SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em setembro do ano passado, em plena Operação Escudo, o comando da Polícia Militar de São Paulo fez uma mudança que causou mal-estar entre integrantes da corporação: transferiu um tenente da Rota, linha de frente no combate ao crime na Baixada Santista, para o tranquilo bairro da Lapa, zona oeste da capital.
O motivo central da irritação não foi, segundo os PMs, a transferência em si, mas o oficial beneficiado: o tenente Raphael Mecca Sampaio, filho do deputado estadual Major Mecca (PL), um dos expoentes da chamada Bancada da Bala e aliado de Tarcísio de Freitas (Republicanos) na Assembleia Legislativa.
De acordo com oficiais ouvidos pela reportagem, a movimentação teria ocorrido por determinação do secretário da Segurança, Guilherme Derrite, deputado federal licenciado, também do PL, atendendo pedido de Mecca, supostamente temeroso com os rumos tomados pela operação, uma das mais letais da história da PM.
O major da reserva teria manifestado receio de o filho se envolver em ocorrências com morte de suspeitos e, com isso, ter a carreira prejudicada por um eventual IPM (Inquérito Policial Militar). Derrite teria repassado a ordem ao comandante do Choque, coronel José Augusto Coutinho, que cuidou da missão.
Coutinho foi promovido neste ano ao posto de subcomante-geral da PM e, agora, está cotado para assumir o comando-geral em breve, pela proximidade com Derrite.
Procurados, tanto Mecca quanto a Secretaria da Segurança afirmaram, em nota, que as movimentações da PM são realizadas de forma técnica, incluindo a de Sampaio. “As movimentações da Polícia Militar do Estado de São Paulo são técnicas, e o 1° tenente Mecca continua atuando na linha de frente no 4° BPM/M”, disse o deputado , por meio da assessoria (leia abaixo).
No início do mês passado, parlamentares da chamada Bancada da Bala da Assembleia Legislativa de SP, entre eles o próprio Mecca, realizaram um ato de apoio às operações de combate ao crime organizado no litoral paulista -com a participação do comandante-geral da PM, coronel Cássio Araújo Freitas.
“Vidas de policiais importam”, dizia um dos cartazes expostos.
A iniciativa de Mecca causou irritação em integrantes da PM, em especial entre equipes do Choque, por conta da transferência do filho. Para oficiais ouvidos, a mensagem passada foi a de que o deputado apoia essas operações, mas desde que o filho dele esteja protegido longe da Baixada Santista.
Conforme publicação do “Diário Oficial”, a transferência ocorreu em 19 de setembro por conveniência do serviço. Isso significa que, em tese, a transferência ocorreu por interesses da corporação.
Questionada, a corporação não explicou por que transferiu um oficial da Rota justamente em um momento em que a unidade mais precisava de homens treinados.
Oficiais ouvidos pela reportagem afirmaram ser muito difícil a formação de tenentes para a Rota, por conta das especificidades do trabalho na unidade, que exige um perfil de PMs destemido e, por outro lado, pela falta de interesse da maioria dos oficiais, que prefere trabalhos com menos riscos.
Em setembro do ano passado, conforme reportagem da Folha de S.Paulo, mensagens interceptadas pelos serviços de inteligência do governo paulista indicavam que criminosos planejavam ataques às forças de segurança na Baixada Santista, em represália às mortes provocadas pela PM na Operação Escudo.
A preocupação com tais mensagens ganhou corpo no dia 8 de setembro quando o sargento aposentado Gerson Antunes Lima, 55, foi morto na porta de casa. Ele foi atacado por criminosos que chegaram em duas motos e, em segundos, atiraram com o PM e fugiram sem nenhuma dificuldade.
Até essa morte, a Operação Escudo, inciada após a morte do soldado da Rota, Patrick Bastos Reis, em julho, tinha vivido uma primeira fase, com 28 mortos, e havia sido encerrada três dias antes (em 5 de setembro).
Após a morte de Lima, o governo paulista deu início à segunda fase, que terminou com um saldo total de 36 vítimas.
No final do ano passado, o governo deu início à Operação Verão após a morte do soldado Samuel Wesley Cosmo. A operação também se deu em duas fases, encerrada nesta semana com 56 mortos. O anúncio do fim da ação foi feito dias depois da morte de Edneia Fernandes Silva, 31, mãe de seis filhos, baleada durante uma ação policial em Santos.
A escalada de mortes no litoral paulista resultou em uma série de críticas à atuação da polícia, entre as quais está uma queixa ao Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) apresentada no mês passado pela Conectas Direitos Humanos e a Comissão Arns.
GOVERNO DIZ QUE MOVIMENTAÇÕES SÃO ROTINA
A Secretaria da Segurança informou, por meio de nota, que “desde o início da atual gestão, as forças de segurança têm efetivado promoções por mérito e movimentações de rotina de forma a ampliar a segurança da população”.
“Todas elas, incluindo a do oficial citado pela reportagem, são planejadas e executadas a partir de critérios exclusivamente técnicos, sendo publicadas de forma transparente no Diário Oficial do Estado”, diz nota.
Questionada sobre o que o coronel Cássio fazia em Santos no dia da manifestação, a pasta informou que o PM estava “na cidade comandando pessoalmente as atividades da Operação Verão”. “Nessa função, ele acompanhou as ações de policiamento em diferentes pontos da Baixada Santista, incluindo a área das manifestações.”
A reportagem tentou entrevista com o Major Mecca, mas o deputado preferiu enviar a nota por meio da assessoria, em que fala em nome dele e do filho.
ROGÉRIO PAGNAN E CARLOS PETROCILO / Folhapress