Novo Código Civil visa responsabilidade para plataformas, diz Salomão em meio a briga Moraes e Musk

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A proposta de reforma do Código Civil brasileiro deve incluir punição a plataformas digitais por publicação de conteúdos criminosos, o que deve reacender o debate que dividiu bolsonaristas e petistas no Congresso no projeto das fake news.

O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Luis Felipe Salomão é o presidente da comissão de juristas do Senado que propõe novo Código Civil e afirma que o texto visa igualar o país às legislações mais modernas do mundo.

A ideia é extinguir o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que isenta as empresas de tecnologia de responsabilidade civil por danos gerados pelo conteúdo de terceiros.

“Isso não tem em lugar nenhum do mundo, só aqui. Há uma responsabilização pela utilização das plataformas, então por que aqui no Brasil essa moderação não é feita com a eficiência que acontece em outros locais? Porque nós não temos uma legislação”, afirma Salomão.

O texto formulado pela comissão também prevê uma maior proteção a casais homoafetivos e flexibiliza o conceito de família previsto em lei. Além disso, reconhece direitos aos animais e regulamenta o uso de inteligência artificial.

A proposta foi alvo de notícias falsas que circularam na internet, que chegaram a afirmar que incluiria a descriminalização do aborto, o que não é verdade.

O ministro acredita que as fake news surgiram porque o Código Civil trata de temas muito sensíveis.

“A gente acredita que o que mais chama atenção por causa da questão do dia a dia, do passionalismo, é o direito de família, porque envolve parentesco, envolve emoção, envolve paixão. Ela mexe muito com as pessoas e é por isso que, em uma sociedade polarizada, os que têm uma linha mais conservadora ficam vendo situações em não existem receios”.

Sobre as redes sociais, neste fim de semana, Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), voltou a atacar o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Horas depois, Moraes determinou a inclusão do empresário como investigado no inquérito que apura a existência de milícias digitais antidemocráticas e seu financiamento.

Pergunta – Por que é necessário atualizar o Código Civil?

Luis Felipe Salomão – O Código Civil é o estatuto da vida em sociedade, regula desde o nascituro, contratos, convivência social, condomínios, vizinhança, posse, propriedade, casamento até a morte e a sua sucessão. O código que está aí é bom, entrou em vigência há pouco mais de 20 anos, mas a comissão que elaborou foi criada na década de 1960. As primeiras ideias, os primeiros esboços que serviram de base para o código foram formuladas por uma comissão só de homens, de muitos anos atrás e acabou desaguando no código de 2002. Me parece óbvio que o mundo inteiro mudou e a sociedade brasileira também mudou muito, não só pelo impacto das novas tecnologias, mas os comportamentos da vida em sociedade.

P. – O senhor prevê que a inclusão de maior proteção aos casais homoafetivos, por exemplo, deve gerar polêmica no Congresso?

L. F. S. – O STF e o STJ já julgaram e definiram esse direito e nós estamos trazendo isso para dentro do código, como comissão técnico jurídica. Esse é o combinado com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco: nós vamos produzir o melhor texto técnico que formos capazes e entregar para a Casa. Aí sim o debate entre os representantes do povo vão dar a baliza política. Não nos compete esse exame agora, o que nós nos propomos a fazer é uma atualização de todas essas normas, trazê-la para a realidade atual, projetar para o futuro e entregar esse conteúdo técnico ao exame dos parlamentares.

P. – O senhor teme que o debate político do parlamento prejudique essa redação técnica e avanços propostos, como a proposta de maior proteção a minorias?

L. F. S. – Eu acho que o parlamento vai saber, como Casa do povo, tirar a temperatura sobre o que é necessário, o que é possível avançar. Como o Parlamento é o espelho da sociedade, a vontade do Parlamento vai ser a vontade dessa sociedade.

P. – Acredita que a proposta tramitará com celeridade ou teme que a possibilidade de divergências trave o andamento do projeto?

L. F. S. – Segundo o presidente Pacheco já noticiou, essa é uma das prioridades dele. Ele compreende a necessidade premente de atualizar esse texto, até porque quanto mais tempo demora, mais defasado fica. Nossa expectativa é que o Senado possa deliberar ainda neste ano.

P. – A responsabilização das plataformas por conteúdos também deve gerar debates acalorados no Congresso. Por que incluir esse tema na proposta?

L. F. S. – Eu vejo muitos avanços porque um dos programas hoje que está para deliberação do Supremo é justamente a revogação do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exige a indicação de conteúdo para a supressão, retirando praticamente ali a responsabilidade das plataformas na moderação de conteúdo. Isso não tem em lugar nenhum do mundo, só aqui. Há uma responsabilização pela utilização das plataformas, então por que aqui no Brasil essa moderação não é feita com a eficiência que acontece em outros locais? Porque nós não temos uma legislação.

P. – O que mudaria na prática com a nova lei?

L. F. S. – Hoje, a plataforma só pode retirar um conteúdo se houver a ordem judicial, então a posição dela é muito cômoda, ela não tem nenhuma forma de exercer moderação de conteúdo por conta própria, com poucas exceções, como pedofilia, suicídio. Em outros países, a regra é muito mais severa. Claro que tem a questão da liberdade de expressão que tem que ser pesada e muito bem pesada, mas vários países do mundo, como Alemanha, por exemplo, conseguiram balancear bem a responsabilidade da plataforma e, ao mesmo tempo, preservar a integridade, a honra das pessoas.

P. – Qual seria a punição às plataformas?

L. F. S. – Sanção pecuniária e se não fizer até mesmo eventualmente indenização para os lesados.

P. – O código apresentado pela comissão prevê a desindexação de conteúdo. Até que ponto desvincular uma pessoa de um tema em um site de busca pode se confundir com o direito ao esquecimento, que já foi rechaçado pelo STF?

L. F. S. – São coisas completamente diferentes. O direito esquecimento é uma outra técnica que gera responsabilização civil, a desindexação é utilizada pelo site de busca para atividades exclusivamente comercial. Não se apaga a notícia nenhuma, só não pode vincular uma coisa na outra. No STJ, julgamos isso. A gente saiu pela linha da concorrência desleal e vedou a indexação. Quando veda indexação, não apaga a empresa. O que estabelecemos é que você não pode pedir um Uber e entrar dentro de um táxi, por exemplo.

P. – E isso aconteceria mediante decisão judicial ou a própria plataforma deve desindexar?

L. F. S. – Pela nossa regra, tem que haver um pedido à plataforma e, se ela não fizer, o assunto vai judicializar. A tônica do que nós estamos propondo é justamente criar um ambiente de responsabilidade para a própria plataforma, como acontece em todos os países avançados.

P. – O que o senhor achou da afirmação do dono da rede social X de que há censura no Brasil imposta pelo ministro Alexandre de Moraes e que vai descumprir ordem judicial de derrubada de páginas?

L. F. S. – O ministro Alexandre de Moraes, com enorme sacrifico pessoal, é um dos maiores defensores da democracia no Brasil. A coragem dele, e o papel do judiciário, garantiram as eleições livres e a democracia em nosso país.

P. – A criação de regras para o uso da inteligência artificial, conforme a comissão propõe, não pode ter como consequência a limitação à expansão da ferramenta no país?

L. F. S. – Tomamos muitos cuidados para traçar apenas regras genéricas, justamente para não amarrar o avanço tecnológico. A gente sabe que se regular hoje uma técnica amanhã ela já está superada. O que nós fizemos foi apenas um início, estabelecer algumas regras para evitar abusos, para não permitir excessos, mas fora daí o avanço tecnológico é livre.

MATHEUS TEIXEIRA / Folhapress

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