Políticos no mundo formam cordões sanitários contra populistas, diz pesquisador

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A estratégia de se vender como um outsider da política, alguém de fora do sistema e preparado para “drenar o pântano” do establishment, ajudou a levar ao poder líderes populistas em diferentes partes do mundo nas últimas décadas. Donald Trump fez isso nos Estados Unidos, por exemplo, Jair Bolsonaro seguiu o modelo no Brasil, e vários outros políticos com tendências autoritárias agiram de forma semelhante, com sucesso suficiente para enfraquecer a democracia no mundo.

Na contramão desse movimento, políticos e partidos tradicionais estão se juntando para colocar os populistas em uma espécie de “quarentena” a fim de proteger a democracia.

Em diferentes países é possível ver alianças improváveis entre antigos rivais enquanto se erguem cordões sanitários contra o extremismo, de acordo com o cientista político Daniel Drache. Professor da Universidade de York, no Canadá, ele desenvolveu uma pesquisa que alega que a tática busca impedir que políticos populistas, especialmente da ultradireita, cheguem ao poder.

“A classe política de muitos países estava despreparada para lidar com a força da insurgência populista no mundo todo”, explica, em entrevista à reportagem. “Partidos tradicionais dos EUA, do Reino Unido e do Brasil não sabiam como lidar com essa questão. Não tinham uma estratégia para bloquear a ascensão do populismo extremista e do nacionalismo”. E isso levou à vitória desses líderes que têm tendências autoritárias, segundo ele.

Drache é autor do livro “Has populism won? The war on liberal democracy” (O populismo venceu? A guerra contra a democracia liberal, sem tradução para o português). Segundo ele, esse novo movimento deixa de ver o populismo como uma aberração e passa a pensar em coalizões a favor da democracia como forma de evitar essa ascensão extremista. “A quarentena dá espaço para partidos democráticos respirarem. Ela evita a formação de governos que possam assumir o poder e mudar as regras do jogo para que os populistas se mantenham no poder”, diz.

O conceito de cordão sanitário na política já é consolidado no meio acadêmico. Ele se refere à recusa de alguns grupos políticos de colaborarem com partidos que consideram que vão contra seus princípios.

O professor diz que isso é muito evidente na Holanda, por exemplo, onde partidos de centro e de esquerda decidiram conjuntamente que o ultradireitista Geert Wilders não poderia se tornar premiê, apesar de seu partido ter sido o mais votado em 2023.

De forma semelhante, explica, na Espanha e em Portugal, governos pressionados também recorreram a coligações “inovadoras, surpreendentes e até chocantes” contra extremistas, explica.

Em Portugal, um novo governo foi formado por políticos de centro-direita e socialistas que trabalham em conjunto para excluir o Chega, o partido de ultradireita que alcançou o terceiro maior número de assentos na legislatura. Na Espanha, o governo socialista indica estar preparado para trabalhar até mesmo com catalães separatistas para não entregar o governo à direita.

A Alemanha tem um movimento popular que se opõe à ultradireita do partido AfD, o que impede que eles façam parte do governo mesmo que alcancem quase 25% dos votos nas próximas eleições.

Além desses casos, já é possível ver negociações entre eurodeputados de centro e de esquerda para isolar a ultradireita nas eleições parlamentares da UE, em junho, ele explica.

O caso do Brasil é diferente, segundo o professor, pois a “quarentena” depende não necessariamente dos políticos, mas do Judiciário, que tornou Bolsonaro inelegível. Ele alega que este movimento via jurídica é especialmente importante porque pode ser mais difícil formar coalizões em defesa da democracia em sistemas pluripartidários fragmentados como o brasileiro.

DEFESA DA DEMOCRACIA

Apesar de identificar um comportamento semelhante entre esses países, Drache diz não acreditar que seja um movimento internacional em conjunto. “Parece ser uma estratégia que varia e se adapta a diferentes contextos, mas de forma independente.”

Ele ressalta que nas últimas décadas houve uma aliança entre políticos populistas de diferentes partes do mundo, que compartilharam estratégias para chegar ao poder e se manter lá, mas que a resposta democrática “não aparenta ter uma coordenação, pois depende das circunstâncias de cada país e é idiossincrático. Depende do nível de desespero dos democratas diante da ameaça que se percebe”, diz.

Enquanto vê uma ação bem-sucedida dos cordões sanitários em alguns países, o professor alerta para a capacidade limitada dessas ações em evitar a ascensão antidemocrática. “Não é suficiente, mas é um primeiro passo importante”, diz. “A quarentena é sempre uma meia medida. Quando os populistas conquistam maiorias absolutas, o cordão sanitário se torna inútil. A fraqueza desta tática reside no fato de a quarentena só evitar que os populistas cheguem ao poder”.

Exemplo desse risco, para ele, é a eleição deste ano nos EUA, em que Trump tem aparecido como favorito para voltar ao poder. “O populismo internacional pode ser energizado por uma possível vitória de Trump, com intensificação de ataques às constituições e a direitos e liberdades individuais nos EUA e em outros países”, diz.

DANIEL BUARQUE / Folhapress

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