SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça de São Paulo liberou a inauguração do sistema de “ônibus aquático” na zona sul da capital paulista. O projeto tinha sido barrado a pedido do Ministério Público, que apontava a necessidade de a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) elaborar mais estudos sobre o impacto ambiental do projeto na represa Billings. A decisão cabe recurso.
A Promotoria afirmou que ainda não foi notificada da decisão.
O início das operações deveria acontecer em 27 de março, mas foi suspenso pela representação do Ministério Público.
A empresa responsável pelos ônibus aquáticos é a Transwolff, investigada por suposta ligação com o PCC (Primeiro Comando da Capital), e que está sob intervenção da prefeitura.
Neste domingo (14), porém, o desembargador José Helton Nogueira Diefenthaler acatou os argumentos da SPTrans e suspendeu os efeitos da liminar concedida anteriormente.
A SPTrans e a Prefeitura de São Paulo foram questionadas sobre nova data de inauguração, mas não responderam até a publicação deste texto.
No processo, a SPTrans afirmou a regularidade do projeto-piloto, pois houve apreciação da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) mediante parecer técnico, que entendeu pela não necessidade de licenciamento ambiental, por se tratar de projeto de pequeno impacto ambiental.
“Desta sorte, de rigor o deferimento do pedido de efeito suspensivo, nos termos postulados pela agravante”, traz trecho da decisão.
O início das operações foi anunciado pelo prefeito no dia 7 de março. Duas embarcações com capacidade para 60 passageiros cada vão fazer o percurso que liga os bairros Cantinho do Céu, na região do Grajaú, e Parque Mar Paulista, em Pedreira.
O percurso de 17,5 kms demora, atualmente, cerca de 1h20 e demanda duas viagens em linhas de ônibus diferentes.
A gestão Nunes afirmou que o transporte hidroviário irá beneficiar milhares de pessoas. “O novo sistema está previsto em lei de autoria do prefeito Ricardo Nunes, quando vereador, foi elaborado junto a FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo)”, informou em nota.
O reservatório começou a ser construído em 1925, enquanto as ocupações irregulares nos arredores da represa passaram a se suceder com frequência a partir dos anos 1970 e atingiu o pico incessante de moradias em área de mata atlântica nos anos 1990.
Com cerca de 1 trilhão de litros de água, o reservatório, cujo nome está ligado ao engenheiro norte-americano responsável pelo projeto, Asa White Kenney Billings, abrange os municípios de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Somente na região do distrito de Grajaú, um dos maiores bairros da capital paulista, calcula-se que ocorra o despejo de esgoto sem tratamento de uma população estimada em 100 mil moradores, observa a bióloga Marta Marcondes, 62, uma das maiores especialistas na Billings.
O Aquático é um dos principais projetos que o prefeito pretende apresentar em sua campanha em 2024 para reeleição à prefeitura, reconhece o próprio Nunes. A proposta foi sugerida por ele em 2014, quando ainda era vereador.
“Tenho uma relação de paixão com esse projeto”, diz. “Sou daquela região, mantenho um vínculo com as represas, tanto a Billings quanto a Guarapiranga, apesar de não saber nadar”, conta.
De acordo com o prefeito, o projeto envolve ainda um plano de repaginação nos arredores da Billings. “As represas são patrimônio da cidade, mas as pessoas ainda não se sentem participantes desses lugares”, diz. Ele acredita que os reservatórios têm potencial para se tornarem referência turística. “Estamos criando um novo paradigma.”
ALVO DE CRÍTICAS
Moradores do entorno da represa se opuseram ao projeto e às desapropriações necessárias de residências e comércios.
A iniciativa pegou muita gente de surpresa. “De repente, tudo aqui, construído pelos meus pais em 30 anos, vai ser destruído”, conta a estudante Páola Oliveira Borghese, 19, ao caminhar pela área verde, que se conecta à sua casa.
Com lotes de, no mínimo, de 1.000 m2, as construções só podem ocupar 20% do terreno nas áreas margeadas da represa, em Pedreira, por se tratar de ambiente com área de recuperação e preservação ambiental.
“De forma desumana, chegaram aqui, tiraram medidas do terreno, destruíram plantas da minha mãe”, diz Páola, referindo-se à presença de uma equipe ligada à SPTrans que visitou os Borghese e a vizinhança sem dar muita explicação, segundo eles.
Há 30 anos o empresário Roberto da Costa, 64, construiu uma casa espaçosa, com dois pavimentos e um lago de água corrente que abriga carpas, na lateral esquerda da residência. A privilegiada vista da represa que se obtém da varanda deve durar pouco tempo. Bem em frente à casa de Costa, a prefeitura prevê construir o terminal de ônibus interligado ao atracadouro do Aquático.
Ultimamente, o empresário anda inconformado. “A rua do Mar Paulista não foi desenhada para suportar essa carga de pressão que irá receber”, diz. “Durante o período de seca, parte da represa, que consta do trajeto dos barcos, fica com o espelho de água bastante baixo, com pontos de areia, o que irá inviabilizar o tráfego de embarcações.”
Com um vínculo histórico de ligação com o reservatório, Helena Schevtschenko, 69, cresceu numa casa construída pelo avô, nos anos 1940, quando ele imigrou da Ucrânia. É a quinta geração da família a viver por ali. “A água da Billings era tão limpa que dava para ver o fundo e os peixinhos”, recorda-se. “Nossa família sempre apreciou o contato com a natureza.”
Acostumada a sofrer diferentes tipos de agressão, de lançamento de esgoto à destruição da vegetação, a Billings, na visão de quem cresceu familiarizado a mirá-la da janela de casa, irá descaracterizar-se de vez, afirma Helena.
FRANCISCO LIMA NETO / Folhapress