RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Com histórias independentes que se entrelaçavam e questionavam conceitos como crime e castigo, a minissérie “Justiça” foi um sucesso de crítica em 2016. Era de se esperar que a Globo aproveitasse o formato antológico para trazer novas tramas logo que possível, mas só agora, quase 8 anos depois, é que isso ocorreu.
Nesta quinta-feira (11), chega ao Globoplay o primeiro bloco de episódios de “Justiça 2”, que usa os mesmos artifícios da primeira temporada, só que com outros personagens. A cada semana, serão disponibilizados quatro episódios, um centrado em cada um dos protagonistas: Balthazar (Juan Paiva), Geíza (Belize Pombal), Jayme (Murilo Benício) e Milena (Nanda Costa).
“Chegou a hora, né?”, comemora a autora Manuela Dias, 46, que criou o formato. Ela conta que o espaço entre as duas temporadas não foi intencional, mas fruto do tempo que ela ficou dedicada à novela “Amor de Mãe”, um projeto ao qual deveria ter ficado dedicada durante dois anos, mas no qual acabou ficando quatro por causa da pandemia. “Depois disso, sempre teve o desejo de fazer uma segunda temporada.”
Dias, que atualmente também está envolvida no remake de “Vale Tudo” (ou em um projeto “supersecreto”, como ela brinca de chamar), diz que boa parte do que funcionou na primeira temporada foi mantido. “Quem viu a primeira temporada vai reconhecer esses elementos, tem um fanservice [agrados aos fãs] superforte”, afirma a autora.
Para ela, isso poderá ser visto, por exemplo, no formato, que permanece imutável. “São quatro histórias independentes que envolvem um crime ou um ato considerado criminoso, né? E são novamente quatro pessoas que vão presas e saem da cadeia, tudo no primeiro episódio de cada uma dessas histórias”, conta.
Ela lembra que, mesmo que mostre algumas situações limítrofes, a série tenta trazer uma mensagem de esperança. “A gente não trata sobre o sistema penal, a gente fala sobre o nosso desejo de justiça, sobre a possibilidade de perdão, o desejo de vingança e, sobretudo, apesar de serem temas pesados, eu acho que a série fala sobre superação, fala sobre o amor que pode aparecer em qualquer momento, até nos momentos mais inesperados”, diz.
Outra característica que permanece são as tramas cruzadas. “Os personagens passeiam por todas as histórias, só que com importâncias diferentes”, explica. “O protagonista da primeira história, às vezes, é figurante na história 4.”
“É como acontece na nossa vida, né?”, comenta. “Na nossa vida, nós somos sempre o protagonista da nossa história. E o outro é um figurante. Por exemplo, na vida do motoboy que foi na nossa casa ontem, ou anteontem nós somos figurantes. Nós somos pessoas sem nome, sem drama, sem profundidade.”
Para ela, esse é um dos pontos mais importantes do projeto. “Existe uma ideologia nesse formato”, afirma. “Quando a gente entende que todo mundo é protagonista da própria vida, isso demanda que a gente tenha respeito pelas outras pessoas. E acho que a gente está precisando muito ver o outro e entender que o outro não é uma função, o outro é uma pessoa que nem a gente, com questões, com sonhos, com dificuldades.”
Contudo, fazer esse bordado dramatúrgico requer muita atenção. “É uma série muito difícil de escrever, porque essa coisa do quebra-cabeça acaba demandando muita reescrita”, conta. “Às vezes, eu estou lá no episódio 27 e tenho uma ideia que desmonta vários episódios para trás. E é tipo: ‘Que saco, tive uma ideia boa’ (risos).”
Uma das mudanças mais importantes foi do cenário. Enquanto a primeira temporada se passava no Recife, a segunda tem como pano de fundo a cidade satélite de Ceilândia, no Distrito Federal. “A cidade é um personagem”, avalia Dias, que diz que essa foi uma sugestão do diretor artístico Gustavo Fernandez. “Eu reescrevi, inclusive, trabalhando prosódia e buscando a riqueza das idiossincrasias daquele lugar.”
Com relação às novas tramas, a autora conta que buscou referências em histórias reais, tanto de pessoas que conheceu quanto de outras tiradas das páginas de jornal. “A história do Baltazar, que é preso injustamente através do sistema de reconhecimento facial, infelizmente isso é uma história muito real”, exemplifica. “O sistema de reconhecimento facial é um sistema racista. Essas novas tecnologias vêm embutidas com muitos preconceitos e a gente precisa estar muito alerta para isso.”
“As máquinas não nascem sabendo”, prossegue. “Quando alguém vai ali e cataloga esses dados, esses dados também são frutos de interpretação. E como a nossa sociedade é estruturalmente racista, machista, capacitista, etarista, enfim… A gente tem que ficar muito alerta com a alimentação desses sistemas para não perpetuar crimes.”
Dias também destaca o elenco que conseguiu reunir, não só os nomes já conhecidos do grande público, como Paolla Oliveira, mas também os talentos que estavam apenas esperando o momento de brilhar, como o cadeirante Luciano Mallmann. “É preciso muito investimento para chegar a um elenco maravilhoso e diverso como esse”, diz, elogiando a diretora de casting Marcela Bergamo. “Eu costumo dizer que ator bom é casa própria, né? Você pode derrubar uma parede, trocar um cômodo de lugar, e tudo é possível.”
Sobre uma terceira temporada, com ainda mais histórias, ela diz que ainda não há planos concretos, mas não descarta que ela venha a ocorrer. “Olha, não está previsto para o ano que vem e eu não sei para quando seria, mas estou aqui pronta para ela”, afirma. “História, quanto mais a gente gasta, mais a gente tem.”
VITOR MORENO / Folhapress