Ministério cita ‘histórico de falhas e transgressões’ da Enel e pede apuração que pode rever concessão

SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério de Minas e Energia determinou à agência reguladora Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) a abertura de processo que pode levar à cassação da concessão da distribuidora de eletricidade Enel em São Paulo.

O ministro Alexandre Silveira enviou nesta segunda-feira (1º) o ofício ao diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, com a solicitação.

O documento cita a série de apagões recentes na cidade de São Paulo e fala em “histórico de falhas e transgressões” da empresa privada perante suas obrigações. O objetivo da pasta é saber se a Enel descumpriu com o contrato, se tem condições técnicas de seguir operando e se atendeu a ordem recente da Aneel para regularizar seus serviços.

“O ministério está tomando medida extremamente radical, importante e educativa para outras distribuidoras de energia”, disse Silveira em entrevista à GloboNews, na manhã desta segunda.

Ao canal de TV, ele afirmou ainda que a empresa tem mais de R$ 300 milhões em multas não pagas. A concessionária disse que já pagou R$ 55 milhões deste montante, e que recorre do restante do valor. A Enel afirmou também que cumpre integralmente o contrato.

Mais tarde nesta terça, após reunião no Palácio do Planalto, Silveira ainda acrescentou que “se apurada a possibilidade de a Enel estar descumprindo com índices mínimos de qualidade”, o processo de apuração pode levar também ao fim da concessão à empresa no Rio de Janeiro.

Isso porque o o contrato no âmbito carioca, muito criticado pelo governo, vence no final de 2026, ainda durante a gestão Lula (PT), que terá a missão de avaliar o que fazer com ele. Já no estado paulista, o vínculo vai até 2028.

A ação do governo federal, que é o poder concedente das concessões de distribuição de energia elétrica, vem após a empresa mostrar uma série de problemas graves na prestação dos serviços na região metropolitana de São Paulo nos últimos meses.

Em novembro do ano passado, uma tempestade deixou cerca de 11 mil imóveis sem energia por seis dias seguidos. No total, o apagão atingiu 2,1 milhões de clientes da Enel em 24 cidades da região metropolitana.

Já no mês passado, problemas na rede elétrica subterrânea fizeram com que bairros do centro de São Paulo ficassem sem energia ou com fornecimento intermitente durante vários dias. O apagão afetou parte de bairros como Higienópolis, Bela Vista, Cerqueira César, Santa Cecília, Vila Buarque, Campos Elíseos e República. A Santa Casa teve de remarcar procedimentos e exames. O icônico edifício Copan, na região central, também sofreu com falta de energia por dias seguidos.

O tempo de espera por equipes da Enel em São Paulo dobrou em cinco anos, segundo a Aneel . Os moradores da região metropolitana de São Paulo esperam 12 horas e meia, em média, até que a falta de energia seja resolvida.

É mais que o dobro do tempo médio desses atendimentos em relação a 2018, ano em que a companhia italiana comprou a Eletropaulo e passou a operar a distribuição energética na capital.

O ministro de Minas e Energia diz, no ofício, que este conjunto de fatos “têm levado a uma insatisfação generalizada dos consumidores de energia elétrica, tanto pela frequência como pela duração destes eventos, provocando grande impacto na vida das pessoas e na dimensão financeira decorrente das interrupções das atividades produtivas e comerciais”.

Ele diz ainda que a Aneel já foi provocada para que fiscalizasse o desempenho da Enel, e que a empresa privada já foi intimada para que reestabelecesse os serviços prestados plenamente.

O ministro pede que a agência apure se houve descumprimento do contratode concessão, se a companhia perdeu condições técnicas para manter sua operação ou se deixou de atender à ordem para que os serviços fossem regularizados.

