BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Relator da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Apostas Esportivas no Senado, o senador Romário (PL-RJ) negocia com empresas do setor um patrocínio para o América-RJ, clube carioca do qual é dirigente.
Ele afirma que não vê conflito de interesses entre os negócios do clube de futebol e o trabalho investigativo que envolve as chamadas bets.
“Se essa bet estiver na linha de que é uma dessas empresas que têm feito mal ao futebol brasileiro, tenha participação direta ou indireta em alguma dessas manipulações, vai pagar igual aos outros”, disse o senador em entrevista à reportagem.
A comissão que investigará as empresas de apostas esportivas terá sua primeira sessão nesta quarta-feira (17). A expectativa é que o primeiro dirigente convidado para prestar esclarecimentos ao senadores seja o presidente do Botafogo, John Textor que fez acusações, sem apresentar provas, de fraude em partida entre Palmeiras e Botafogo pelo Campeonato Brasileiro de 2023.
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PERGUNTA – Quais devem ser os primeiros passos da CPI? Eu já vi que na pauta tem a convocação de vários presidentes de clubes importantes.
ROMÁRIO – A gente tem acompanhado o que vem acontecendo no futebol. Essas manipulações, esse jogo sujo, essa escrotidão. A gente tem que dar uma resposta à nossa sociedade. O Brasil tem que responsabilizar diretamente as pessoas pelo que está acontecendo.
Em 2016, eu fiz um relatório paralelo na CPI do Futebol com a real verdade do que acontecia, do que a gente descobriu. Só que o relator naquela época [senador Romero Jucá] entendeu diferente e ganhou. Mas eu mandei meu relatório até para o FBI, para a polícia da Suíça, para a Fifa, para o [Sérgio] Moro. Fiz tudo o que podia para algum órgão capacitado e competente olhar. Não aconteceu mas, dessa vez, eu sou o relator.
P – O Congresso teve CPIs marcantes envolvendo futebol a partir dos anos 2000, mas todas viraram espaço de disputa política interna da CBF e nenhuma teve resultado efetivo. O que fazer para evitar essa situação?
R – Meu objetivo é definitivamente encontrar os reais culpados desse jogo sujo que existe no futebol. Essa manipulação, essa sacanagem que a gente tem ouvido e lido nos últimos dois, três anos. São senadores sérios [os membros da comissão]: [Jorge] Kajuru, [Eduardo] Girão, [Carlos] Portinho.
Se fosse para abrir uma CPI para não fazer uma coisa séria, um trabalho profissional, eu não me meteria. Eu estou me propondo a ser relator para, no final da CPI, o relatório ser aquilo que a gente descobrir. Que doa em A, B, C ou D.
P – A Câmara concluiu uma CPI sobre o mesmo tema sem votar o relatório final. Por que a investigação do Senado seria diferente?
R – Foi um fiasco [a CPI na Câmara]. Mesmo com a eleição de prefeitos e vereadores, eu acredito que a gente consegue terminar a CPI em 180 dias. E dar uma resposta definitiva para a sociedade entender quem são os culpados por esse jogo escroto que está acontecendo no nosso futebol.
P – Já há muita informação sobre as fraudes em apostas esportivas. Com o que se sabe, o senhor vê alguma conivência da CBF?
R – Eu não sei te responder, mas o que eu posso te dizer é que a gente já pediu vários tipos de documentação dessas entidades [Ministério Público de Goiás e CBF]. Vamos começar a analisar e tomar as ações que são cabíveis em uma CPI.
O nosso primeiro convidado a princípio será o John Textor [dono da SAF do Botafogo]. Se é verdade ou se é mentira que ele tem documentos [sobre fraudes na série A do Campeonato Brasileiro], vamos trazer o cara aqui para dizer. O cara não pode jogar uma conversa fora dessas para simplesmente fazer graça para o público.
P – O senhor foi presidente da CPI do Futebol em 2016, que não teve nenhum resultado efetivo. Escolheu ser relator por causa dessa frustração de oito anos atrás?
R – Eu entendi que ser um relator de uma CPI dessa grandeza teria mais importância para mim do que ser o presidente, já que eu tive a oportunidade de ser presidente e acabou não acontecendo nada. Mas, como relator, eu acredito que eu tenho muito mais probabilidade de ter força real, juridicamente falando, para mostrar o que a gente vai conseguir aqui nesses dias.
P – Qual a sua visão sobre a CBF e a relação com as empresas de apostas?
R – Eu tenho uma relação muito boa com o Ednaldo [Rodrigues, presidente da CBF]. Claro que ninguém é perfeito, ele tem seus defeitos, mas tem feito algumas coisas que são interessantes. Primeiro, ele arrancou um monte de rato que existia das administrações passadas. Agora, não é por que eu tenho uma relação boa com ele que a gente deixaria de chamá-lo aqui. Mas, no meu entendimento, ainda não é hora do Ednaldo vir.
P – As bets têm hoje um poder de influência sobre o futebol brasileiro, patrocinando os principais clubes.
R – O América está fechando um patrocínio.
P – Como o senhor vai investigar as Bets se o time que preside é patrocinado por uma delas?
R – Se essa Bet estiver na linha de que é uma dessas empresas que têm feito mal ao futebol brasileiro, tenha participação direta ou indireta em alguma dessas manipulações, vai pagar igual aos outros. Não tem problema em relação a isso.
Ainda não tem contrato, mas a gente está procurando e pode existir essa possibilidade. Mas, antecipadamente, já estou avisando que não tem impedimento. Isso é uma coisa à parte.
P – Se o dono da bet que vocês estão negociando tiver de ser convocado, o senhor não fará oposição?
R – Se tiver que vir aqui, vai vir, por bem ou por mal, na dor ou no amor.
P – As empresas de apostas esportivas têm muita influência, no próprio governo tem disputa para ver quem ficará responsável pela fiscalização desse setor, com o Centrão interessado no assunto. Como investigar as bets com um interesse político relevante nelas?
R – Eu acredito definitivamente que as pessoas que vão fazer parte da CPI estão, na maioria, interessadas em resolver, abrir a caixa-preta. Se essas bets, se todas ou uma delas, estiverem metidas nessa sacanagem, vão ter que pagar. Da minha parte, como relator, você pode ter certeza que daqui a 180 dias você vai encontrar um relatório sério, firme, de tudo que a gente investigou.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress