Relatório do Congresso dos EUA expõe diferença entre big techs sobre exclusão de contas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O relatório recém-divulgado por uma comissão do Congresso dos EUA sobre o bloqueio judicial de contas do X (antigo Twitter) no Brasil mostra que as grandes empresas de tecnologia adotam condutas distintas em relação ao tema.

A comparação entre as big techs é possível porque o documento contém ofícios assinados pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), para suspensão de perfis não só no X, mas também em outras redes sociais.

Ao entrar em cada URL indicada nos ofícios, é possível concluir que apenas a rede de Elon Musk informa ao usuário a existência de uma decisão judicial de bloqueio.

Nas demais plataformas, há desde o mero desaparecimento da conta até a informação de que ela não está disponível, sem que o motivo seja detalhado, ou até mesmo uma sugestão de outras explicações possíveis para o perfil não ser mais encontrado.

Um exemplo é o do perfil do senador Marcos do Val (Podemos-ES).

Documento presente no relatório divulgado nos EUA permite ver que, no dia 15 de junho de 2023, Moraes ordenou a oito empresas, que incluem redes sociais, plataformas de vídeo e aplicativos de mensagem, que bloqueassem em até duas horas contas ou canais do congressista ou ligados a ele.

O ofício termina com parágrafo comum a outras ordens de bloqueio de conta presentes no relatório: “Diante do caráter sigiloso destes autos, deverão ser adotadas as providências necessárias para a sua manutenção”.

A reportagem acessou os endereços indicados no ofício de Moraes ao longo da última semana.

O do X traz os dizeres “conta retida”. Sob ele, o aviso de que “@marcosdoval foi retido no BR atendendo a uma demanda legal”.

Já no Instagram e Facebook, pertencentes à Meta, aparece uma mensagem de que a conta “não está disponível”.

Sob o aviso, o Facebook coloca a explicação de que, “quando isso acontece [página indisponível], geralmente é porque o dono compartilhou o conteúdo apenas com um pequeno grupo de pessoas, alterou quem pode vê-lo ou ele foi excluído.

Já no Instagram, a mensagem diz apenas que “o link em que você clicou pode não estar funcionando, ou a página pode ter sido removida.”

No Gettr, rede social criada por Jason Miller, porta-voz de Donald Trump durante seu mandato presidencial, aparece apenas a menção de que a página não pôde ser encontrada.

Também o YouTube adota mensagem sucinta e diz que o canal “não está disponível”.

No TikTok, o endereço da página indicado no ofício de Moraes, que parece indicar uma conta de apoiadores do senador, exibe o nome dele e uma foto, mas não traz nenhum vídeo.

Do Val teve a conta suspensa no mesmo dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em seus endereços, em operação autorizada por Moraes.

Três meses antes, o ministro havia determinado a abertura de investigação contra o senador para apurar suspeita da prática dos crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e coação.

O procedimento foi instaurado após o congressista fazer uma transmissão ao vivo pelas redes sociais na qual afirmou que a revista Veja publicaria uma reportagem mostrando que Bolsonaro tentou coagi-lo a “dar um golpe de Estado junto com ele” e horas depois recuar.

A reportagem contatou todas as redes e plataformas citadas, com exceção do X, para saber por que não informavam aos usuários que o bloqueio da conta se devia a decisão judicial. Apenas o YouTube respondeu.

A plataforma de vídeos disse que revisa os mandados para bloqueio de contas “para determinar quais são nossas obrigações”.

“Se a ordem judicial nos exigir o bloqueio do conteúdo, responderemos em conformidade”, afirma.

Gettr, Meta, TikTok e Telegram não se manifestaram.

A mensagem que aparece em cada rede nos perfis associados ao senador se repete em outros casos de contas bloqueadas por decisão judicial, como as do ex-apresentador da Jovem Pan Paulo Figueiredo Filho e do influenciador Bruno Aiub, o Monark.

No caso de Monark, a decisão de Moraes determina a suspensão também de um endereço do Rumble. Usada por bolsonaristas para driblar bloqueios no YouTube, a plataforma havia anunciado sua saída do Brasil em dezembro do ano passado como uma reação às ordens de Moraes.

Até ao menos o meio da semana passada, ao se entrar em um endereço da plataforma, aparecia um “aviso a usuários no Brasil”.

O texto dizia que o Rumble estava indisponível no país devido às “demandas do governo brasileiro para remover criadores da nossa plataforma”.

“Estamos desafiando essas demandas governamentais e esperamos restabelecer o acesso em breve” dizia o site.

Neste sábado (20), o Rumble estava de volta, mas não era possível acessar a página indicada na decisão sobre Monark. Uma mensagem de erro aparecia.

A razão das diferenças entre as big techs ao comunicar a origem do bloqueio das contas não está clara até o momento. Pode ser tanto resultado de uma decisão institucional como da interpretação das decisões de Moraes.

Ao iniciar a série de críticas ao ministro do STF no início do mês, Musk afirmou que a gota d´água havia sido a exigência de que a plataforma dissesse que o bloqueio se devia a uma violação dos termos de uso, e não a uma decisão judicial.

Não há nos ofícios presentes no relatório do Congresso dos EUA uma comprovação de que isso tenha acontecido.

O que aparece, sem detalhamento, é a determinação de que as plataformas adotem as “providências necessárias” para a manutenção do “caráter sigiloso” dos autos.

Para Eugênio Pacelli de Oliveira, advogado e autor de livros de referência sobre processo penal, isso não impede que a plataforma divulgue que o motivo do bloqueio da conta é uma ordem judicial.

Isso porque, segundo ele, a obrigação de sigilo vale para o conteúdo de uma decisão e não abrange a informação da mera existência de uma decisão.

Por outro lado, ele avalia que o X pode ter violado o segredo de Justiça ao enviar os ofícios de Moraes sob segredo de Justiça ao Congresso dos EUA, uma vez que esses documentos continham detalhes como os nomes das contas a serem bloqueadas e a informação sobre a qual inquérito a ordem de bloqueio se vinculava.

Pesquisador sênior de direito e tecnologia do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) Rio, João Victor Archegas concorda que o segredo de Justiça é mantido quando a plataforma apenas diz que a remoção se deve a decisão judicial, sem afirmar qual foi a ordem legal, com base em qual processo e por qual fundamentação.

Em sua avaliação, por outro lado, o X não violou o sigilo ao repassar os documentos ao Congresso dos EUA porque, ao que tudo indica, só mandou ofícios para o cumprimento de decisões de casos sob segredo de Justiça, e não as decisões em si.

ANGELA PINHO / Folhapress

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