Aceita like? Resistência de empresas a fechar parcerias com influencers cresce

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A atriz global liga para um hotel superluxo em São Paulo e solicita um fim de semana para ela e a família. Ela não pretende pagar pela estadia –ou melhor, não pretende pagar com dinheiro. Em vez disso, vai fazer posts nas suas redes sociais, onde soma milhões de seguidores, e marcar o hotel.

Da mesma maneira, o humorista pede ao restaurante de Salvador que prepare um banquete para a sua festa de casamento, que será realizada a 470 quilômetros de distância, em outro estado do Nordeste. Nada será pago, tudo cortesia, com marcação do nome do bufê nas fotos.

No caso da atriz global, a estadia dela e da família foi paga com um post em que dizia: “Look do dia”. Uma foto tirada na frente do espelho, algo que não fazia referência às acomodações ou refeições servidas no hotel. Ela se tornou “persona non grata” no estabelecimento.

No episódio envolvendo o humorista, o restaurante declinou da oferta de cortesia, depois que o noivo se recusou a pagar o preço de custo do bufê e a viagem da equipe.

“Pensam que a gente é besta”, diz Vinícius Figueira, proprietário das casas Vini Figueira Mar e Vini Figueira Gastronomia, restaurantes e bufê de Salvador.

Sem revelar a identidade do influencer, diz que tem o costume de contratar famosos eventualmente, mas que vem se incomodando.

A fórmula em que o influenciador pede diárias em hotel, viagens, eventos, refeições e até roupas de graça em troca de postagens nas suas redes sociais parece desgastada.

As empresas notaram que não basta ter muitos seguidores, ser famoso ou carismático para dar o retorno esperado em imagem. Parte dos influencers tem feito um alto nível de exigências, mas o engajamento conquistado nos posts é baixo.

Não existe uma escola de influenciadores, a profissão não é regulamentada e não conta com um código de conduta”, diz a empresária Ana Paula Passarelli, que criou em 2019 uma agência de marketing de influência, a Brunch, para atender influenciadores em busca de profissionalização e patrocínio. Na sequência, fundou a Toast, para assessorar marcas que procuram influenciadores.

“O influencer precisa fazer duas entregas: a social, para os seus seguidores, e a comercial, para o seu patrocinador”, diz Passarelli.

“O que vemos muitas vezes são influenciadores que falham em uma ou outra frente, sendo que a sua profissão depende das duas, simultaneamente”, diz a executiva, que defende que o influenciador conquiste contratos que estejam em sintonia com seu perfil público e seus valores, para que a associação entre personalidade e marca soe legítima.

Em uma época em que a publicidade tradicional perdeu espaço e a geração Z (dos nascidos entre 1995 e 2010) se pauta pelas mídias sociais, os influenciadores se tornaram peça fundamental nas decisões de compra.

Pesquisa da NielsenIQ Ebit, especialista em análises de comércio eletrônico, mostra que, em 2023, 50% dos consumidores brasileiros que fizeram compras online foram influenciados por propagandas veiculadas em redes sociais, em especial Instagram e Facebook.

Levantamento da consultoria americana PQ Media apontou que, no Brasil, o mercado de influencers movimentou US$ 91,6 milhões no ano passado (R$ 456,6 milhões) e deve crescer 24% neste ano, para US$ 113,5 milhões (R$ 566,2 milhões).

Mais do que o pagamento aos produtores de conteúdo, o número engloba o faturamento de provedores estratégicos (como consultorias) e provedores de medição e plataforma (que fornecem soluções para melhorar a eficiência ou medir o retorno sobre o investimento).

A previsão é que, até 2027, o mercado brasileiro de influencers movimente US$ 185 milhões (R$ 922,2 milhões).

País lidera ranking mundial de influencers no Instagram

O Brasil é um dos maiores mercados de influenciadores: são 10,5 milhões só no Instagram, fazendo com que o país lidere o ranking global de influencers nesta plataforma, segundo pesquisa da consultoria Nielsen.

Considerando as plataformas TikTok e YouTube, o número sobe para 13,5 milhões, e o Brasil só fica atrás dos Estados Unidos (14 milhões).

