SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Governo de São Paulo definiu nesta quarta-feira (17) novos detalhes sobre o modelo de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento de SP). As novidades, às quais a Folha teve acesso, envolvem mudanças na regulação e no estatuto da empresa, além do formato da oferta pública de ações, que deve acontecer no meio deste ano.
O Cdped (Conselho Diretor do Programa de Desestatização) se reúne na noite desta quarta para bater o martelo. As definições serão apresentadas em seguida, em entrevista a jornalistas.
No entanto, a divulgação dos detalhes mais aguardados -como o percentual de desconto na tarifa e a fatia exata que o governo vai vender da Sabesp- foram adiadas. Havia expectativa de que essas informações fossem anunciadas já, mas o governo adiou a definição para o mês de maio.
Uma das principais definições é sobre como será o follow-on, a oferta pública de ações. Segundo pessoas familiarizadas com o processo, a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) optou por um modelo inédito no Brasil.
O formato de oferta pública deve ser o chamado sequencial, em que o governo convoca os agentes privados interessados em serem acionistas de referência da Sabesp antes e só depois faz o follow-on (o leilão em si).
O acionista de referência será uma espécie de sócio estratégico do governo paulista no negócio, que deverá ser comprometido com a empresa no médio prazo, mas sem assumir o controle das decisões.
Segundo pessoas familiarizadas com o processo, pelos cálculos atuais, esse grupo investidor deverá levar sozinho 15% da Sabesp, tornando-se o maior acionista depois do governo (que ficaria com algo em torno de 20%). Hoje o governo tem 50,3% das ações da Sabesp.
Pelo formato sequencial, os sócios estratégicos deverão confirmar ao governo antes que possuem em caixa o valor para arrematar os 15% (calculado hoje em cerca de R$ 8,5 bilhões) e as garantias exigidas. Também precisarão mostrar o preço que aceitam pagar por ação.
Deverão ainda concordar com a trava de cinco anos que o governo vai estabelecer, o chamado “lock-up”, que restringe a possibilidade de esse investidor vender os papéis.
Feito isso, o governo então seleciona os dois melhores preços e leva para o mercado escolher qual dos acionistas prefere. Esse modelo sequencial, segundo fontes a par do trâmite, já aconteceu fora do país, mas nunca no Brasil.
OFERTA COM DOIS PREÇOS
A grande dúvida sobre a oferta, porém, é quanto à precificação. A ideia é fazer o follow-on com dois preços distintos, um para o acionista de referência e outro para os investidores do mercado. No entanto, ainda não há garantia sobre a viabilidade jurídica desse modelo.
Isso porque a resolução 160 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) define que o preço de um mesmo ativo precisa ser único.
O temor do governo é sobre o que pode acontecer com os valores de compra. É possível, por exemplo, que o sócio estratégico ofereça um preço por ação maior do que o investidor comum está disposto a pagar, e vice-versa.
A necessidade de nivelar os valores traria uma complexidade adicional ao processo. Por isso, o governo ainda estuda formas de conseguir fazer o leilão com dois preços distintos.
NOVO ESTUDO
O Governo de São Paulo também definiu as linhas gerais no novo estato da Sabesp. O documento, porém, ainda precisa ser aprovado pelo Codec (Conselho de Defesa dos Capitais do Estado) e pela CVM. Em seguida, passar por assembleia geral extraordinária da Sabesp.
O novo estatuto vai diminuir o número de conselheiros de 11 para 9, sendo três indicados pelo estado, três do acionista de referência e três dos independentes.
Além disso, o acordo vai limitar o máximo de votos a 30% do capital da empresa. Ou seja, mesmo que um acionista acumule mais ações que isso, seu direito a voto estará limitado a 30%.
MUDANÇAS NA REGULAÇÃO
A gestão de Tarcísio concluiu também o contrato da Sabesp que precisará ser aprovado pela Urae (Unidades Regionais de Abastecimento de Água e Esgotamento), que agrupa municípios em bloco.
O contrato vai reger a operação nas 375 cidades que a Sabesp atende até 2060, definindo as obrigações e o plano de investimentos.
Outra novidade é sobre a regulação da companhia. Atualmente, o setor de saneamento é regulado em São Paulo pelo modelo chamado discricionário, que dá mais liberdade de atuação para a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo).
É diferente, por exemplo, do modelo das rodovias, que segue a regulação contratual, na qual o contrato de concessão já define tudo o que vai acontecer ao longo do período de prestação do serviço.
A nova regulação vai limitar a atuação da agência. Uma das restrições será sobre o uso das despesas operacionais da Sabesp. Com a companhia privatizada, a Arsesp terá menos autonomia para aplicar esses recursos. Haverá regras e pré-requisitos a serem cumpridos para que a entidade goze desses valores.
A mudança regulatória é um agrado aos agentes privados, que viam no modelo discricionário uma fonte de incertezas, além de interferência excessiva.
O novo modelo aprovado pelo Governo de São Paulo será uma mistura entre o discricionário e o contratual, que vem sendo chamado internamente de “regulação Sabesp” ou “híbrida”.
MUDANÇA DE INVESTIMENTOS
Outra novidade será a forma como os investimentos serão incorporados na tarifa. Atualmente, a companhia opera o capex “olhando para frente”, ou seja, já considera na tarifa de hoje o investimento que será feito no futuro.
O novo formato vai trazer o investimento para a tarifa só quando ele começar a ser executado. A avaliação é que esse formato serve de estímulo para melhorias, enquanto o anterior incentivava mais promessas do que obras.
O novo contrato, porém, ainda precisará ser aprovado no âmbito da Urae. Como o órgão funciona com o colegiado, os municípios não vão aprovar individualmente, mas coletivamente.
A reunião deve acontecer em meados de maio. Até lá, é possível que alguma cidade saia da Urae, o que pode impactar nos cálculos de desconto da tarifa, por exemplo. Por isso, a divulgação sobre os valores foi adiada.
RAIO-X DA SABESP
Fundação: 1973
Lucro líquido 2023: R$ 3,5 bilhões
Valor de mercado: R$ 57 bilhões
Funcionários: 11.170
Municípios atendidos: 375
População atendida: 28,4 milhões
THIAGO BETHÔNICO / Folhapress