SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tarsila está despedaçada numa mesa. Suas partes são limpas e reunidas por quatro mulheres, preocupadas em não trocar nada de lugar. Portinari, Ohtake e Segall estão ao lado, imóveis. A cena se passa no Museu de Arte Brasileira da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), em São Paulo, na tarde da última quinta-feira (11).
Trata-se da reforma de vitrais assinados por alguns dos mais famosos artistas plásticos brasileiros do século passado. As obras, 59 ao todo, enfeitam o saguão do edifício desde 1960, expostas num grande painel idealizado pela artista Claudia Andujar. Ela, naturalista, também deixou sua contribuição: criou “cipós” em vidro leitoso, o mesmo usado em bolas de gude, para abraçar o repertório dos colegas.
Em fevereiro deste ano, a estrutura de chumbo que sustenta as peças sofreu trincas, fissuras e rachaduras por abalos causados por obras da linha 6-laranja do metrô. O ramal ainda sem previsão de entrega ligará a futura estação Brasilândia, na zona norte, à São Bento, no centro.
A perceber os estragos, a Faap diz ter acionado a concessionária LinhaUni, da espanhola Acciona, responsável pelo canteiro, e obtido aproximadamente R$ 500 mil para custear os reparos. À Folha, porém, a LinhaUni negou qualquer dano associado a seu empreendimento e declarou apenas ter financiado, preventivamente, revestimentos de borracha nas molduras dos vitrais, considerando sua “importância histórica e cultural”.
Os reparos começaram ainda em fevereiro. A Faap aplicou a verba na proteção emborrachada, sim, mas também na troca da estrutura de chumbo danificada e, já aproveitando o embalo, na restauro de todos os vitrais. Para isso, a fundação contratou Antônio Sarasá, o restaurador mais badalado de São Paulo. Ele contou à reportagem como o trabalho é feito.
Uma a uma, as criações são retiradas e desmontadas. Suas estruturas consistem em partes de vidro ligadas à solda de chumbo, sendo feitas assim desde a Idade Média. Depois, os fragmentos são lavados com produtos especiais para retirar a camada de sujeira acumulada durante décadas, sem agredir a pintura original. A etapa seguinte é a remontagem e a devolução das obras a seus espaços.
O reparo de um vitral pode levar até dois dias, a depender da complexidade de sua composição. O processo é acompanhado de perto por dirigentes da Faap atentos a cada toque na coletânea.
“Os vitrais são de valor inestimável. Sem contar o valor sentimental. Por isso a restauração virou uma prioridade. Sempre foi um compromisso nosso zelar pelo patrimônio arquitetônico, artístico e cultural da fundação, que também é de São Paulo e do Brasil”, diz Celita de Carvalho, presidente do conselho de curadores da Faap.
Das 59 produções, 22 estão prontas para voltar à exibição. Algumas delas são de Lasar Segall, facilmente reconhecidas por seu geometrismo diagonal. Tomie Ohtake, em suas figuras espaciais, é outra rejuvenescida. A negritude expressionista retratada por Di Cavalcanti segue aguardando pelas mãos cuidadosas da equipe de manutenção, assim como a natureza vibrante de Tarsila do Amaral.
Lá, ainda estão projetos de Bruno Giorgi, Antônio Gomide, Samson Flexo, Fulvio Pennacchi e Carlos Lemos. Este, aos 99 anos, fez questão de visitar sua obra após o restauro, na última semana. Vendo o resultado, chorou.
Há, porém, uma curiosidade sobre o acervo. Os artistas nele só desenharam suas ideias, a execução foi de Conrado Sorgenicht, considerado o papa dos vitralistas brasileiros. Ele e sua família, originários da Alemanha e radicada em São Paulo desde 1888, são responsáveis pelos vitrais da Catedral da Sé, do Theatro Municipal, do Mercadão e da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
O painel da Faap deve estar pronto até o próximo dia 25. Isso porque, em maio, o Museu de Arte Brasileira recebe uma exposição de Salvador Dalí, pintor espanhol ícone do surrealismo.
BRUNO LUCCA E KARIME XAVIER / Folhapress