Filme sobre Dorival Caymmi emociona, mas não foge das convenções

FOLHAPRESS – Em 1998, dez anos antes de morrer, Dorival Caymmi deu uma entrevista na casa de um amigo, no Rio de Janeiro. Aos 84 anos, falou sobre filhos e netos, aventuras amorosas e relação com a natureza. Também comentou algumas das suas principais composições e lembrou a convivência com Carmen Miranda.

Inédita, essa entrevista é o principal trunfo de “Dorival Caymmi: Um Homem de Afetos”, documentário dirigido por Daniela Broitman, que havia lançado “Marcelo Yuka no Caminho das Setas” em 2011. O filme entra em cartaz neste mês de celebração dos 110 anos do cantor e compositor, nascido em Salvador em 30 de abril de 1914.

Muito à vontade diante da câmera, Caymmi exibe seu dom para a sedução, alinhado à vaidade e à ironia. “Vocês têm a impressão que eu vou sair bonito? Porque eu estou com a impressão que estou um pouco idoso”, diz. “Tem uma fase da vida que a gente quer ser bonito. Quando eu era adolescente, diziam assim: ele é muito bonito. E eu acreditei.”

É adorável vê-lo se gabando porque há graça na pose, nunca empáfia. Logo depois de se enaltecer, faz um comentário que põe em dúvida o Narciso que carrega. Na verdade, nunca sabemos o quanto ele se leva a sério, um dos tantos mistérios desse gênio.

Ainda melhor é vê-lo cantar “O Vento”, com uma voz ainda potente, para, em seguida, rememorar a natureza de Salvador que sempre o fascinou. Também interpreta “Marina” (“E quando eu me zango, Marina, não sei perdoar”) acentuando a levada de bolero de um dos seus clássicos.

Àquela altura, Caymmi não estava no seu auge como cantor. No entanto, como maior intérprete das suas próprias composições, ainda era capaz de reencontrar seu repertório, das canções praieiras aos sambas-canção, adicionando novidades sutis –na harmonia, na dicção, nos gestos.

O documentário apresenta outros bons momentos, como o registro da conversa carinhosa de Caymmi e Tom Jobim ao lado do piano e o depoimento de Caetano Veloso, que reflete sobre a espiritualidade jamais óbvia das músicas de Caymmi e afirma: “Ele é a maior figura da música popular brasileira de todos os tempos”.

Mas é a entrevista de 1998 que dá ao filme seus instantes de epifania.

Dito tudo isso, é preciso reconhecer a incapacidade de “Um Homem de Afetos” de escapar das convenções do gênero. Seria demais exigir do documentário o talento inventivo demonstrado pelo seu homenageado a partir do final dos anos 1930. Mas o filme poderia ter se inspirado em Caymmi em busca de uma mínima ousadia na linguagem.

No mais, parece haver uma desatenção a um cenário de fortalecimento dos documentários sobre música brasileira.

“Um Homem de Afetos” faz um retrato mais aberto da vida e da obra de Caymmi, evitando se concentrar em recortes, o que, por si só, não é um problema. Mas lembremos que, apenas nos últimos seis anos, foram produzidos pelo menos três filmes sobre Caymmi. Considerando esse contexto, não faria mais sentido uma produção voltada ao compositor com um olhar específico?

Foi o que fez “Dorivando Saravá – O Preto que Virou Mar”, de 2020, que mostra as relações do baiano com a cultura e a religiosidade afro-brasileiras. A atenção a um aspecto determinado combinada à preciosidade da entrevista de 1998 daria mais força ao filme.

Em suma, “Um Homem de Afetos” é um bom documentário, mas seria mais inovador e envolvente com foco e um pouco de atrevimento, atrevimento que nunca faltou a Caymmi.

DORIVAL CAYMMI: UM HOMEM DE AFETOS

– Avaliação Bom

– Quando Estreia nesta quinta (25) nos cinemas

– Classificação 10 anos

– Produção Brasil, 2019

– Direção Daniela Broitman

NAIEF HADDAD / Folhapress

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