Interesse em ciência ajuda democracias em todo o mundo, diz Nobel de Medicina

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O interesse na ciência ajuda democracias em todo o mundo e, pelo contato que tem com o conhecimento, o cientista tem uma maior responsabilidade do que as demais pessoas, diz May-Britt Moser, vencedora do Nobel de Medicina em 2014, durante evento na USP (Universidade de São Paulo) nesta quarta-feira (17).

Em uma fala voltada aos jovens pesquisadores da maior universidade da América Latina, a norueguesa usa uma metáfora que ouviu em uma canção infantil do seu país para falar sobre a responsabilidade dos cientistas: Digamos que o mundo é um balão e alguém resolveu furá-lo com uma agulha. Uma vez murcho, é responsabilidade de todos manter o balão no ar, juntos.

“E nós, cientistas, temos mais responsabilidade que o resto das pessoas, porque sabemos muito.”

Moser, junto com o então marido Edvard Moser, foi uma das responsáveis pela descoberta de um tipo de célula cerebral — célula de grade — que funciona como um GPS.

O estudo em roedores atraiu a atenção mundial, uma vez que, nós, humanos, compartilhamos nossas funções cognitivas fundamentais com os outros animais. A descoberta, portanto, abriu caminhos para o melhor entendimento do Alzheimer, por exemplo.

“Acredito que a educação nos torna menos polarizados, e a democracia morre quando há polarização”, afirma ainda a doutora em Neurofisiologia e professora da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU).

Moser entende que a ciência básica, a qual pesquisa há mais de 20 anos, é fundamental. Sem isso, não existe a ciência aplicada. Ela não se dedica, portanto, a desenvolver drogas para o tratamento de doenças neurológicas, por exemplo, mas a desvendar processos básicos do cérebro.

A neurocientista defende que, quando se começa a entender o que causa uma doença como o Alzheimer, é possível pensar em como preveni-la. “Com esse trabalho, focamos em uma área do cérebro, o córtex entorrinal, extremamente importante para a memória, que é uma das primeiras coisas afetadas pela doença”, diz.

As descobertas de Moser identificam o córtex entorrinal — área no cérebro onde a memória se consolida —, como um nó da rede cerebral que nos torna capazes de “encontrar nosso caminho”, função afetada pelo Alzheimer. Acredita-se que as células de grade forneçam ao cérebro informações sobre as métricas de ambientes espaciais abertos.

Além disso, é provável que o hipocampo receba informações sobre acontecimentos, onde aconteceram e quando, do córtex entorrinal – informações necessárias para a memória episódica.

Formada em psicologia pela Universidade de Oslo, em sua primeira visita ao Brasil, Moser se uniu a outros dois laureados com o Nobel para o Nobel Prize Dialogue, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC): David MacMillan, vencedor do Nobel de Química em 2021, e Serge Haroche, ganhador do prêmio de Física em 2012.

Com direito a participação do público, os pesquisadores discutiram a criação de um futuro com a ciência e as dificuldades envolvidas nisso. “É difícil fazer ciência. Temos muitos fracassos até chegarmos a uma resposta bem sucedida”, diz Moser.

Seus artigos mais recentes atraem interesse porque a representação espacial é uma das primeiras funções a serem caracterizadas em um nível mecanicista em redes neuronais. Segundo ela, no entanto, ainda há muito a ser desvendado sobre como funcionam o armazenamento e a perda da memória.

LUANA LISBOA / Folhapress

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