- A quarta-feira (17) inicia a contagem regressiva de cem dias para os Jogos Olímpicos de Paris.
Diferentemente do que ocorre com frequência no megaevento, não há maiores preocupações com a conclusão das arenas esportivas, uma vez que quase todas já existiam. Mas a organização lida com duas questões na reta final da preparação: reagir de maneira apropriada ao momento geopolítico tenso e cumprir as promessas de sustentabilidade que foram o mote de Paris-2024 desde a fase de candidatura ao posto de cidade-sede.
O cenário global tem dois conflitos de grande repercussão. A guerra da Rússia contra a invadida Ucrânia e os bombardeios de Israel contra o território palestino após ataques do grupo terrorista Hamas. Paris, que tem histórico como alvo de ações terroristas, passou a avaliar se vale a pena ir adiante com seus planos para a abertura das competições.
A cerimônia, tradicionalmente realizada em estádios, foi planejada para o rio Sena, com atrações artísticas em embarcações em seu leito e desfiles de delegações às suas icônicas margens. Essa formatação apresenta enormes desafios do ponto de vista da segurança, o que inclui um sistema antidrones, e a execução da ideia ainda não foi confirmada.
“O que os terroristas querem é impedir a gente de sonhar, essa é a maior vitória deles. Sempre há um risco na vida, mas estamos usando todos os recursos possíveis. Planejamos com antecedência e estabelecemos um amplo perímetro de segurança”, disse o presidente Emmanuel Macron, insistindo que a festa será no Sena.
Ele admitiu, porém, que “há planos B e C” como alternativas. Uma delas é uma cerimônia restrita à área do Trocadéro, nas proximidades da Torre Eiffel. Outra é o modelo tradicional, com a celebração em um estádio, o Stade de France, em Saint-Denis, nos arredores da capital.
Se tudo correr bem na abertura, independentemente do palco, estarão em andamento aqueles que são vendidos como “os Jogos Olímpicos mais verdes de todos os tempos”. Não são, evidentemente, em uma história moderna que começou em 1896. Mas Paris procura -em um contexto no qual políticas ambientais são, além de necessárias, importantes do ponto de vista das relações públicas- posicionar-se como um bastião das novas práticas.
“O comitê organizador de Paris-2024 estabeleceu um novo modelo para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, comprometendo-se a entregar um evento ambicioso, espetacular e universal, mais responsável, mais sustentável, mais unido e mais inclusivo”, diz o documento “Nosso Plano de Legado e Sustentabilidade”.
Balizam esse plano estimativas de emissão de carbono e de gases que colaboram com o efeito estufa. A conta é: se os Jogos de Londres, em 2012, estimaram ter emitido 3,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono e a organização da edição do Rio de Janeiro, em 2016, disse ter produzido 3,6 milhões, a média é de 3,5 milhões. Então, Paris-2024 definiu a meta de cortar isso ao menos pela metade.
Tóquio emitiu menos nos Jogos realizados em 2021, mas porque as disputas, atrasadas em um ano, tiveram curso sem público no Japão, em meio à pandemia de Covid-19. Paris, com espectadores nas competições, quer, com 1,5 milhão de toneladas, bater Tóquio, que registrou 1,9 milhão.
Todos esses números são questionáveis, e alguns estudos apontam índices diferentes. Entidades independentes como a Carbon Market Watch têm criticado os dirigentes do megaevento pela falta de transparência em relação a seu plano. Segundo a organização não governamental, só há uma estratégia robusta para 31% das planejadas emissões ligadas ao evento olímpico.
“Embora louvável, a estratégia climática de Paris-2024 de minimizar a pegada de carbono do evento é incompleta e não alcança transparência. Embora estabeleça metas e implemente políticas lógicas em setores como construção, fornecimento de alimentos, compras não alimentares, transporte e consumo de energia, a estratégia carece de metodologias detalhadas e monitoramento abrangente, e não é claramente comunicada”, afirma a Carbon Market Watch em seu relatório.
Isso não significa que não haja pontos positivos em relação às edições olímpicas anteriores. Paris resistiu à sanha de construir arenas observada em Londres, no Rio e em Tóquio: 95% das praças esportivas já existiam ou são estruturas temporárias, como a do vôlei de praia em frente à Torre Eiffel.
“A decisão mais importante que tomamos foi não construir”, disse Georgina Grenon, diretora de excelência ambiental de Paris-2024. “A segunda foi que os edifícios que tiveram de ser construídos foram levantados no método ‘low-carbon'”, acrescentou, referindo-se a estruturas como a Vila Olímpica, que tem bastante material de madeira e vai virar um centro de moradias populares.
A única construção de praça esportiva, porém, foi problemática. O Centro Aquático Olímpico estourou o orçamento inicial e foi concluído ao custo de 175 milhões de euros (R$ 963 milhões, na cotação atual). Pior, em um caricato erro de planejamento, o local foi concebido sem a capacidade mínima para as principais provas de natação e receberá apenas etapas classificatórias de nado artístico, saltos ornamentais e polo aquático.
Apesar da falha grotesca, a edição 2024 das Olimpíadas de fato construiu bem menos do que as precedentes, e essa é a grande diferença. Também houve mudanças que funcionam mais do ponto de vista simbólico do que em termos de resultados práticos relevantes, como pratos sem logotipo dos Jogos (que podem ser utilizados ao fim do evento), carpetes de segunda mão e colchões feitos com redes de pesca recicladas.
Uma dessas alterações em nome da sustentabilidade recebeu críticas, a decisão de não instalar aparelhos de ar-condicionado na Vila Olímpica. De acordo com a organização, os edifícios foram equipados com uma rede geotérmica, cuja energia produzida fornecerá refrigeração para as acomodações. Preocupadas com as previsões de temperaturas elevadas no verão europeu, delegações como a dos Estados Unidos não botaram fé no sistema e levarão aparelhos portáteis.
A economia ecológica com ar-condicionado é quase irrelevante em relação ao custo ambiental do transporte aéreo, já que 15 milhões de pessoas são aguardadas para os Jogos em Paris. A organização estimou que 34% das emissões de carbono serão ligadas ao transporte, número que fez especialistas franzirem o sobrolho, por considerá-lo baixo.
Segundo eles, por mais esforços que sejam realizados para minimizar o impacto ambiental das Olimpíadas, os Jogos só terão alguma chance de ser sustentáveis em um modelo muito diferente do atual: severamente reduzidos. Eles sugerem ainda que as modalidades sejam espalhadas pelo mundo ou que haja um rodízio com poucas sedes, para que não exista a necessidade de obras.
O modelo, hoje, não é esse. O que Paris-2024 promete, nas palavras da diretora Georgina Grenon, é “fazer todos os esforços dentro do que é tecnicamente viável em 2024”.
MARCOS GUEDES / Folhapress