SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Newton Carneiro Affonso da Costa, matemático e filósofo brasileiro que formulou um tipo de lógica capaz de abarcar as complexidades e incertezas da ciência moderna, morreu na noite desta terça-feira (16). Ele era professor visitante da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e tinha 94 anos.
Nascido em Curitiba, Costa passou os primeiros anos de sua vida acadêmica na UFPR (Universidade Federal do Paraná), onde cursou primeiro engenharia civil e depois matemática, realizando lá ainda seu doutorado.
Nos anos 1960, transferiu-se para a USP, onde acabaria se aposentando, além de lecionar também na Unicamp e numa série de instituições da Europa, EUA e América Latina ao longo da carreira.
Depois de continuar na USP por algum tempo após a aposentadoria, foi para Santa Catarina para escapar da vida complicada na metrópole e para ficar mais perto de 2 dos seu 3 filhos, que viviam em Florianópolis.
Um dos grandes legados de seu trabalho é a chamada lógica paraconsistente. “É um ramo da lógica que lida com situações em que há contradições, o que acontece muito frequentemente, e cada vez mais, na complexidade do mundo real”, explica o matemático Walter Alexandre Carnielli, do Departamento de Filosofia da Unicamp.
Se a lógica clássica, desde a época dos filósofos da Grécia Antiga, considera que as contradições são inválidas, a lógica paraconsistente tenta achar maneiras de chegar a raciocínios válidos mesmo quando contradições estão presentes.
“Imagine uma situação em que você tem informações contraditórias sobre um assunto, ou numa base de dados. A lógica paraconsistente oferece ferramentas para analisar e lidar com essas informações de maneira coerente, sem rejeitá-las completamente. Isso é útil em várias áreas, como inteligência artificial, diagnóstico médico, análise de dados e tomada de decisões em situações complexas, onde a incerteza e a ambiguidade são comuns”, resume Carnielli. Entre essas situações está, por exemplo, o controle do tráfego aéreo.
Newton da Costa aplicou tais princípios também à compreensão de alguns dos grandes avanços da física moderna, como a mecânica quântica e a teoria da relatividade. As duas áreas mostraram sua validade em inúmeros experimentos, mas não “conversam” direito em si e parecem até contraditórias quando se examina sua base matemática. A coexistência entre as duas fica menos complicada levando em conta os trabalhos do pesquisador paranaense.
Uma visão mais ampla de Costa sobre o significado filosófico da pesquisa científica aparece na teoria da quase-verdade. “Muitas pessoas pensam que a ciência busca a verdade, mas não é isso. Você a busca, mas nunca a atinge”, disse ele à Folha, em entrevista publicada em 2016.
“A mecânica clássica de [Isaac] Newton não é verdadeira, pois a mecânica relativística de [Albert] Einstein é mais precisa. Mas muita gente ainda usa a mecânica clássica, sobretudo engenheiros, para fazer aviões e pontes. Como ela funciona bem nesses casos, ela é quase-verdadeira”, exemplificou Costa.
Fã de música clássica do século 19, de escritores franceses como Victor Hugo e dos filósofos René Descartes e Bertrand Russell, ele nunca quis se aposentar de fato, pois dizia ter grande prazer com o ensino e a pesquisa. “Se me tirarem isso, vão me tirar tudo”, dizia.
“Seu legado serve como testemunho do poder transformador da pesquisa interdisciplinar e da importância da ciência brasileira, lembrando-nos do impacto duradouro que o pensamento inovador pode ter em nossa compreensão do mundo”, afirma Carnielli.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress