha era restrita a atividades técnicas e administrativas. A instituição reconhece que as mulheres tinham pouco espaço e estavam na retaguarda da defesa nacional até pouco tempo atrás.
A instituição recebeu no ano passado as primeiras alunas do Colégio Naval, de ensino médio, e formou suas primeiras marinheiras de carreira.
Em 2022, a Escola Naval graduava as primeiras oficiais dos corpos da armada e de fuzileiros navais. Alunas dessa turma, segundo a Marinha, estarão no comando de navios e tropas anfíbias (que se deslocam por mar e por terra) a partir de junho. Essa era uma carreira da Força que ainda não contava com a presença do sexo feminino em suas fileiras.
A Marinha afirma também que pretende elevar o número de mulheres em seu quadro dos atuais 11,7% para 27% até 2030. Para Sabrina, no entanto, o reconhecimento das militares na Marinha do Brasil não é pequeno.
“A igualdade de gênero é um caminho sem volta. É a partir desses ‘pioneirismos’, dentre os quais incluo minha conquista, que novas portas estão sendo abertas para uma sociedade mais justa e igualitária.”
BUSCA POR ESTABILIDADE
O ingresso de Sabrina Fernandes na Marinha se deu em 2016 por meio de concurso público. Logo após concluir a faculdade de administração, ela buscava trabalhar na área.
“Sendo honesta, de início procurava por estabilidade e outras prerrogativas que o serviço público oferecia. Após o meu ingresso na Marinha, vi que era muito mais que isso. Era uma questão de identificação com os valores da instituição.”
Sabrina diz que não tem referências familiares no meio militar, por isso o ingresso na Força foi algo inesperado e inédito para a família, mas bem aceito, segundo ela.
“Sempre busquei desempenhar minhas funções da melhor maneira e alcançar boas colocações dentro da Força. Acredito que isso colaborou para que eu me destacasse e, por meio da meritocracia, fosse indicada a uma das comissões mais almejadas pelos militares da Marinha, a Operação Antártica.”
Para ela, ser servidora pública é ter, como dever, servir a sociedade. “Quando fazemos algo que agregará valor à vida do outro, damos propósito e significado ao nosso trabalho e à nossa própria vida.”
A distância dos familiares e amigos por um período tão longo é apontada pela militar como um dos maiores desafios nesses quase seis meses de expedição.
“Exige de nós muita determinação e abdicação. Mas nos dá orgulho saber que tudo isso é em prol de uma missão nobre, de prestar apoio indispensável à consecução do Programa Antártico Brasileiro.”
Sabrina diz esperar que sua história sirva de incentivo e inspiração para outras mulheres.
TATIANA CAVALCANTI / Folhapress