WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, atribuiu “dois terços” da alta do dólar ao cenário externo. Nesta terça, a moeda americana chegou a bater R$ 5,281, o maior valor em mais de um ano.
A disparada ocorre um dia após o governo confirmar a revisão da meta fiscal para o próximo ano, de um resultado primário de 0,5% para zero. Também pressionam a moeda americana a expectativa de um adiamento do corte de juros nos EUA e tensões no Oriente Médio após o ataque de Irã a Israel.
“Eu estou acompanhando, evidentemente, junto ao Tesouro e ao Banco Central o que está acontecendo. Está havendo uma reprecificação de ativos no mundo inteiro. Hoje, por exemplo, o peso mexicano está sofrendo mais do que o real brasileiro. Indonésia também”, disse a jornalistas em Washington (EUA), onde chegou na manhã desta terça para participar de encontros do FMI, Banco Mundial e G20.
Haddad atribuiu o cenário turbulento a dados de atividade dos EUA, como a inflação ainda persistente, e o conflito no Oriente Médio e seu potencial impacto no preço do petróleo.
“Tem muita coisa que está fazendo com que o mundo esteja atento ao que está acontecendo nos Estados Unidos e o dólar está se valorizando frente às demais moedas. Eu diria que isso não explica tudo o que está acontecendo no Brasil, mas explica dois terços do que está acontecendo no Brasil”, afirmou.
O ministro caracterizou o momento atual como uma “turbulência semanal” e ressaltou que, no governo Jair Bolsonaro, o dólar chegou a bater R$ 6 e os juros dispararam, mas que “essas coisas se acomodam depois”.
“É um momento tenso. O lado externo não está ajudando. O lado interno nós estamos corrigindo com diálogo no Executivo, no Legislativo. Já que a questão está mais delicada, vamos fazer neste momento um momento de repensar a estratégia e redefinir o papel de cada um para reestabilizar as expectativas”, afirmou.
Questionado se o terço restante poderia ser atribuído à revisão da meta fiscal, o ministro disse que acredita que “precisamos explicar melhor” o que vai acontecer com as contas públicas brasileiras.
“Nós estabelecemos uma trajetória que é consistente com o equilíbrio da dívida pública, mas factível à luz dos movimentos do Congresso Nacional nesses 15 meses, quase 16 meses que nós estamos à frente do governo. Sopesando as forças que estão envolvidas para nós passarmos para a sociedade, para os investidores, uma trajetória que parece mais consistente do que aquela que foi anunciada em março do ano passado”, disse.
“Nós queríamos antecipar o quanto antes o equilíbrio fiscal. Mas nós estamos numa democracia e nós estamos negociando as medidas com o Congresso”, disse.
Sem mencionar explicitamente derrotas recentes do governo no Legislativo, Haddad afirmou que a Fazenda precisa “negociar todas as medidas, caso a caso e, em geral, com perdas”. “Na negociação, sempre a Fazenda acaba ficando desfalcada de algum pedaço que era importante para o fechamento das contas”, afirmou o ministro.
No entanto, questionado pela reportagem sobre a relação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que entrou em confronto direto com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Haddad disse que nunca teve problemas com o deputado e que os dois conversaram antes de sua viagem aos EUA.
“Nós aprendemos de março do ano passado para cá que nem tudo que nós entendemos que é justo, que é correto, que vai na direção correta, vai ser recebido pelo Congresso com a mesma sensibilidade. Esse trabalho está sendo feito, vai continuar a ser feito. Nós não temos dúvidas sobre a consistência das trajetórias”, afirmou o ministro nesta terça.
Sobre a revisão para cima da projeção da taxa básica de juros, a Selic, pelo mercado, Haddad disse que considera um movimento de curto prazo natural.
“Quando você tem más notícias de fora e alguma perturbação interna, nós tivemos o episódio da Petrobras que está dissipado, tivemos discussão sobre a Vale, que é uma questão que está superada. Tiveram vários arranhões que chamaram a atenção do mercado”, disse.
