Aluno batiza cobra em homenagem a pesquisadora do Butantan

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – A vasta diversidade das serpentes brasileiras acaba de crescer ainda mais aos olhos da ciência com a descrição oficial de uma nova espécie. A cobra em questão é de pequeno porte, prefere passar a maior parte do tempo debaixo da terra e, além de ser inofensiva para seres humanos e a maioria dos outros animais, tem uma designação literalmente maternal.

Isso pode não ficar claro à primeira vista porque, afinal, a ortografia do latim não permite o uso do til, mas a Tantilla selmae, como foi batizada a pequena serpente, na verdade seria chamada de “selmãe” –uma homenagem ao caráter acolhedor de Selma Maria de Almeida-Santos, pesquisadora do Instituto Butantan especializada no estudo da biologia reprodutiva de cobras e lagartos.

A decisão de dar esse nome à T. selmae foi de Weverton dos Santos Azevedo, aluno de doutorado do Departamento de Zoologia da USP e também ligado ao Butantan. Azevedo nunca chegou a ser orientando de “Selmãe”, mas nunca esqueceu a gentileza e o entusiasmo com que a cientista recebia seus alunos num curso de especialização. “Ela tem sido uma inspiração desde que a conheci”, elogia ele.

Junto com outros colegas, o doutorando assina a descrição da nova espécie publicada recentemente no periódico especializado Organisms Diversity & Evolution. Além de celebrar a pesquisadora do Butantan, o trabalho contribui para entender melhor a diversidade de um grupo de serpentes que atrai a curiosidade dos cientistas desde o século 18.

Acontece que, durante muito tempo, as serpentes sul-americanas entre as quais se inclui a nova espécie eram designadas por um único nome científico, Tantilla melanocephala. Mas a distribuição geográfica ampla, em diversos ambientes, bem como a variação na cor das escamas e em outros detalhes indicavam que havia ali o que os cientistas chamam de complexo de espécies.

“Em geral, trata-se de um grupinho de espécies que evoluiu e se diversificou recentemente, de modo que a gente não consegue enxergar com facilidade as características morfológicas e moleculares [genéticas] que diferenciam esses bichos”, explica o pesquisador. No caso do gênero Tantilla, os hábitos fossoriais (em tocas no chão, ou debaixo de pedras e folhas) também atrapalham um pouco o estudo detalhado dos animais.

Há algumas indicações de que a variação da aparência pode estar relacionada com os diferentes habitats, com as serpentes de lugares de mata fechada, como a Amazônia, com tons próximos do marrom-escuro, enquanto as de áreas abertas, como o cerrado, ganham tonalidades mais avermelhadas ou alaranjadas.

Examinando as características morfológicas e também o DNA das diferentes formas do complexo de espécies, o pesquisador da USP e seus colegas chegaram à conclusão de que as cobras do subgrupo de áreas de vegetação aberta do Sul do Brasil devem ser classificadas como uma espécie à parte, que ganhou a denominação de T. selmae.

O indivíduo usado como padrão da nova espécie, um macho adulto, não chegava a 30 cm de comprimento. Alimentam-se de animais do grupo das centopeias, lacraias e piolhos-de-cobra. O cardápio pode parecer estranho, mas é uma boa estratégia alimentar para uma cobra fossorial. “São uma presa bastante abundante, e pouquíssimos animais se alimentam deles”, diz Azevedo.

“Foi uma das maiores homenagens que já recebi, principalmente porque não trabalho com taxonomia [classificação de espécies]”, disse Selma Almeida-Santos à Folha de S.Paulo. “Ser homenageada por um orientando é, de certa forma, mais fácil. Nesse caso, em que isso não ocorre, dá para sentir que é uma homenagem muito sincera.”

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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