SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A meta fiscal em zero para 2025 enfraquece o arcabouço fiscal, que parece ter sido uma proposta ambiciosa demais da equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e deixa uma carga difícil para o próximo governo, avaliam economistas ouvidos pela reportagem.
A mudança representa uma flexibilização na trajetória das contas públicas.
No ano passado, ao apresentar a nova regra fiscal, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia prometido entregar superávit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) no ano que vem e alcançar um resultado positivo de 1% do PIB já em 2026, último ano do atual mandato.
Para Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, trata-se de uma decisão negativa para a economia, que se traduz em mais gasto público, maior dívida e problemas mais complexos a serem resolvidos.
“O governo atual transfere o ajuste fiscal para o próximo, e ele também vai custar mais. Essa atitude é resultado de uma crença das pessoas que estão no governo de que mais gasto público leva a crescimento e que aumento da demanda leva também a aumento da oferta. Mas para a empresa aumentar a produção ela tem de acreditar que isso é sustentável”, diz o ex-ministro.
Ele também avalia que o arcabouço ficou enfraquecido, com perspectiva de elevação dos juros de longo prazo, inclusive com aumento da dívida.
Pelas previsões do boletim Focus, do Banco Central, a mudança da meta não chega a ser surpreendente, diz a economista Zeina Latif.
“O anúncio do arcabouço não melhorou as projeções, ele evita um quadro pior, mas não é um arcabouço sólido -depende de aumento de receita e tem muitas pontas soltas. Em nenhum momento foi visto como algo disciplinador”, afirma.
Para Latif, o arcabouço sempre foi considerado ambicioso demais e tinha um problema de inconsistência interna, dependendo do aumento de carga tributária e com medidas que geram mais rigidez de gastos.
“Estamos evitando cenários mais extremos, mas apenas evitar o extremo é pouco, considerando a dinâmica da dívida pública. E a credibilidade da Fazenda é prejudicada com essas medidas oportunistas e mudanças precoces de metas, sem trazer junto medidas para conter despesas.”
Para a consultora Cristiane Schmidt, qualquer presidente que venha a ocupar o Planalto a partir de 2026 praticamente não vai ter margem de manobra dentro do Orçamento, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional.
As previsões de despesas discricionárias vão praticamente zerar em 2032, diminuindo ao longo do tempo.
“Se só é possível variar o gasto em 2,5%, conforme o novo arcabouço, como podem ter elementos no gasto, como o piso da educação e saúde, variando em relação à receita e não com relação à regra estipulada. Além disso, temos a Previdência e benefícios assistenciais, como o BPC, que variam com o salário mínimo, se o salário varia acima da inflação. É uma regra inconsistente com parte relevante dos gastos orçamentários.”
Segundo ela, apesar de a Selic (os juros básicos) estar em uma trajetória de queda, os juros no longo prazo estão aumentando, o que quer dizer que há uma incerteza muito grande na economia e isso pode afetar investimentos de longo prazo.
“Por mais que neste ano tenhamos um crescimento do PIB na casa de 1,5% a 1,8%, o que importa para o investidor é saber como a economia vai estar ao longo do tempo. Não importa que se tenha uma regra fiscal chamada novo arcabouço ou teto de gastos, o importante é que esse instrumento sirva para entregar superávit primário, para que se possa tentar segurar a dívida/PIB ao longo do tempo, abrindo espaço nas despesas discricionárias. É isso que não estamos vendo.”
A revisão da meta confirma que o novo arcabouço era “demasiado ambicioso”, por causa da excessiva dependência da arrecadação para acontecer, diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
“O governo tinha espaço político para isso no primeiro ano. Depois, fica claro que não contaria com medidas suficientes para entregar o necessário a mais de arrecadação para chegar ao primário de 1% em 2026.”
Segundo o economista, o governo deverá ter dificuldades para alcançar mesmo a revisão.
“Muito da arrecadação que vira será apenas este ano e, pior ainda, a pressão nos gastos é significativa. O aumento do salário mínimo já é sinal disso. Vai implicar um déficit a mais na ordem de R$ 23 bilhões ano que vem, sem falar às pressões de investimento em ano pré-eleitoral.”
O ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) Luiz Carlos Mendonça de Barros acrescenta que em um governo como o de Lula, tanto por condições políticas quanto ideológicas, é muito difícil que um país ainda carente e com dificuldades enormes, como o Brasil, persiga o superávit fiscal primário.
“Lula tem coerência com o que ele pensa. É evidente que, como político, às vezes se acomoda aqui e ali, mas ele e o PT têm um formato ideológico de gestão da economia que impossibilita esses compromissos ferrenhos com o superávit. O máximo que se consegue com um ministro da Fazenda de tanta qualidade como está se mostrando o Haddad é lutar por manter o mínimo de decência na gestão fiscal.”
O economista acrescenta que o que se pode esperar da gestão Haddad é um “certo critério na piora da meta”.
“Temos ainda um problema mais sério pela frente que é a âncora do Banco Central, com a saída do presidente do BC, Roberto Campos Neto. Estou muito pessimista com a economia brasileira em 2025 e 2026”, diz Mendonça de Barros.
Para o economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo, Felipe Salto, a piora nas projeções do governo para o resultado primário representa um sinal ruim nas contas públicas, mas ainda é cedo para alterar projeções.
“Entendemos que nossos cenários continuam mais prováveis, neste momento, partindo-se de um déficit primário de 0,79% do PIB, em 2024, 0,77% do PIB, em 2025 e atingindo o zero apenas entre 2032 e 2033. Disso dependerá, entretanto, o compromisso com as premissas e os mecanismos do novo arcabouço fiscal, sem alterações que comprometam os acionamentos dos seus gatilhos para ajuste e controle do aumento de despesas”, escreve em relatório para clientes.
Já o economista José Roberto Afonso, professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa) e um dos pais da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), pondera que é preciso levar em conta as mudanças nos cenários econômicos, tanto interno quanto externo.
“Se o mundo muda -e muito-, se o Brasil também muda, nada mais natural que se mude a meta fiscal”, diz.
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress