SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A América do Sul foi o continente que registrou o maior aumento de adolescentes com esteatose hepática metabólica, ou seja, acúmulo de gordura no fígado, em 29 anos, aponta estudo da American Association for the Study of Liver Diseases (ou Associação Americana para o Estudo de Doenças do Fígado, em português).
A doença está associada a fatores como obesidade, sedentarismo e herança genética. Se progredir, pode gerar complicações como a cirrose, quando o fígado deixa de desempenhar suas funções normalmente.
O estudo, publicado no ano passado, avaliou dados do Global Burden of Disease (GBD), pesquisa que examinou mortalidade e incapacidade causadas por 369 doenças em 204 países e territórios, entre 1990 e 2019.
A América do Sul e a América do Norte tiveram o maior aumento relativo de casos da doença em adolescentes (39,2% e 36,8%, respectivamente). O cálculo é feito com base no indicador anterior e na comparação com outras doenças no mesmo período.
Os números foram considerados significativamente maiores do que os dos demais continentes: a Europa ficou em terceiro lugar (27%), seguida da Ásia (25%), África (19%) e Oceania (17,9%).
Já a prevalência global de adolescentes com a doença subiu de 3,73%, em 1990, para 4,71% em 2019, o que corresponde a um aumento relativo de 26,27%. A prevalência se refere ao número de casos de uma doença em uma população, durante um período de tempo.
Os pesquisadores concluíram que o aumento da esteatose hepática metabólica que diferencia-se da esteatose hepática causada pelo consumo de álcool em adolescentes é um problema de saúde que cresce em todos os continentes.
A América do Sul, no entanto, ainda não se enquadra nos continentes com maiores prevalências da doença (4,32%). O continente fica atrás da Oceania (6,54%), América do Norte (5,64%) e Ásia (5,44%), respectivamente.
A tendência de crescimento, no entanto, aponta para uma piora no estilo de vida da população e pode significar uma sobrecarga futura no sistema de saúde.
“A principal causa de morte da doença hepática gordurosa de causa metabólica é a cardiovascular, são pessoas que têm mais infarto, mais derrame, e essa morte pode vir a ser mais precoce se o paciente é exposto mais precocemente a essas situações”, afirma Liliana Mendes, hepatologista do Hospital Sírio-Libanês.
O estudo associou ainda a prevalência ao aumento no índice de massa corporal nos adolescentes, também observada no Global Burden Disease. Membro da SBH (Sociedade Brasileira de Hepatologia) e professora titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Cristiane Villela diz que essa é uma questão de saúde pública.
“Paralelo à obesidade, há uma maior oferta de alimentos ultraprocessados, aumento do sedentarismo, tudo isso junto leva a maior prevalência do acúmulo da gordura do fígado, e a gente precisa combater isso do ponto de vista da saúde pública”, afirma.
Estudo anterior da American Association for the Study of Liver Diseases mostrou que as causas da doença hepática crônica (DHC) mudou para os adolescentes e jovens adultos de 15 a 29 anos. A DHC ocorre quando o fígado é exposto a diversas formas de lesão, que persistem por mais de seis meses. Há múltiplas causas, como as hepatites B e C, a esteatose hepática e a hepatopatia alcoólica.
Agora, enquanto a incidência da hepatite B apresentou redução, a esteatose hepática metabólica é o principal fator para o aumento da incidência de DHC no mundo para jovens.
Foi o caso de Adriana Brandão, 36, que convivia com a doença por, pelo menos, seis anos antes de começar a tratar. “Eu estava acima do peso, não conseguia subir escada sem ficar ofegante, mas nunca liguei. A gente vai deixando, eu nunca fui atrás. Aí, fiz o exame novamente e criei vergonha dessa vez”, brinca.
No começo deste ano, ela decidiu se comprometer: cortou o excesso de carboidratos, doces e refrigerantes da dieta, passou a fazer exercício físico três vezes na semana e a comer mais verduras e legumes. Desde então, perdeu cinco quilos e, ao repetir os exames, a gordura no fígado havia, praticamente, desaparecido. “Nem a minha médica acreditou”, diz.
Embora não haja cura para a esteatose hepática metabólica, o tratamento contínuo, com melhora nos hábitos diários, pode ser a solução para quem tem a doença.
“Essa é, também, uma questão de políticas públicas e envolve fatores econômicos quando um pacote de biscoito recheado custa 1/5 do valor de um prato de salada”, afirma Villela. “Mas a mudança de estilo de vida consegue reduzir esta gordura e impedir a progressão da doença.”
LUANA LISBOA / Folhapress