Responsável pelo X no Brasil deixa o cargo em meio a embate entre Musk e Moraes

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O advogado e cientista político Diego de Lima Gualda, 40, renunciou ao posto de administrador do braço brasileiro do X (ex-Twitter) em meio às ameaças de Elon Musk, dono da plataforma, de descumprir ordens judiciais no país.

A ficha cadastral da empresa na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) registra, na quarta-feira (10), carta de renúncia de Gualda datada de dois dias antes, em que ele deixa as funções de administrador e representante da empresa.

Não consta do documento, até a noite desta sexta (12), o nome de um novo responsável.

Na última terça-feira (9), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes havia negado pedido do X no Brasil para que a responsabilidade por eventual desobediência a decisão judicial fosse atribuída ao X internacional.

Os advogados do braço brasileiro da empresa argumentaram que o escritório no país não teria “capacidade alguma para interferir na administração e operação da plataforma, tampouco autoridade para a tomada de decisões relativas ao cumprimento de ordens judiciais nesse sentido”.

Moraes negou a postulação, dizendo que ela beirava a litigância de má-fé.

Ele lembrou que a plataforma se submeteu a determinações judiciais brasileira por anos, além de participar de reuniões tanto no STF como no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a respeito da instrumentalização criminosa das redes sociais no processo eleitoral.

Em outro trecho da decisão, ele afirma que “as consequências de eventual obstrução da Justiça, ou de desobediência à ordem judicial, serão suportadas pelos administradores” do X Brasil.

Conclui dizendo não haver dúvidas da integral responsabilidade jurídica civil e administrativa da empresa, “bem como de seus representantes legais, inclusive no tocante a eventual responsabilidade penal, perante a Justiça brasileira”.

Na decisão, Gualda foi citado em dois trechos, como procurador das duas empresas que compõem a sociedade limitada Twitter Brasil (hoje X Brasil).

Ele havia assumido o posto em 17 de agosto passado, segundo o documento da Jucesp, quando Fiamma Zarife deixou a empresa. Ex-líder do Twitter no Brasil e na América Latina, ela havia saído meses antes para virar diretora-geral do AirBnb para a América do Sul.

Na noite desta sexta-feira, em seu perfil no Linkedin, Gualda colocava que ficou no X até abril de 2024.

Ele chegou à rede social em 2021, após passar dois anos no escritório Machado Meyer, quase um ano e meio como chefe do departamento legal da 99, cinco no Yahoo e 6 no Yahoo! Brasil.

Pessoas que trabalharam com ele afirmaram à reportagem que ele tem perfil discreto e exaltaram a sua formação.

O advogado tem duas graduações –em ciências sociais na USP e em direito no Mackenzie– e fez mestrado em ciência política pela USP, onde tratou da obra do filósofo canadense Charles Taylor.

Seu nome apareceu nos últimos dias no chamado “Twitter Files [arquivos do Twitter] – Brazil”, nome dado pelo jornalista e ativista Michael Shellenberger a postagens no X com uma série de críticas a Moraes.

Ele insere nas publicações o que seriam emails de funcionários da plataforma relatando demandas de autoridades brasileiras antes de Musk assumir a empresa. Em um deles, um representante do Twitter cita determinação às redes para que os algoritmos deixem de recomendar conteúdos que desacreditem o sistema eleitoral e que forneçam dados sobre eles.

Em uma das mensagens, de agosto de 2021, Gualda diz, em inglês, que “há um forte componente político com essa investigação e a corte [TSE] está tentando colocar pressão” para o cumprimento de decisões.

A reportagem o procurou por email e mensagem de WhatsApp, mas não obteve retorno.

Foi após a divulgação do “Twitter Files” que Musk passou a atacar Moraes e ameaçou reabrir perfis bloqueados por ordem judicial.

Em reação, o ministro o incluiu no inquérito das milícias digitais e decidiu que o X deveria se abster de qualquer reativação de perfil com bloqueio judicial, sob pena de multa diária de R$ 100 mil por perfil e responsabilidade por desobediência dos responsáveis legais pela empresa no Brasil.

A possibilidade de funcionários do Brasil serem punidos havia sido aventada por Musk, em postagem na segunda-feira (8).

“Precisamos levar nossos funcionários para um lugar seguro ou então não em uma posição de responsabilidade” antes de fazer uma extração de dados, publicou. “Eles foram informados que serão presos.”

Antecedentes

A punição de um administrador de uma big tech no Brasil não seria novidade.

Em 2012, o então diretor-geral do Google Brasil, Fabio Coelho, foi detido em São Paulo pela Polícia Federal, sob suspeita de crime de desobediência pelo fato de o YouTube não ter excluído do dois vídeos com ataques a um então candidato a prefeito de Campo Grande.

Na ocasião, o executivo foi autuado e liberado no mesmo dia, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo.

Já Diego Dzodan, então vice-presidente do Facebook para a América Latina, passou em 2016 uma noite no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, em São Paulo, sob acusação de não colaborar com investigações a respeito de conversas no WhatsApp, que pertence ao Facebook.

A defesa do executivo argumentou que a colaboração não era possível devido à criptografia das conversas no aplicativo, e posteriormente o STJ (Superior Tribunal de Justiça) trancou a ação.

Segundo Mauricio Dieter, professor de direito penal da USP, em tese o administrador do braço brasileiro de uma plataforma pode responder, em caso de descumprimento de ordem judicial, pelos crimes de desobediência (pena de detenção de 15 dias a 6 meses) ou de desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito (de 3 meses a 2 anos).

Além disso, estaria sujeito a multas e a medidas cautelares, caso haja o entendimento de que esteja impedindo a investigação, o que incluiria em tese até uma prisão temporária.

O advogado Fabio Veras, por sua vez, diz que seria mais fácil conseguir a responsabilização de um administrador brasileiro do que a de Musk. Mas isso não impediria a matriz internacional do X de eventualmente reativar as contas suspensas sob ordem judicial.

“O pior que possa acontecer com um administrador brasileiro não seria suficiente para atender intenção original do tribunal”, afirma.

ANGELA PINHO / Folhapress

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