SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) publicou um decreto nesta quarta-feira (3) em que autoriza estudantes com deficiência a terem o auxílio de um atendente dentro das escolas estaduais de São Paulo, mas determinou que as famílias são as responsáveis por exercer essa função ou pagar pelos profissionais.
O decreto foi publicado um dia depois da celebração do Dia Mundial de Conscientização do Autismo.
“O atendente pessoal poderá assistir ou prestar cuidados básicos e essenciais ao estudante com deficiência em seu dia a dia escolar. Esse atendente terá a sua atuação integralmente custeada pelo representante legal do estudante”, diz o texto.
Especialistas consultados pela reportagem apontam que o decreto do governador fere a LBI (Lei Brasileira de Inclusão), de 2015, que diz ser responsabilidade do estado “assegurar as condições necessárias para o pleno acesso, participação e aprendizagem dos estudantes com deficiência”.
Também defendem que a medida não colabora para a inclusão dos estudantes no ambiente escolar, além de ter o potencial de acentuar ainda mais as desigualdades entre alunos pobres, em que as famílias não terão condições de pagar o profissional ou não podem deixar o emprego para passar o dia na escola.
Em nota, a gestão Tarcísio afirmou que o decreto busca atender uma demanda das famílias que exigiam um acompanhante especializado para crianças com determinadas deficiências e transtornos.
Segundo a Secretaria Estadual de Educação, os alunos vão continuar sendo atendidos por professores do AEE (Atendimento Educacional Especializado) contratados pelo estado e podem ter o auxílio extra oferecido pelos pais.
Assinado pelo governador, o decreto define ainda que o atendente pessoal poderá atender alunos diagnosticados com deficiência intelectual, TEA (Transtorno do Espectro Autista), Transtorno Global de Desenvolvimento e deficiências múltiplas associadas às três condições anteriores.
Alunos com deficiências físicas ou motoras, por exemplo, não têm direito ao auxílio do atendente pessoal.
Para Deigles Amaro, especialista em gestão educacional do Instituto Rodrigo Mendes, ONG que atua em educação inclusiva, o decreto transfere a responsabilidade do governo estadual de garantir as condições adequadas para a inclusão de todos os alunos para as famílias de crianças e jovens com deficiência.
“É fundamental considerar que, na realidade brasileira, as famílias não têm recursos financeiros para este custeio”, diz.
Ela também destaca as possíveis repercussões negativas que podem ocorrer com a permissão de pessoas sem qualificação atuarem dentro da escola. Segundo o decreto, o atendente pessoal deve ter as “habilidade necessárias para auxiliar” o aluno, sem especificar quais são.
O texto também diz que o atendente não poderá “exercer atividade pedagógica nem interferir nas funções desempenhadas pelos servidores estaduais da educação”.
“Sendo o profissional de apoio, nesse caso do decreto, uma pessoa externa ao corpo de profissionais da escola, não é possível gerenciar a ação dele para os fins que os serviços de apoio se destinam. E isso pode interferir negativamente nas relações a favor do desenvolvimento e aprendizado do estudante”, diz Deigles.
Taiza Stumpp, professora e pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) que coordena um grupo de estudo sobre o autismo e o Observatório de Saúde Mental da universidade, afirma que o novo decreto “acende um alerta”.
“Enquanto pesquisadores, famílias e pessoas com autismo se mobilizam para estudar, compreender e promover a conscientização sobre os autismos, esse movimento vem em direção contrária”, afirmou ela.
Para ela, a nova norma “pode causar uma deturpação da maneira como entendemos nosso comprometimento social e político com relação à inclusão e à educação”. “Essas ações, para que de fato promovam a inclusão, precisam ser cuidadosas e acompanhadas da formação de professores e da conscientização da população.”
Ela diz ainda que o governo não cumpriu um decreto anterior do governo do estado, de abril de 2023, que prevê a ampliação do atendimento educacional especializado e disponibilização de serviços que propiciem a inclusão nas salas de ensino regular entre outras formas de suporte.
Já a deputada estadual Andréa Werner (PSB), que é autista e mãe de um adolescente autista, viu o decreto como um avanço. Em março, o blog Vidas Atípicas, da Folha de S.Paulo, narrou a luta da deputada para conseguir que a escola estadual de seu filho permitisse a entrada de uma acompanhante pessoal ou que oferecesse a ele um acompanhante para desempenhar função pedagógica na sala de aula -o que ela conseguiu na Justiça.
“Recebemos dezenas de relatos de mães atípicas em nosso gabinete que nos contam sobre filhos impedidos de acessar o ambiente escolar na cidade e no Estado de São Paulo se valendo de um acompanhante pessoal”, afirmou.
Ela argumenta que o acompanhante pessoal ou terapêutico não substitui nenhum profissional que está presente na Lei Brasileira de Inclusão (2015), ou mesmo na Lei Berenice Piana (2012).
“É um profissional adicional, e o decreto deixa claro que sua presença não substitui os profissionais previstos em lei. Portanto, caso o aluno tenha um nível de suporte maior e que demande um acompanhamento pessoal integral, além dos profissionais da escola, ele poderá levar seu próprio acompanhante.”
A deputada acrescenta que isso também não pode ser condicionante para que o aluno possa frequentar a escola.
LEIA A SEGUIR A ÍNTEGRA DA NOTA DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO
“A Secretaria da Educação esclarece que o decreto não exclui profissionais de apoio escolar que auxiliam na alimentação, higiene e locomoção para alunos com deficiência da rede estadual de São Paulo. A determinação apenas permite que os atendentes pessoais também possam acompanhar o estudante no ambiente escolar, caso seja do interesse de cada família. O atendente pessoal pode ser um familiar do aluno ou um profissional contratado pela família. Ele poderá oferecer cuidados básicos ao estudante com deficiência em seu dia a dia na escola.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência define que o poder público deve assegurar a atuação de profissionais de apoio escolar para a garantia do direito à educação, o que é cumprido pela Secretaria da Educação. Em resposta a demandas da comunidade escolar, a pasta autorizou o acesso dos atendentes pessoais, não previsto no âmbito educacional, às unidades de ensino, porém sem interferência nas atividades pedagógicas. Vale reforçar que normas complementares ao decreto serão editadas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) ainda neste semestre.
Todos os alunos elegíveis para a educação especial são avaliados para identificação de apoios, recursos e serviços complementares necessários à rotina escolar, incluindo material, mobiliário, estrutura, recursos pedagógicos e de tecnologia.
Além disso, a rede estadual conta com professores do projeto Ensino Colaborativo, que estão presentes em todas as escolas e coordenam as atividades da educação especial. Além das aulas regulares, os alunos elegíveis têm acesso no contraturno às Salas de Recursos, com a orientação de professores especializados.”
ISABELA PALHARES E LAURA MATTOS / Folhapress