“Foram mais de 300 milhões [de reais] em multas aplicadas à Enel, nenhuma delas pagas. A Enel tem reiteradamente prestado serviço de qualidade muito aquém do que aquilo que determina a regulação”, afirmou Silveira à Globonews, avaliando que a empresa terá “poucas condições” de defesa no processo de caducidade, uma vez que já foram dadas oportunidades de melhora dos serviços.

Segundo o ministro, a Aneel tem 20 dias para responder ao governo sobre o processo de caducidade da concessão da Enel São Paulo.

Silveira disse ainda que, em eventual cenário de perda do contrato da distribuidora, o governo poderá avaliar uma relicitação da concessão ou “até reestatização”.

Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que o processo é complexo e que a rescisão é uma medida extrema. Parte deles considera que existem elementos para o rompimento do contrato, enquanto outros consideram que não há motivos para isso.

Caso a concessão seja interrompida, caberia ao governo federal assumir o serviço na cidade ou indicar de maneira emergencial uma nova empresa para a função até a realização de uma licitação.

A rescisão, segundo o professor de administração pública Alvaro Martim Guedes, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), é uma medida rigorosa e só pode ser viabilizada após decreto do governo federal.

“Com a extinção do contrato, a administração pública faz nova licitação e, enquanto isso, assume a responsabilidade pelo serviço”, afirma Guedes. “Vai ser um procedimento bastante difícil para Enel se defender. Os fatos [com as quedas de energia] tomaram uma dimensão muito grande”, diz ele.

Já o engenheiro Cláudio Salles, presidente do Instituto Acende Brasil, considera que a afirmação do ministro é descabida e não há indicadores para o governo exercer a caducidade -ou seja, a extinção do contrato.

“O processo [de rescisão] só faz sentido quando a empresa comprovadamente está descumprindo o contrato. Mais do que isso, ela mostra ser incapaz para cumpri-lo”, afirmou Salles. “Em novembro os eventos climáticos foram extremos. A falta de energia em março é preciso ser analisado quais as responsabilidades. São episódios que não configura quebra de contrato.”

O instituto tem a Enel como cliente, de acordo com lista disponibilizada em seu site.

Em nota, a concessionária disse que tem atuado para a modernização da rede, digitalização do sistema, ampliação dos canais de comunicação com os clientes e “aumento significativo do quadro de pessoal próprio”.

“Em relação à concessão de São Paulo, a distribuidora esclarece que cumpre integralmente com todas as obrigações contratuais e regulatórias e está implementando um plano estruturado que inclui investimentos no fortalecimento e na modernização da estrutura da rede, na digitalização do sistema e na ampliação dos canais de comunicação com os clientes, além da mobilização antecipada de equipes em campo em caso de contingências”, diz o texto.

Os investimentos previstos no Brasil serão de R$ 18 bilhões até 2026, segundo a empresa. Nos últimos quatro anos, quando assumiu a concessão de energia elétrica em São Paulo, desde 2018, a Enel afirmou que investiu R$ 8,36 bilhões.

Com uma base de mais de 15 milhões de consumidores, a Enel opera três concessões de distribuição de energia no Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará, e precisará renovar seus contratos junto ao governo nos próximos anos para continuar operando nessas áreas no longo prazo.

Segundo Silveira, o processo de renovação dos contratos de 20 distribuidoras de energia, envolvendo grandes grupos do setor elétrico, vai “corrigir” contratos que ele considera como “frouxos”. Haverá regras mais rígidas para garantir a qualidade da prestação dos serviços à população, disse.

“Estamos fazendo um decreto [de renovação] muito minucioso… Inclusive um ponto que estou colocando é de que os prefeitos municipais devem ter linha direta com as distribuidoras”, afirmou.

“Estamos determinando, hoje, a abertura de processo administrativo contra a distribuidora Enel, em São Paulo, com o objetivo de averiguar as falhas e transgressões da concessionária em relação as suas obrigações contratuais e prestação de serviço”, escreveu o ministro em uma rede social.

FRANCISCO LIMA NETO E JOÃO GABRIEL / Folhapress

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