O levantamento da Nielsen, com base em dados de 2022, define influenciador como um perfil público com pelo menos mil seguidores, que esteja ativo (ou seja, com pelo menos um conteúdo postado) nos últimos seis meses. A pesquisa considera um influenciador por plataforma, ou seja, um mesmo influenciador pode ser contado até três vezes: no YouTube, Instagram e TikTok.

Mesmo considerando apenas os 10,5 milhões de influencers no Instagram, o número representa um avanço impressionante em relação ao da pesquisa anterior da Nielsen, de 2021, que apontava 500 mil influenciadores com pelo menos 10 mil seguidores cada um.

“Para mim, que tenho um estabelecimento conhecido, fundado há 12 anos, é muito mais negócio quando um famoso vem aqui e paga como qualquer cliente, dá muito mais retorno”, diz Figueira, que se gaba de atender vizinhos ilustres, como os irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia –que nunca pediram cortesia.

O hotel que hospedou a atriz global falou à Folha em condição de anonimato: teme que influenciadores descontentes com as críticas se tornem “haters” e prejudiquem a reputação online do estabelecimento, que recebe cerca de oito pedidos de cortesia por dia, desde influenciadores famosos, com milhões de fãs, até microinfluenciadores, com menos de 100 mil seguidores.

“Um microinfluenciador que tenha uma atuação consistente junto ao seu público pode trazer muito mais veracidade ao conteúdo do que um influenciador famoso”, diz Mariana Moraes, diretora de Marketing da C&A.

Ainda assim, a empresa não abre mão dos famosos: acaba de lançar uma nova edição da collab C&A BFF, envolvendo as atrizes globais Agatha Moreira e Camila Queiroz. Com venda no site e em 123 lojas selecionadas da rede, o preço das peças varia de R$ 69,99 a R$ 399,99.

A varejista de moda recebe cerca de cem abordagens por mês de influencers. Muitos apenas desejam trocar roupas e acessórios por posts.

Uma equipe vinculada ao departamento de marketing faz a gestão das redes sociais, que serve de pré-seleção para potenciais influenciadores.

“Nós nunca vamos associar a C&A a um perfil excludente, por exemplo”, diz Mariana. Na varejista, diz, existe todo um Em Salvador, o Check In Gastrobar e Balada já teve más experiências com microinfluenciadores.

“No começo, a gente selecionava pelo número de seguidores, gente com 50 mil, 100 mil, 200 mil fãs”, diz Luiz Cordeiro de Almeida Júnior, proprietário do estabelecimento, que recebe cerca de dez abordagens de influencers por semana.

“Mas isso é alvo de compra por parte dos influencers: quando um post só traz curtidas, mas nenhum comentário, zero engajamento, é uma enganação”, afirma.

No bar Ponte Aérea, também na capital baiana, a proprietária, Alanna Marzola, diz que sempre foi cética em relação aos influencers. “Eles podem ser uma estratégia para tornar o estabelecimento mais conhecido, mas não são a salvação”, diz. Muitos querem forçar a barra, afirma.

“Tive um influenciador, muito popular na região, contratado para divulgar a nossa operação de delivery”, diz. “Ele queria emendar outro contrato, para divulgar o bar. Mas é evangélico, não bebe, e o nosso bar é reconhecido pela cerveja gelada”, afirma. “Ele disse que poderia falar do pastel, mas soaria esquisito.”

As queixas surgem no momento em que dois esquemas que vieram à tona recentemente também colocaram em xeque o papel dos influenciadores junto às marcas e ao público: o escândalo do influenciador fitness Renato Cariani, garoto propaganda dos suplementos Max Titanium e Probiótica, da Supley, acusado de desviar produtos químicos para produção de crack, e a plataforma de jogos de azar Blaze, acusada de estelionato, que tinha como estrelas influencers famosos, a exemplo de Viih Tube e Mel Maia.

“As pessoas confiam nos influencers e é isso que vale para as empresas”, diz Passarelli. “Mas se esta confiança é quebrada, o estabelecimento também pode ter sua imagem arranhada.”

DANIELE MADUREIRA / Folhapress

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