Pessoas brancas são mais internadas por dengue, mas negras morrem mais

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil vive uma epidemia de dengue e, assim como foi na pandemia da Covid, as principais vítimas são pessoas negras —a soma de pretas e pardas, conforme o Estatuto da Igualdade Racial.

Segundo dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), do Ministério da Saúde, negros são 52% das pessoas diagnosticadas com dengue e 47% dos internados pela doença. Eles representam 53% das mortes confirmadas e em investigação.

Já brancos representam 48% dos internados e 44,7% das mortes (confirmadas e em investigação).

Em números absolutos, 9.148 pessoas brancas foram internadas, contra 8.989 negras —sendo 8.203 pardas e 786 pretas. Entre as mortes confirmadas e investigadas, a proporção se inverte. São 590 negros entre os registros de óbito pela doença (510 pardos e 80 negros), contra 492 brancos. O cálculo não inclui casos em que a raça foi ignorada no registro feito por profissionais de saúde no sistema.

De acordo com dados do Censo de 2022, 55,5% dos brasileiros se consideram negros (os pardos e pretos) –45,3% da população se identifica como parda, enquanto 10,2% se identifica como preta.

A Folha de S.Paulo analisou as notificações registradas de 31 de dezembro de 2023 a 9 de março deste ano. Foram contabilizados 741 mil casos prováveis, 18,9 mil internações e 1,1 mil mortes confirmadas e em investigação. Para especialistas, é importante aguardar pelo menos duas semanas de distanciamento das ocorrências para que se possa traçar um perfil das vítimas.

Incluindo o sexo dos afetados na observação, mulheres negras lideram os casos da doença (28%), mulheres brancas são mais internadas por causa dela (28%) e homens negros representam o grupo que mais morre (28%).

No Painel de Monitoramento das Arboviroses, atualizado diariamente pela pasta da Saúde, é possível verificar raça/cor e sexo dos casos prováveis da doença, mas não de pessoas internadas e mortas em decorrência dela.

O acesso facilitado a essas informações é uma cobrança de movimentos sociais, diz a médica Denize Ornelas, do grupo de trabalho de saúde da população negra da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. O Sinan hoje é o sistema com mais detalhes sobre os registros da doença, mas seu acesso depende de programas especializados.

É necessário enxergar a diferença entre os dados, afirma a médica. “Se tenho pessoas negras entre o maior número de casos, tenho que ter número de casos graves [que necessitam de internação] na mesma proporção. O vírus não tem nenhum tipo de predileção por pessoas com menos melanina para ter mais brancos internados.”

Há uma frequência maior da doença, transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti, em idosos e pessoas com enfermidades como hipertensão arterial, diabetes, problemas renais, cardíacas, asma brônquica, bronquites, doença falciforme e obesidade, afirma Rivaldo Venâncio da Cunha, pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

“Não consigo identificar um comportamento clínico mais agressivo da doença em pretos e pardos”, diz o especialista em doenças infecciosas e parasitárias.

Ornelas afirma que é fácil pessoas negras serem diagnosticadas com dengue, mas não com dengue grave. Para isso, explica, alguns sintomas são observados: dor abdominal muito intensa, dificuldade para respirar ou até hemorragia na gengiva e nos olhos. Mas nem todos os casos são sintomáticos.

O exame rápido recomendado pelo Ministério da Saúde para identificar a forma grave da doença em postos de saúde é a “prova do laço”. O teste consiste em medir a pressão arterial, segurar um tempo o aparelho, desenhar um quadrado no antebraço da pessoa e observar se ali aparecem pontinhos vermelhos. Uma grande quantidade desses pontinhos pode indicar necessidade de hospitalização.

A cor da pele negra, porém, pode dificultar a visualização das manchas vermelhas, diz Ornelas. “Com isso, pessoas brancas estão sendo mais internadas e, consequentemente, mais cuidadas.”

Rita Helena Borret, médica da família que estuda a saúde da população negra, afirma que o acesso à internação é maior para a população branca —”que não é a que mais morre, nem a que mais se contamina”— por causa do racismo institucional, que faz com que pessoas negras “não sejam vistas com o mesmo cuidado que pessoas brancas”. De acordo com ela, a gravidade da dengue é subdimensionada na população negra.

A Folha de S.Paulo questionou o Ministério da Saúde sobre a diferença do percentual racial nos dados de casos, internamentos e óbitos, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. A pasta também não respondeu por que o Painel de Monitoramento das Arboviroses não divulga os dados de raça por internamento e óbito.

Além da prevalência de mortes entre pessoas negras, a Folha de S.Paulo analisou também sexo, faixa etária e residência das mortes confirmadas e em investigação por dengue.

Os casos e mortes por dengue são registrados de acordo com sexo, raça e idade no Sinan. A designação é feita por profissionais de saúde, e não pelo próprio paciente. O Deltafolha acessou esses microdados na plataforma do DataSUS e contabilizou o total para o levantamento desta reportagem.

A estatística populacional realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é feita a partir da autodeclaração de cada pessoa entrevistada. Logo, os dados registrados no Sinan e as informações do IBGE não são diretamente comparáveis.

A região Sudeste concentra o maior número de mortes (690), seguida por Centro-Oeste (275), Sul (169), Nordeste (66) e Norte (14).

Distrito Federal, Minas Gerais e Espírito Santo são as unidades federativas com maior incidência de dengue por habitantes, segundo o painel de monitoramento do Ministério da Saúde.

Mulheres são maioria entre os óbitos registrados nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, minoria no Norte e no Sul e metade no Nordeste.

Diferentemente dos dados nacionais, na região Sul, a maioria dos óbitos são de pessoas brancas. Com exceção do Norte do país, as regiões registram maior número de mortes na faixa etária de pessoas com 60 anos ou mais.

GEOVANA OLIVEIRA E VITOR ANTONIO / Folhapress

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