BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O rascunho final e desidratado da chamada Lei Ônibus, a prioridade legislativa de Javier Milei neste início de mandato na Argentina, foi finalmente apresentado no final desta terça-feira (9) pelo governo do presidente ultraliberal após semanas de negociações.
Diante da derrota que colheu em fevereiro passado nos primeiros debates do pacotão de leis que desregulam a economia, abrem o caminho para a privatização de estatais e concentram poderes nas mãos do presidente, Milei usou os últimos dois meses para receber bancadas legislativas e governadores para negociar item a item.
Da primeira vez que apresentou a Lei Ônibus, houve pouco ou nenhum diálogo. Os mais de 600 artigos da versão inicial do projeto, depois desidratado paulatinamente, caíram como verdadeira surpresa para a maioria das bancadas, inclusive as mais próximas ao governo.
Agora o governo apresentou o rascunho final da ampla lei às bancadas aliadas no Congresso e aos governadores, que podem barganhar um ou outro ajuste. O objetivo é que o material seja debatido por comissões legislativas na próxima semana e entre em debate na Câmara no próximo dia 24, já prevendo uma pausa durante o 1º de maio, Dia do Trabalhador marcado historicamente por protestos no país.
A nova versão dá ao presidente poder para governar sem o Congresso e por um ano em quatro áreas: administrativa, econômica, financeira e energética. Entre as empresas total ou parcialmente privatizáveis, antes 40 e agora 18, estão o Banco da Nação Argentina e a Aerolíneas.
O pacotão também prevê o desconto no salário de trabalhadores públicos que se ausentarem de seus postos para participar de protestos e derruba a chamada moratória previdenciária, que durante o governo anterior, de Alberto Fernández, permitiu que trabalhadores que ainda não tinham completado o tempo de serviço exigido se aposentassem.
Nestas últimas semanas, os corredores da Casa Rosada receberam diversos governadores (com exceção dos da ala mais opositora, como o vocal Axel Kicillof, de Buenos Aires) e blocos da Câmara.
As negociações correram especialmente com o Proposta Republicana (PRO; 37 deputados), o partido liderado pelo ex-presidente Maurício Macri e o mais importante para o governo no Congresso; a União Cívica Radical (UCR), de 34 deputados e o Fazemos a Coalizão Federal, de 22.
O partido governista, o Liberdade Avança, tem 41 deputados na Casa. São necessários no mínimo 129 votos para aprovar o projeto.
Já as tratativas com os governadores se devem, entre outros pontos, ao peso que têm no Senado argentino, já que é das províncias que saem os membros da Casa, como ocorre no Brasil com os estados.
Um dos principais temas na mesa de negociação foi a pressão por parte de algumas bancadas para que o governo incluísse na repaginada Lei Ônibus a reforma trabalhista que a administração nacional já havia tentado aplicar, mas foi impedida pela Justiça.
Inicialmente a reforma foi vinculada ao um megadecreto imposto pela Casa Rosada e visava a facilitar demissões e torná-las menos custosas ao empregador. Uma corte local, porém, colocou freio no governo.
De acordo com o jornal local La Nacion, a gestão de Milei propôs à UCR, partido mais vocal na defesa de incluir a questão trabalhista no novo pacotão de leis, que proponha esse adendo uma vez que o material já estiver em debate entre os deputados.
Essa prioridade do presidente argentino para aprovar o mais rápido possível a Lei Ônibus também atende a um deadline específico. No próximo 25 de maio Milei pretende assinar na província de Córdoba o chamado “Pacto de Maio”, conjunto de dez prioridades que se tornariam objetivo comum dos governos nacional e provinciais.
O plano foi apresentado por ele em março, no discurso na abertura das atividades legislativas. O convite, por sua vez, foi estendido aos chefes das 23 províncias argentinas, além da capital, cidade de Buenos Aires. O presidente ultraliberal diz querer “refundar o país”.
A saber, algumas das principais medidas listadas no pacto são: que a propriedade privada é inviolável, que o equilíbrio fiscal é inegociável e que a redução dos gastos públicos em 25% do PIB é prioridade. Alguns governadores como Kicillof já disseram que não há conversa.
Ainda que tenha sentado à mesa no último mês para debater o novo texto da extensa lei, cujo nome “ómnibus” tem relação com a palavra em latim, com o significado de “para todos” devido à amplitude de temas, o presidente também já se mostrou arredio no diálogo.
À rádio Neura na segunda-feira (8), disse que pouco o importa se a lei será aprovada ou não. “Já deixei isso claro: se querem confronto, haverá confrontação. Não tenho esperança de que sejam diferentes, mas estou dando a oportunidade de aprovar essa lei e oferecendo o Pacto de Maio, as dez regras para uma economia saudável.”
“Do contrário, não me importa, os vejo nas eleições de 2025”, seguiu, referindo-se às legislativas do ano que vem, quando sua expectativa é aumentar o número de legisladores de seu partido no Congresso, onde em geral hoje tem cerca de 15% das cadeiras.
Falando sobre o envio do rascunho final da Lei Ônibus na manhã desta quarta (10), o porta-voz de Milei, o Manuel Adorni, disse que o país está diante de um momento “que pode mudar sua história”.
Ele também saiu em defesa de Milei, que horas antes havia publicado no X um novo ataque à imprensa local. “O jornalismo se corrompeu, se prostituiu. A extorsão se tornou uma moeda corrente”, escreveu Milei.
Nos últimos dias, o presidente esteve envolvido em polêmicas com a imprensa ao criticar uma jornalista que entrevistou um deputado de seu partido. O legislador, na conversa, saiu em defesa da ideia de que a educação não precisa ser obrigatória, fazendo com que o governo, que dias antes disse que modificaria a lei do setor para impedir a “doutrinação” em sala de aula, fosse questionado sobre o tema.
Ainda nesta quarta, foram registrados confrontos entre manifestantes e a polícia na famosa avenida 9 de Julho, uma das principais artérias da cidade. Os participantes do ato bloquearam a via, entraram em confronto com agentes e foram dispersados.
Entre outras coisas, eles pediam que haja investimento nos chamados “comedores populares”, os restaurantes públicos onde se oferece comida aos mais necessitados. Sob o governo Milei não foram enviados alimentos para esses projetos.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress