ODESSA, UCRÂNIA (FOLHAPRESS) – O jornalista Dima Khilchenko ainda fica aflito de levar seus dois filhos à casa de campo da família em Tolokun, trecho de floresta a 60 quilômetros ao norte de Kiev, porque se suspeitava que havia minas terrestres por aquela rota.
“Eles [o governo] já liberaram e disseram que é seguro ir por ali, mas não sei, até hoje eu não fico totalmente confortável”, diz o ucraniano. É sintoma de um problema colateral da guerra contra a Rússia, que tende a se manter grave por muito tempo.
Entre 25% e 30% de todo o território da Ucrânia está potencialmente contaminado por minas –o que não significa que há explosivos espalhados por toda essa área, mas que esse espaço precisa ser verificado e liberado para ser considerado seguro. Segundo a ONU, essa foi a causa da morte de 360 civis desde o início do conflito, e outros 800 ficaram feridos.
Líderes como o ministro do Interior, Ihor Klimenko, têm dito que essa é uma questão que só poderá ser enfrentada após o fim da guerra. A Folha ouviu de autoridades militares que, se o conflito acabasse hoje, seriam necessários pelo menos mais dez anos para a desminagem completa do país.
“Eu acho que vai levar bem mais”, diz Volodimir Melnik, que trabalha em uma empresa de monitoramento e identificação de terreno minado. “A Ucrânia é o país com mais minas da Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Vamos sofrer com isso por muito tempo.”
A função de Melnik é voar com drones sobre áreas contaminadas –baseando-se em informações coletadas em entrevistas com moradores e autoridades, além de mapas dos locais onde houve batalhas com os russos– e subir essas imagens em um programa que usa inteligência artificial para apontar onde os explosivos podem estar.
Aí começa uma segunda parte da missão, em que maquinaria específica é enviada à área para desmontar os artefatos. Esse trabalho de manuseio qualificado por um profissional, segundo Melnik, alcança cerca de dez metros quadrados por dia –as fronteiras da Ucrânia cobrem mais de 600 mil quilômetros quadrados.
Há também métodos mais analógicos, digamos, para a identificação de terreno minado. A reportagem acompanhou, na manhã do último domingo (14), o trabalho de dois cachorros treinados por militares em uma vila que foi ocupada pelos russos e depois retomada na região de Mikolaiv.
Calma, os animais não correm muito risco de ir pelos ares. Segundo os tutores dos cães Kwat e Alf, eles tiveram treinamento de um ano para sentir o cheiro de explosivos à distância. Assim, colaboram para reduzir a área de risco a localizações mais precisas e, então, equipes especializadas podem trabalhar com uma exatidão maior.
Anos atrás, os dois cães farejadores tinham como função identificar, na Bósnia, onde se encontravam minas deixadas lá na época da Segunda Guerra. Quando a situação se agravou na Ucrânia, o Exército contratou o serviço canino importado.
O fato de explosivos do tempo de Hitler representarem um perigo ainda hoje diz muito sobre a longevidade do seu risco. E o pior é que eles não ameaçam só a terra.
Segundo Dmitro Pletenchuk, tenente da Marinha ucraniana, a Rússia desovou pelo menos 400 minas pelo mar Negro, principal canal de importações e exportações do país.
“Mas a Marinha já começou o trabalho de desminagem”, diz o oficial, afirmando que o governo pretende estender a mão a países como Romênia e Bulgária, banhados pelo mesmo mar, para fazer operações conjuntas. “Afinal, é nosso problema comum. Devemos levar décadas nisso, mas o trabalho ficará cada vez mais realizável.”
Isso porque não há como assegurar o pleno funcionamento do comércio da região enquanto um pedaço tão vasto de território está sob ameaça de explodir a qualquer momento.
Boa parte das terras agrícolas mais produtivas da Ucrânia está contaminada e, segundo o técnico Volodimir Melnik, é o Ministério da Economia que indica quais são as áreas mais importantes de recuperar primeiro, por serem mais valiosas para o PIB.
Mas o grosso da economia está voltado, nesse momento, ao esforço de guerra. “A verdade é que não conseguimos ver o quadro total [da situação]”, diz Melnik. Ainda há muito a desenterrar.
WALTER PORTO / Folhapress