Ele reforçou, no entanto, que em sua visão os fundamentos da economia brasileira estão melhores do que há um ano, tanto do ponto de vista da receita quanto do ponto de vista da despesa. Ressaltando que a definição da taxa cabe ao Banco Central, Haddad disse acreditar que ainda há espaço para corte de juros porque o ciclo foi iniciado “muito recentemente”.
Analistas, no entanto, acreditam que o governo terá dificuldade em elevar a arrecadação, dado o peso de receitas extraordinárias. Questionado sobre o esgotamento das medidas e a necessidade de fazer cortes de gastos, Haddad disse que “a renovação da desoneração e, sobretudo, a questão dos municípios, nem estava no radar de ninguém”.
O ministro afirmou que a desoneração da folha de municípios esbarra na reforma da Previdência. Haddad disse que teve uma conversa nesta terça com o advogado-geral da União, Jorge Messias, que teria levado ao presidente Lula sua preocupação com a possível perda de receitas resultante.
“Nós vamos tomar providências em relação a isso. Nós queremos levar para o Judiciário. Nós não queremos abrir novos precedentes de que a Previdência vai ficar desguarnecida das receitas necessárias para cumprir suas obrigações”, afirmou.
Haddad também reforçou a necessidade de controlar despesas. Citando o Proagro, que está sob reavaliação do governo, o ministro afirmou que o programa costumava custar R$ 1 bilhão, mas neste ano, pode custar R$ 10 bilhões.
“Tem alguma coisa errada acontecendo com o programa. Então, é preciso ir apertando esses parafusos, do ponto de vista da receita e do ponto de vista da despesa, para que nós possamos atingir um objetivo sustentável”, disse.
Sobre o Perse, o ministro afirmou que é preciso levar o programa “para perto da razoabilidade”. “Está muito sem freio, está aberto a fraudes que aconteceram e já estão sendo combatidas pela Receita Federal.”
REFORMA TRIBUTÁRIA
No final da tarde, o ministro participou de um evento na Câmara de Comércio dos EUA ao lado do presidente do BID (Banco Inter-Americano de Desenvolvimento), Ilan Goldfajn. No público, estavam representantes de grandes empresas americanas, como Amazon, Pfizer e ExxonMobill.
A primeira pergunta feita a Haddad no evento foi sobre a regulamentação da reforma tributária. A previsão era que os textos seriam enviados ao Congresso nesta semana, mas o prazo foi estendido em razão da viagem do ministro ao exterior.
O chefe da Fazenda disse que, nesse momento, o grande desafio é impedir o avanço de exceções à alíquota padrão. “Claro que é sempre permitido aos parlamentares discutirem quem deve estar fora da alíquota padrão, quem deve estar na cesta básica com zero tributação, isso faz parte”, disse.
“Não tem como a regulamentação piorar a emenda constitucional, mas obviamente você pode ter regulamentação melhor ou pior, a depender dos critérios escolhidos para classificar produtos como essenciais e assim por diante”, completou.
Ele prometeu ainda que, após o período de transição da reforma, o Brasil terá “um dos melhores sistemas tributários do mundo”.
O ministro também foi questionado sobre o plano de transição ecológica da Fazenda. Como em eventos anteriores nos EUA, Haddad aproveitou para dizer que o Brasil oferece não só alternativas de energia limpa ao mundo, como também a possibilidade de produção verde.
Em um evento anterior, Haddad afirmou que a transição ecológica é uma oportunidade para aproximar o continente, mas disse não vê sentido no Brasil “se acoplar” a outra economia em referência aos EUA.
“O Brasil é uma economia muito grande para ter um parceiro comercial. Vamos ter relação com a China por complementaridade, e Lula vai insistir em acordo repaginado com a União Europeia”, disse. Sobre os EUA, ele disse que há afinidades na área de desenvolvimento tecnológico. “Penso que Brasil e EUA deveriam se dedicar a uma parceria estratégica renovada.”
FERNANDA PERRIN / Folhapress