Ex-todo poderoso da Globo, Boni transforma trilha do Fantástico em investimento

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando o verso “eu vou tomar um tacacá” explodiu no ano passado, a cantora Joelma viu uma música sua, “Voando pro Pará”, lançada oito anos antes, se tornar um hit tardio, especialmente nas redes sociais. Mas ela não foi a única a ganhar com isso.

“Essa canção faz parte de um dos catálogos. É um caso que está acontecendo agora”, diz Bruno Boni, que viu aí uma nova oportunidade.

Por que não usar as composições do seu pai em uma tendência cada vez mais forte no mercado: a compra de acervos musicais por fundos de investimentos? Nesse modelo, os royalties (pagamentos pelos direitos autorais) esperados para os próximos anos são oferecidos ao mercado como certificados de recebíveis, ou seja, um papel que dá o direito a seu detentor de receber uma receita no futuro.

No caso de “Voando no Pará”, cada vez que a música é tocada em qualquer plataforma, sejam as mais tradicionais, como rádio e TV, ou em redes sociais como TikTok, uma taxa é paga aos “donos” da música. Esse dinheiro é depois distribuído entre os investidores.

O pai de Bruno, fundador da Veridis Quo, empresa criada em 2022, é José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, 88. Um dos nomes mais importantes da história da TV brasileira, foi diretor de programação e produção, vice-presidente de operações e consultor da Rede Globo entre 1967 e 2001.

Ele também é autor de músicas como as trilhas do programa dominical Fantástico. A ideia é criar uma carteira de royalties com as composições do executivo da televisão. Com aplicação mínima de R$ 10 mil, a meta é obter R$ 860 mil e dar um retorno de até 16,83% ao ano aos investidores, com prazo médio de 36 meses.

O rendimento máximo (não garantido, mas projetado) ficaria acima do CDI (Certificado de Depósito Interbancário) de 2023 —CDI é um título emitido para dar lastro a transações bancárias, usado como referência para vários investimentos. O acumulado no ano passado pode chegar a 13,03%.

“Eu adoro música, mas sou compositor apenas quando obrigado. Sou autor da letra da música do Fantástico, da abertura de Tieta e de Que Rei sou Eu [outra novela]. Criei jingles publicitários e produzi discos”, afirma o executivo e hoje proprietário de afiliada da Globo no interior de São Paulo.

O pacote, batizado de “Fantásticas Trilhas do Boni”, tem seis canções: além da trilha do Fantástico, da música-tema do programa e de Tieta, estão “Ibiza Dance”, gravada pelo Roupa Nova para o folhetim Explode Coração; o tema da novela Perigosas Peruas, interpretada pelas Frenéticas; e o da abertura da TV Globinho.

“Quando falei para o meu pai que íamos avaliar [o investimento], ele respondeu: ‘avaliar, não! Vamos vender e doar tudo para o Retiro dos Artistas’. É a cara dele fazer isso”, lembra Bruno, citando o que Boni fará com o dinheiro a receber pela venda dos royalties. “Acho que isso vai ajudar a despertar interesse de outros compositores que queiram vender [seus catálogos] e possam se abrir a essa possibilidade.”

A negociação de royalties de artistas é uma tendência antiga no mercado de música internacional. Mas geralmente eles eram comprados por gravadoras ou pessoas físicas.

O caso mais famoso aconteceu em 1985, quando Michael Jackson adquiriu o catálogo dos Beatles por US$ 47 milhões (cerca de R$ 234 milhões pela cotação atual). O cantor vendeu metade dos direitos sobre as obras à Sony Music em 1995 por US$ 100 milhões (R$ 497 milhões). Oito anos após a morte do cantor, em 2016, a gravadora pagou US$ 750 milhões (R$ 3,7 bilhões) pelos outros 50%.

“É difícil ter acesso a esses artistas e autores, estavam sempre com grandes empresas. Nunca era distribuído para o varejo. Há algumas plataformas que fazem isso. Em securitização só há três: Jukebox e Songvest, nos Estados Unidos, e a Hurst Capital no Brasil”, diz Ana Gabriela Mathias, COO da MUV Capital, empresa que faz parte da Hurst e que vai oferecer os royalties de Boni ao mercado.

Ela reconhece ser um processo repetitivo: é preciso explicar para o investidor como funciona e quais as vantagens. Um dos atrativos é receber uma remuneração mensal. A Hurst já lançou 60 operações do tipo.

A empresa tem catálogo com músicas de Paulo Ricardo (ex-RPM), Toquinho e Amado Batista, entre os nomes mais famosos para o grande público. Também comprou os direitos de compositores de canções conhecidas, como “A nova loira do Tchan” e “Dança da cordinha” (ambas do grupo É o Tchan), “Quando a chuva passar” (Ivete Sangalo), além de obras de Zé Neto e Cristiano, Gusttavo Lima, Simone e Simaria, Maiara e Maraísa e Marília Mendonça.

“Um caso emblemático é o do Luiz Avellar. Ele é autor da abertura do Jornal Hoje, do Globo Esporte… Faz trilhas. Durante a pandemia [da Covid-19], lançamos operação com o catálogo dele, que também é autor de músicas de vários filmes, como Tainá, exibidos pela Globo. Foi algo que a gente não previu. A rentabilidade foi de 35% porque as trilhas também viralizaram em redes sociais”, afirma Ana Gabriela.

Esse é um atrativo, segundo Bruno Boni e a MUV, dos recebíveis de Boni. O Fantástico está no ar todos os domingos na Globo e trechos da trilha são executados várias vezes. Também são usados em vídeos no TikTok. Tudo rende royalties, que devem ser pagos ao Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição). Este repassa os valores à empresa.

O que está em serviço de streaming, como Tieta e Explode Coração, rende uma quantia mensal paga pelo Globoplay. Se a Globo decide reprisar os capítulos em TV aberta, existe a possibilidade de multiplicar o valor.

“Há muitos casos no passado de artistas que venderam o catálogo inteiro e depois descobriram que o hit teve performance melhor do que o esperado. Existe o jingle que o autor crê que vai tocar por cinco anos e toca por 50. Neste novo modelo, ele pode vender uma parte do seu catálogo ou licenciar por um período”, diz Bruno Boni.

Há os riscos estabelecidos. Entre os principais, estão pirataria, falsificação e inadimplência no pagamento ao Ecad. Se a música é executada em um show, por exemplo, os organizadores precisam pagar royalties.

No final de tudo, a MUV depende dos dados repassados pelo Ecad, embora afirme ter uma equipe para fiscalizar quantas vezes foram tocadas, se alguma viralizou nas redes e até se há algum erro no registro das canções.

Segundo a entidade de direitos autorais, em 2022 foram arrecadados, com royalties sobre músicas, R$ 1,39 bilhão. Desse total, R$ 1,23 bilhão foram distribuídos a 316 mil artistas.

É um dinheiro que dá para dançar, curtir, ficar de boa, como diria a música de Joelma.

ALEX SABINO / Folhapress

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